*** Por Estêvão Azarias Chavisso (Texto) e António Silva (Fotos), da agência Lusa ***
Namaacha, Moçambique, 25 jun (Lusa) — Em Matsequenha, atrás da cadeia montanhosa dos Libombos, sul de Moçambique, a vida continua, mas, entre pedras e poeira, a esperança é a única que resiste à seca severa que flagela os 1.358 habitantes da região.
A aparente quietude que domina a localidade de Matsequenha, a cerca de 65 quilómetros da sede distrital de Namaacha, na província de Maputo, não esconde o desespero das famílias devastadas pela dura fome que assola o sul e o centro de Moçambique, deixando cerca 1,5 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.
A extrema pobreza das famílias de Matsequenha, encravada nas montanhosas terras do distrito turístico de Namaacha, retrata o drama de uma localidade esquecida atrás dos montes da cadeia dos Libombos, num paradoxo em que a miséria de populações abandonadas no meio do nada mistura-se com o espetáculo natural oferecido pelas montanhas de um dos mais belos pontos da província de Maputo.
“A minha vida foi sempre feita aqui, no meu canto, mergulhado na miséria que bem podem ver”, lamenta à Lusa Domingos Wasitela, um agricultor que não se lembra da sua idade, mas viveu o suficiente para ver a fome e a miséria “sufocarem muitos sonhos”.
A crise económica que o país atravessa é uma novidade para Domingos Wasitela, que viveu a vida isolado do mundo, sem televisão, rádio nem energia.
“Não sabia que estávamos em crise, talvez porque sempre vivemos na miséria. Não há diferença”, diz o antigo agricultor, lembrando que o pior momento por ele vivido foi durante a guerra civil dos 16 anos, na medida em que a região foi palco de confrontos entre as forças governamentais e o braço armado da Resistência Nacional Moçambique (Renamo), o maior partido de oposição.
Abandonado pelos seus três filhos, Domingos Wasitela enfrenta hoje a tragédia de um homem que “perdeu tudo para o tempo” e, na sua pequena palhota feita de colmo, na encosta de uma das montanhas de Namaacha, sobrevive com o apoio das autoridades locais, uma ajuda que “nem sempre chega para o mês todo”.
“Não tenho nada senão esta velha [a esposa]que podem ver aqui comigo”, acrescenta Domingos Wasitela, com uma dose de humor, observando que os camponeses perderam tudo e esta é a pior seca dos últimos 40 anos na região.
Em tempos de chuva, a localidade de Matsequenha é um grande produtor de milho, mandioca e feijão, alimentos que chegam a ser exportados para outros pontos da província de Maputo.
Hoje, os extensos campos secos, as estradas de terra batida e o rio Movene quase enxuto revelam uma localidade com o futuro incerto, e com 69 famílias em situação de insegurança alimentar extrema.
“A situação é preocupante”, lamenta à Lusa o chefe da localidade de Matsequenha, Julião Matsinhe, apontando a construção de represas em todos os povoados como uma solução para a próxima seca, na medida em que os sete furos que a localidade possui são incapazes de satisfazer as populações em tempos de estiagem.
“O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades [INGC] tem ajudado, mas as pessoas precisam de mais”, afirma o chefe da localidade de Matsequenha, observando que, entre os mais afetados pela insegurança alimentar, a assistência aos idosos e doentes é urgente.
Enquanto a ajuda não chega e a seca continua um desafio para as 6.500 pessoas em situação de insegurança alimentar no distrito, do alto das montanhas de Namaacha, quando o sol descansa, Domingos Wasitela suspira de esperança ao olhar para as grandes luzes da capital moçambicana, à espera de um apoio que “pode não chegar”.
“Nós não precisamos de muito para viver, não temos grandes sonhos. Um pedaço de pão, um copo de água e é tudo”, conclui Domingos Wasitela, com o sorriso simples no rosto e a disposição típica de um povo que, mesmo na miséria extrema, continua a sonhar.
EYAC // VM
Lusa/Fim