quarta-feira, 2 de julho de 2014

Publicado a 23 de Junho de 2014 pelo jornal lusófono Plataforma de Macau, da China

http://www.plataformamacau.com/lusofonia/mocambique/taiwan-um-parceiro-ausente-em-mocambique/



TAIWAN: UM PARCEIRO AUSENTE EM MOÇAMBIQUE

                                         
                                                                                                    Por:Estêvão Azarias Chavisso, Maputo


A inexistência de relações diplomáticas entre Moçambique e Taiwan afasta a ilha nacionalista dos negócios do país da África Austral. Mas especialistas ouvidos pelo Plataforma Macau consideram que, apesar disso e da China, as duas partes podem ter maior intercâmbio económico.

O maior parceiro comercial e grande aliado político de Moçambique é a China e só esse facto basta para explicar a quase ausência de negócios de Taiwan no país lusófono do sul de África. Os poucos números que se conhecem dessas trocas comerciais são reduzidos, e Taiwan continua fora do pelotão de asiáticos que investem fortemente em Moçambique: China, Japão, Coreia do Sul, Vietname, Tailândia e Índia.

Para o empresário moçambicano Dino Foi, que viveu e estudou na Formosa,  a “culpa” é da geopolítica, leia-se da rivalidade entre China e Taiwan, e da “falta de vontade” do governo moçambicano em estabelecer relações comerciais com a ilha.

“ Na verdade, o Estado moçambicano receia um eventual desentendimento com a China. No emntanto, a partir do momento em que assumimos Taiwan como uma província chinesa, Moçambique pode efectivamente manter relações comercias com Taiwan sem problemas. Existem vários ministros e diretores nacionais africanos que, apesar de manterem relações diplomáticas com a China Popular, já estiveram em Taiwan à procura de oportunidades de negócio”, disse Dino Foi, entrevistado em Maputo pelo Plataforma.

Também para Maria Gustava, responsável pela Direção da Ásia/Oceânia do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moçambique, a inexistência de relações diplomáticas não condiciona as relações comerciais. “Não há problema nenhum em mantermos relações comerciais com Taiwan, tanto que existem empresários taiwaneses a investirem em Moçambique”, disse Maria Gustava, ao Plataforma.
A diretora afirmou que Moçambique não pode ter relações diplomáticas com Taiwan pois a Formosa não é reconhecida pela ONU.

“Nós não reconhecemos Taiwan como um Estado, por isso não podemos ter relações diplomáticas com o mesmo. A nossa constituição é guiada pelos princípios da ONU, se a ONU não reconhece Taiwan como um Estado, nós também não o faremos”, realçou.

A diretora defende ainda que não é verdade que Moçambique não mantém relações económicas com Taiwan devido ao receio de um eventual desentendimento com a China. “Nós somos um Estado soberano, as nossas decisões são autónomas. Não é verdade que haja um temor por eventual desentendimento com a China”, disse a diplomata. Questionada sobre os níveis de investimento taiwanês em Moçambique, Maria Guistava admitiu disse que o governo não tinha dados pois não existe uma entidade estatal que monitore o número do investimento nos dois Estados.

Segundo Foi, ainda em 2013, as autoridades moçambicanas travaram ajuda humanitária enviada pela Formosa, por altura de grandes cheias no país. “Os taiwaneses mandaram uma equipa com 16 médicos, 39 enfermeiros e dois contentores de medicamentos para ajudar os moçambicanos afectados pelas cheias. No entanto, os médicos taiwaneses não foram autorizados a trabalhar e tiveram de voltar. As pessoas vieram ter comigo a questionar, e eu fiquei sem saber o que fazer ou que dizer”, disse Foi, presidente da companhia Foi Strategic Group.


