Moçambique nas Trevas
da Escolástica, Enquanto o Mundo já Vive o Renascimento
Autor: Estêvão Azarias Chavisso
Estevaohamurabi@gmail.com
Estava eu e alguns
colegas na biblioteca da Universidade Pedagógica de Moçambique (UP). Como de
hábito, no final das aulas da Escola de Jornalismo, o grupo dirige-se a uma das
bibliotecas mais próximas – visto que a biblioteca da escola é uma das mais
pobres a nível regional. O objectivo destas visitas às bibliotecas não está
centrado apenas na resolução de trabalhos dados a nível interno – trabalhos que
só servem para atrasar a evolução do estudante, pois o estudante quer aprender
a escrever, o que é primordial para se ser um bom jornalista, e não perder
tempo com trabalhos sobre o feudalismo na idade média ou périplos da
antiguidade – mas reside na tentativa de percorrer os diversos labirintos que a
ciência nos proporciona. De salientar que a própria biblioteca da Universidade
Pedagógica deixa muita a desejar, é inconcebível que uma biblioteca
universitária não tenha a Constituição da República. Mas este não é o foco do
artigo.
Da filosofia,
acompanhados por Giovan Real e Nicola Abbagnano, à historia, com Jean
Carpentier e Francois Lebrun e não só, também abordávamos a literatura
moçambicana e muito mais na biblioteca da UP. Numa análise prévia, percebemos
o quão atrasado estávamos, e o quão, o nosso sistema de ensino estava a contribuir
para nosso atraso. Os melhores pensadores aparecem em épocas e contextos
diferentes mas o que realmente marca a sua estadia, os imortalizando, é a
contextualização dos seus pensamentos. Portanto, é importante que definamos a
contextualização da qual tanto se faz referência neste artigo.
Deste modo, a contextualização
seria a capacidade de adequar os pensamentos, as reflexões aos problemas vigentes
numa determinada sociedade, numa dada época. Cada época tem os seus problemas,
cada sociedade tem as suas preocupações. Sendo assim, cabe ao pensador, ao
cientista social, com base no passado, formular ideias e reflexões com objectivo
de responder aos problemas actuais.
As ciências sociais e
humanas não podem de forma alguma tornar-se algo estático. Aliás, a ciência não
é estática. É por isso que o cenário actual é catastrófico para qualquer mente
atenta: as instituições de ensino superior e não só, estão a formar decoradores
e não pensadores.
Analisando as áreas nas quais me estou a
formar, que são, por um lado, a Filosofia e, por outro lado, o Jornalismo, noto
um tremendo atentado à integridade das ciências sociais e humanas. Os
currículos vigentes estão totalmente fora do contexto, não observando a
evolução que o mundo regista. É inadmissível que uma escola de comunicação já
com mais de 6 anos de existência não tenha uma sala de informática. Está-se a
formar jornalistas, publicitários e homens das relações públicas
desactualizados. Como consequência disso tem-se um jornalismo fora dos padrões
internacionais, abominável, partidário, infantil e com direito a editoriais mal
escritos. É como se o mundo estivesse em pleno renascimento, no borbulhar do clássico
iluminismo, e nosso país continuasse na escolástica da idade média.
Por outro lado, tem-se o dilema da filosofia
moçambicana. Está-se a formar filósofos do silêncio. É ridículo mas é o que
está acontecer, está-se a formar filósofos habilitados em decorar teorias de
Sócrates, Platão e Aristóteles. Esquece-se que estes grandes homens viveram
numa época diferente, num contexto diferente. Não deve-se, por exemplo, abordar
os problemas actuais da mesma forma que foram abordados na Grécia antiga. O que
existe actualmente, são filósofos fascinados por Montesquieu, Hegel, Ludwig
Feuerbach, Karl Marx, Emanuel Kant, Descartes, John Locke, Thomas Hobbes,
Friedrich Nietzsche e outros, entretanto, simplesmente incapazes de discutir e
resolver problemas actuais de Moçambique.
Os grandes nomes acima citados influenciaram
revoluções, moldaram regimes; uns foram mortos, outros acabaram com problemas
mentais; enfim, marcaram o mundo e inspiraram massas.
Fala-se tanto de
filosofia africana, no entanto, faz-se muito pouco por ela. Contudo, ela não
pode ser vista como uma tentativa de fazer face a filosofia ocidental, pelo
contrário, ela deve ser o caminho lógico racional para resolução dos problemas
actuais africanos.
E enquanto o sistema de ensino continuar a
formar decoradores e não pensadores continuar-se-á na idade das trevas. Enquanto
uns vão mudando o mundo exigindo políticas governamentais sérias, influenciando
revoluções e destruindo regimes, Moçambique continuará a brincar ao som do
batuque e ao sabor da massaroca.
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