sábado, 16 de dezembro de 2017

Literatura: Que Lição se Pode Tirar de “Um Homem que Dorme” – George Perec


Que Lição se Pode Tirar de “Um Homem que Dorme” – George Perec

Georges Perec, escritor francês da segunda metade do século passado, ligado ao movimento literário OULIPO (Ouvroir de Literature Potentielle), na sua obra, narra um certo absurdismo existencial. Os críticos literários chamaram-no “filho” de Kafka “por ter também uma certa visão do mundo em que o labirinto e o puzzle são figuras dominantes”.

A partir da comparação entre ambos, pode-se afirmar que a metamorfose de Perec reside nos seus personagens desobedientes ou, tecnicamente, redondos. Recorremos ao termo desobediente em lugar de redondo, dado que um bom leitor, seja fiel ou infiel, no final de uma diegese “perequiana” constata que os personagens se desviam do plano traçado nas páginas preliminares da diegese, mudando plenamente de comportamento.


 A metamorfose em questão é notável na obra Um Homem que Dorme, composta por aproximadamente 200 páginas, entretanto, repleta de acções e transformações sempre surpreendentes. Ou por outra, as ligações existentes entre os momentos da narrativa, levam-nos à essência dos conceitos acção e transformação, em narratologia. Talvez faça sentido questionarmo-nos: em que medida se justifica essa metamorfose?

Sinteticamente, Perec, no seu pequeno romance Um Homem que Dorme, narra a vida de um estudante universitário desapontado com a sua existência e com sistema. E como consequência desse desapontamento, surge-lhe uma soturnidade profunda, levando-o a abandonar os estudos. A sua rotina passar-se-á a resumir na leitura e dormitacões em seu pequeno quarto, com uma bacia de água ao lado da cama. Ler, comer e dormir, não sair do quarto e não falar com ninguém - passam a  definir a rotina do jovem.

De rompante, o narrador diz-nos que o jovem decidiu sair do quarto para visitar os pais, que residem numa zona rural. Chegado lá, o nosso protagonista tranca-se na velha biblioteca do pai, onde relê alguns livros. Constatando que nem o resgate do passado feliz é suficiente para dar sentido à existência, o jovem retorna ao quarto, e na sua cama ao da bacia de água, come, lê e dorme.

Obviamente, resgatando a ideia da metamorfose kafkiana, nesta personagem vê-se Gregor Sansa, o homem que numa bela manhã acorda transformado num insecto repugnante, incapaz de sair do quarto para o trabalho. O personagem de Perec iguala-se ao de Kafka, que mesmo transformado em insecto, mostra-se indignado com a sua existência e com o sistema que o escraviza para sustentar-se a si e a família.

A grande transformação, com certeza, revela-se quando o protagonista de Perec constata que, sim, a vida é um absurdo e não faz sentido, entretanto a apatia, o sedentarismo, a inércia, o silêncio, o mutismo, também não constituem solução que justifique o absurdo da mesma. Na filosofia de Nietzsche, este protagonista “perequiano” é um autêntico super-homem, pois ao desmascarar a realidade que a tem como verdade inquestionável o que resta é NADA. A moral que se atribui a vida é mera convenção social.

A questão sempre foi: a vida não faz sentido e daí? Perec, com o seu personagem, responde nestes termos: a vida é um verdadeiro absurdo mas, certamente, a indiferença, a taciturnidade e o isolamento, não constituem solução para a perfeição da vida.

A partir dessa resposta ficamos com a seguinte lição: A vida e o sistema são absurdos e não fazem sentido, mas, mesmo assim, o nosso dever, como seres humanos, é viver, participar das acções sociais, opinar e caminhar sempre para frente, amando o que amamos, porque não existe certeza sobre nada. Esta é a lição que pode tirar de Um Homem que Dorme.      

Autor: Albert Massango

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