GRANDES OPORTUNIDADES
DE NEGÓCIO

Apesar dessa situação, Foi acredita que há um grande espaço para Moçambique e Taiwan desenvolverem relações mais estreitas na economia. “Atualmente, Taiwan é, talvez, a 19º economia mundial, com um PIB per capita de cerca de 22 mil dólares, com salário mínimo de cerca de 700 dólares e com nível zero de analfabetismo. Taiwan tem em reservas líquidas de moeda estrangeira cerca de 300 mil milhões de dólares americanos. Em contrapartida, o mesmo tem relações diplomáticas com menos de 23 países. Taiwan tem uma economia altamente robusta. É um verdadeiro tigre asiático que a própria China não pode ignorar, então quem somos nós para ignorar? Moçambique não devia desprezar um Estado nesta posição”, frisou.

E o empresário, que dirige a fundação taiwanesa Tsu Chi Foundation, de ajuda humanitária, em Moçambique considera que as caraterísticas do investimento de Taipé no estrangeiro são diferentes das de Pequim.

“A China depende muito do carvão, Taiwan não. Para Taiwan, o carvão é uma alternativa que talvez até os próximos 10 anos vai terminar. Taiwan não importa madeira não processada, nem castanha não processada. Para Taiwan, o que interessa é a presença e a eficácia do empresariado taiwanês em África”, afirmou.

E deu um exemplo: “Obviamente, quando Taiwan quer fazer uma relação comercial tem puxado, até de uma forma forçosa, a parte diplomática. Mas, Taiwan sabe que não tem condições favoráveis para forçar relações diplomáticas com qualquer Estado africano, tanto mais que neste momento China e Taiwan mantêm relações muito boas. Então, a Formosa contenta-se com relações comerciais, por exemplo, Taiwan tem relações comerciais com a África do Sul, muito embora África do Sul tenha relações diplomáticas com a China”.

O mesmo ponto de vista foi acolhido por Lourenço Sambo, diretor geral do Centro de Promoção de Investimentos (CPI) de Moçambique, que defende que o facto de Moçambique não manter relações diplomáticas com Taiwan não afeta as relações comerciais entre as duas partes.

“A nível geral, posso afirmar que existem relações comerciais entre moçambique e Taiwan, apesar de não existirem relações diplomáticas. Uma coisa é comércio, outra coisa totalmente diferente é política”, disse, ao Plataforma. “ É verdade que não existe nenhuma delegação comercial moçambicana em Taiwan, e muito menos uma delegação taiwanesa em Moçambique. O que existe são empresários taiwaneses que investem em Moçambique. Nós recebemos empresários do Taiwan sem problemas, por exemplo, agora vai um grupo de empresários moçambicanos para Taiwan interessados em investir na área do turismo, não há problema nenhum”, firmou Sambo.

 

APROVEITAR A SUAZILÂNDIA

Dino Foi considera que seria “fácil” incrementar as relações comerciais com os dois países, sob uma fórmula muito utilizada pela Formosa. “Taiwan tem um modelo de atuação muito interessante, que consiste na instalação de uma autoridade de exportação e importação, o que facilita o processo de interação comercial. Seria uma boa ideia para implementar em Moçambique”, defendeu, propondo a criação de uma câmara de comércio bilateral.

“Não precisaríamos, num primeiro momento, de uma intervenção do Estado moçambicano como tal. Mais tarde, poderia ser criada uma espécie de representação comercial que não precisa ser demasiadamente burocrática. Este seria um mecanismo para estabelecer relações comerciais” defendeu.

De acordo com o empresário moçambicano, numa primeira fase, a embaixada de Moçambique na vizinha Suazilândia, poderia ser importante pois as duas partes têm relações com esse reino da África Austral.

“A situação em que nos encontramos é complicada. Eu, até certo ponto, tenho jogado o papel de embaixador de Moçambique em Taiwan, mesmo sem credenciais do Estado moçambicano. Em Taiwan, ninguém faz um movimento a nível comercial ou diplomático com Moçambique sem me procurar, no entanto, é necessário que o Estado moçambicano comece a preocupar-se com isso. Neste exacto momento, por exemplo, eu estou a namorar um grupo de empresários taiwaneses dispostos a investir em Moçambique na área da agricultura, desde que haja abertura”, assegurou.

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