“Novo” Amanhecer
na Encruzilhada da Adormecida Pérola do Índico
Um “novo” rumo marca o início de 2015 em
Moçambique, um dos países mais pobres do mundo, com cerca de 25 milhões de
habitantes e com apenas quarenta anos de independência. Um novo presidente foi
empossado a 15 de Janeiro do corrente ano, saído das quintas eleições gerais da
antiga colónia portuguesa. Empresário proeminente e formado nas fileiras da Frente
de Libertação de Moçambique (Frelimo), Filipe Nyusi chega ao cargo mais alto do
poder político moçambicano aos 55 anos de idade, tornando-se o quarto Presidente
da jovem República e o terceiro eleito democraticamente.
Do partido no poder há 40 anos (Frelimo),
Nyusi, engenheiro mecânico formado no estrangeiro, foi o vencedor do escrutínio de 15 de Outubro
de 2014, com 57, 07% dos votos, contra 36, 61% do veterano candidato da Resistência
Nacional Moçambicana (Renamo), Afonso Dhlakama, maior partido da oposição, e 6, 36% do jovem líder do
Movimento Democrático de Moçambique (MDM), Daviz Simango, terceiro maior partido
da oposição que governa três das principais cidades do país, Quelimane, Beira e
Nampula.
OPOSIÇÃO FRENETICAMENTE INSATISFEITA
A Renamo, maior partido da oposição em Moçambique, não está de acordo com os resultados eleitorais apresentados pela Comissão
Nacional de Eleições (CNE) e que, posteriormente, viriam a ser validados pelo
Conselho Constitucional (CC), proclamando, portanto, a Frelimo e o seu candidato como vencedores
das quintas eleições gerais do país.
Para a Renamo, as eleições não foram
transparentes, como vários observadores internacionais consideraram-nas. O
processo, de acordo com o “messias” da Renamo, foi manchado por diversas irregularidades, que contribuíram para a deturpação
dos resultados e, por tal, devia ser anulado. Com argumento da suposta fraude
eleitoral, Afonso Dhlakama, com recurso a sua eloquente retórica inflamável, fundamenta
que a solução dilema seria a criação de um “governo de gestão”, considerado pelo antigo
chefe de Estado moçambicano Armando Guebuza, “inconcebível” por
ser uma “anarquia”.
O clima de tensão floresce nos
primeiros dias do novo ano, incitado pelo périplo que o líder da oposição
realiza em todo país mobilizando centenas de pessoas em comícios disputados para
explicar o verdadeiro significado de "governo de gestão". Ademais, o boicote dos
89 deputados do maior partido da oposição, eleitos no último escrutínio, torna
a situação de tensão mais imprevisível, na medida em que falta apenas uma semana para findar o prazo que, de acordo com a Constituição da República, os deputados têm para tomar posse no parlamento. Aliás, a mesma situação foi registada
para o caso das dez assembleias provinciais existentes no país, onde nenhum membro
do partido de Afonso Dhlakama, até então, foi tomar posse naqueles órgãos de soberania de
Estado.
REPÚBLICA CENTRO E NORTE DE MOÇAMBIQUE
A principal solução para o líder do maior partido da oposição moçambicana
é a criação de uma república autónoma, nas regiões do centro e do norte de Moçambique
– a referida república centro e norte de Moçambique. Alguns analistas políticos,
como é o caso do historiador Rafael Shikani, alertam para o “perigo” das declarações de
Afonso Dhlakama, temendo que Moçambique viva um cenário semelhante ao do Sudão,
onde contradições internas criaram a cisão do Estado.
Por um lado, embora tenha sido assinado
o acordo da Cessação das Hostilidades Militares a 15 de Novembro de ano passado,
ainda no executivo de Guebuza, as negociações entre o Governo e a Renamo no
centro de Conferências Joaquim Chissano continuam a registar um impasse, agora
referente às listas dos efectivos da Renamo a serem integrados na polícia e no exército
– o que culminaria com a desmilitarização daquele movimento armado há mais de
23 anos.
Por outro, os moçambicanos esperam
que o novo Governo consiga combater, com sucesso, os principais problemas
sócias, nomeadamente a criminalidade, a corrupção e os raptos, que andam acima de
100 casos desde 2011.
Num outro desenvolvimento, espera-se
ainda que o executivo de Nyusi crie mecanismos para a manutenção de um diálogo
sério, um espaço de debate com todos actores políticos, incluindo a sociedade
civil, as congregações religiosas, os partidos extraparlamentares entre outros
participantes do processo de democratização de Moçambique.
CRESCENTE DÍVIDA PÚBLICA E A INDÚSTRIA
EXTRACTIVA
A nível económico, o executivo de Nyusi,
especialmente o Ministério da Economia e Finanças, dirigido pelo veterano economista
Adriano Maleane, tem a missão de estancar a crescente dívida pública, que é uma das piores da África subsaariana, totalizando 6,75 mil milhões de dólares, ao nível da dívida da década oitenta,
época em que o país registou a pior crise económica de sempre. Embora o anterior
executivo de Guebuza, na voz do antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, considerasse
a dívida sustentável, segundo o economista moçambicano João Mosca, a situação é
“preocupante” e pode levar o país novamente a uma situação de crise económica.
Com as esperanças na promissora indústria
extractiva, os moçambicanos mostram-se cada vez mais optimistas num futuro
próspero e livre dos altos índices de pobreza e desnutrição crónica, que afecta 40% das crianças em todo país. Apesar do “futuro
promissor” ser ainda nebuloso, com a crise do petróleo no mercado internacional e o incumprimento
dos prazos de benefícios do gás de Pande/Temane (reservas de gás natural na província de Inhambane, sul
do país), dados estatísticos oficiais demonstram um estável crescimento económico
a rondar os 7,5% anuais, segundo entidades como o Fundo Monetário Internacional
e o próprio banco central moçambicano.
Com recurso a nova Lei de Petróleo, aprovada ainda no Governo de Guebuza, o novo executivo terá, na prática, a missão de
gerir actuação das multinacionais no país, revertendo o actual cenário que
favorece, em larga escala, às companhias extractivas internacionais no que diz respeito a fiscalidade.
Estima-se que o país possua, só nas Bacias
de Moçambique e do Rovuma, cerca de 200 triliões de pés cúbicos de gás, cuja prospecção
e exploração estão a cargo de multinacionais como a norte americana Anadarko e a italiana ENI.
O novo Presidente tem a missão de manter as esperanças vivas e, sobretudo, fazer com que os benefícios da promissora indústria extractiva se façam sentir na vida das populações dentro dos prazos previstos.
Em suma, espera-se do novo Governo uma gestão transparente das riquezas que o
país possui. Característica está que não foi observada no governo de Guebuza. Lembre-se,
através do Ministério das Finanças, no executivo anterior, foram feitos investimentos
polémicos, como o da compra, em França, de uma frota de atuneiros, estimado em
1. 100 milhões de euros para a criação duma empresa fantasma que,
posteriormente, deu-se o nome de EMATUM, sem que tivesse sido antes consultado o
parlamento.
Para alguns analistas, como o jornalista
Marcelo Mosse, o Governo de Filipe Nyusi trará uma proposta de “continuidade”,
pelo que várias pastas importantes na composição do novo executivo estão a
cargo de personalidades com ligação directa a Guebuza.
O povo, que se alimenta da esperança de um futuro nubuloso para
suportar a pobreza e a desnutrição crónica no país,
espera do novo elenco governamental soluções e, acima de tudo, uma nova postura, consciente e mais humilde, vinda do quarto presidente da adormecida
pérola do índico.
//FIM//