Estava eu a andar na
rua, a voltar de um pequeno encontro que tive com meu parceiro das “boladas”
Gamito.Vestido das minhas calças jeans azuis, camisa cinzenta de marca
Timberland que o meu amigo Dinho ofereceu-me, porque engordou de repente e já
não cabia nela, com os auriculares pretos que a Marcinha emprestou-me,
conectados ao meu telemóvel, sintonizado uma estacão de rádio que já não me
recordo qual, mas o certo é que eu ouvia uma notícia sobre o ataque das tropas
do Governo à base da Renamo em Satungira|Gorongoza.
Passei de um contentor
de lixo, logo depois de uns dez metros, passa uma moça linda, vestida
invulgarmente, (entenda-se invulgarmente como fora do comum, o comum, nesse
caso, seriam roupas apertadas que deixam parte do corpo das mulheres nu)
provavelmente seja isso que me chamou atenção, o impacto foi tão grande que nem
um simples “oi” saiu-me da boca, só consegui olhar e contemplar.
Ela continuou a sua
caminhada, atravessou a estrada e foi comprar credito - digo isso porque ela
foi em direcção a um jovem que trazia um daqueles coletes amarelos. Eu continuei
a minha caminhada em direcção a paragem, com a imagem dela na mente e a pensar
comigo mesmo: “se aquelamoça me aparecer a frente de novo, juro que não perco a
oportunidade e vou falar com ela, e, quem sabe, até consigo o número de
telemóvel dela”.
Cheguei à paragem, no Museu,
e fiquei ali, à espera do chapa do Fomento ou Liberdade, isso porque para a
minha casa qualquer uma das rotas dá-me jeito. Eu estava bem certo de que não
viria mais aquela moça, tão diferente das que eu estava acostumado a ver por aí,
em todos os cantos dos bairros da cidade e da periferia.
Devo ter ficado parado
ali por uns cinco minutos, tempo suficiente para terem passado chapas de todas
as rotas menos os das minhas. Aliás, o único chapa da Liberdade que passou não
parou ali, foi parar em frente as barracas do museu, onde o motorista e o
cobrador desceram e entraram no mercado, provavelmente para almoçar.
Já estava a ficar
conformado com situação, quando, para minha surpresa, a moça veio a caminhar na
minha direcção e parou justamente ao meu lado.
Àquela hora, catorze, não
havia bicha na paragem, aliás, acho que em todas as paragens da cidade não há
bichas e nem luta para apanhar o chapa porque os alunos e trabalhadores ainda estão
a exercer as sua actividades.
Confesso que a coragem
que eu jurei ter se ela aparecesse a minha frente de novo foi embora, e até
tremi um pouco quando ela parou ao lado de mim.
Eu virava discretamente
a cabeça para apreciá-la, mas a vontade que eu tinha era de falar com ela, só
que a falta de coragem me possuía, fiquei naquela situação por uns quatro
minutos, até que chegou um chapa do Fomento.
Fiquei triste por saber
que iria embora sem ao menos ter dado um oi a aquela moça linda e diferente,
mas só podia ser assim, visto que o meu estômago já implorava por comida desde às
treze horas, e como estava sem dinheiro, a solução seria comer em casa mesmo,
porque se não estivesse faminto não me importava nem um pouco de ficar mais
algum tempo na paragem a olhar para ela.
Fomos em direcção ao chapa,
por ai sete ou oito pessoas, fiquei espantado quando vi que ela fazia parte do
grupo das pessoas que subia o mesmo chapa que eu.
Nesse momento, olhei para cima e agradeci aos
céus por aquilo tudo, mais uma vez ela passou a minha frente, subiu e sentou-se
no segundo banco, contando de frente para trás, aquele que vem a seguir ao
banco do cobrador.
Ela acomodou-se no
canto, ao lado da janela, e eu não quis me fazer de “matreco”, fui rapidamente
me sentar ao lado dela antes que alguém ocupasse o lugar.
O chapa ficou cerca de
vinte segundos antes de arrancar, e eu, durante esse tempo, tentava conter o
meu nervosismo, mas ficava cada vez mais nervoso.
Nesse momento, tirei os
auriculares dos ouvidos porque o som do chapa estava alto e já não conseguia
ouvir bem o noticiário das catorze. De repente o cobrador assobiou e o
motorista pôs o carro a andar.
Estávamos no primeiro semáforo, logo depois de
entrarmos na avenida 24 de Julho, quando me surgiu a ideia de aproveitar o
volume alto da música do chapa para iniciar uma conversa, assim eu não corria o
risco de alguém, além de nós dois, ouvir, mas, mais uma vez, a coragem me
faltou.
Depois pensei em
aplicar um truqueque vi meu amigo Mandinho usar num chapa um dia desses, que
consiste em tirar o telemóvel, entrar no espaço de mensagens escrever uma
mensagem e entregar a moça, assim estaria a dar início a uma conversa escrita,
já que eu não tinha coragem de falar.
Isso funcionou com Mandinho
várias vezes, mas como eu não tenho a coragem dele não me atrevi a fazer isso,
depois disso pensei comigo mesmo, “se eu estivesse bêbado talvez perdesse um
pouco de vergonha e conversaria com ela sem problemas”, mas recordei-me que
tentei fazer Isso uma vez e a tal moça simplesmente ignorou-me e ainda reclamou
do cheiro do álcool.
Durante a viagem, também
desejei ser meu amigo garanhão Bud, para poder usar a facilidade que ele tem
para falar com qualquer mulher que lhe aparece pela frente, o chapa chegou a
portagem com a minha mente ainda a arquitectar estratégias e/ou manobras para
ver se conseguia dizer um simples “oi” a aquela moça, eu estava com um nó na
garganta que chegava até a doer.
Passamos a portagem, e eu sem tomar nenhuma
iniciativa. Mas, logo depois, dei uma olhada discreta e vi que ela estava com
os olhos fechados, cabeça encostada ao vidro da janela e mão no queixo,
aproveitei esse momento para olhar para ela por uns cinco segundos, por mim
ficaria a olhar mais tempo para ela, mas os outros passageiros, certamente,
notariam que eu estava a apreciá-la.
Durante a viagem,
cheguei a imaginar nós dois a caminhar num jardim de mãos dadas bem apaixonados
no final de tarde, em direcção a uma árvore onde sentaríamos e ficaríamos aos
beijos.
Nesse momento, o
cobrador pediu para prepararmos o dinheiro, porque estávamos quase para chegar ao
terminal. Pensei em inventar algo para falar logo, porque já estava a ficar com
medo que ela descesse sem eu lhe ter dito um “oi” e, quem sabe, lhe elogiar
pela sua beleza. Se possível, em última hipótese, conseguir o seu número de
telemóvel.
Quando faltavam quatro
ou cinco paragens para o terminal, o cobrador já a terminar de cobrar, o
desespero começou a tomar conta de mim. Me enchi de coragem e olhei para ela,
já que ela havia aberto os olhos graças ao cobrador que avisou a todos que ia
cobrar, ela também olhou para mim e ficamos com o olhar fixo um no outro.
Dois segundos a olhar
para ela nos olhos foram suficientes para eu desviar o olhar, e ficar
cabisbaixo, mais uma vez, repito: ela era linda. Não consigo descrever o que
senti ao olhar para ela naqueles longos dois segundos.
Eu desceria no terminal
e, por isso, a cada paragem que o chapa passava sem que ela descesse era como
se fosse uma vitória misturada com alívio, porque estaria ao lado dela por mais
algum tempo. Não sei se foi destino ou coincidência, mas o certo é que chegamos
no terminal juntos.
A chapa parou e começamos a descer. Eu desci
primeiro porque estava mais próximo a porta, caminhei alguns passos e olhei
para trás e percebi que ela estava a vir na mesma direcção que a minha, e eu
disse para mim mesmo, “é agora ou nunca”.
Reduzi a velocidade dos
passos para permitir que ela me alcançasse, assim eu acabaria com o meu
sofrimento, e para o meu azar ela parou numa daquelas barracas da paragem para
comprar algo.
Fiquei desmoralizado de
tal forma que já não conseguia caminhar de cabeça erguida, andava com as mãos
no bolso a olhar para o chão e, as vezes, olhava para trás, na esperança de
vê-la novamente a tomar a mesma direcção que a minha.
Para minha surpresa ela
tomou a mesma direcção que a minha, retomei ao plano anterior, de reduzir o
passo para acabar com o meu sofrimento, ela deve ter percebido a minha acção e
intenção porque, quando voltei a olhar para trás ela estava com o passo
acelerado e isso acelerou os meus batimentos cardíacos...
Continua…