Que Lição se Pode Tirar
de “Um Homem que Dorme” – George Perec
Georges Perec, escritor francês da segunda metade do século passado, ligado
ao movimento literário OULIPO (Ouvroir de Literature Potentielle), na sua obra,
narra um certo absurdismo existencial. Os críticos literários chamaram-no
“filho” de Kafka “por ter também uma certa visão do mundo em que o labirinto e
o puzzle são figuras dominantes”.
A partir da comparação entre ambos, pode-se afirmar que a metamorfose de
Perec reside nos seus personagens desobedientes ou, tecnicamente, redondos.
Recorremos ao termo desobediente em lugar de redondo, dado que um bom leitor,
seja fiel ou infiel, no final de uma diegese “perequiana” constata que os
personagens se desviam do plano traçado nas páginas preliminares da diegese,
mudando plenamente de comportamento.
A metamorfose em questão é notável
na obra Um Homem que Dorme, composta por
aproximadamente 200 páginas, entretanto, repleta de acções e transformações
sempre surpreendentes. Ou por outra, as ligações existentes entre os momentos
da narrativa, levam-nos à essência dos conceitos acção e transformação, em
narratologia. Talvez faça sentido questionarmo-nos: em que medida se justifica
essa metamorfose?
Sinteticamente, Perec, no seu pequeno romance Um Homem que Dorme, narra a vida de um estudante universitário
desapontado com a sua existência e com sistema. E como consequência desse
desapontamento, surge-lhe uma soturnidade profunda, levando-o a abandonar os
estudos. A sua rotina passar-se-á a resumir na leitura e dormitacões em seu
pequeno quarto, com uma bacia de água ao lado da cama. Ler, comer e dormir, não
sair do quarto e não falar com ninguém - passam a definir a rotina do
jovem.
De rompante, o narrador diz-nos que o jovem decidiu sair do quarto para
visitar os pais, que residem numa zona rural. Chegado lá, o nosso protagonista
tranca-se na velha biblioteca do pai, onde relê alguns livros. Constatando que nem
o resgate do passado feliz é suficiente para dar sentido à existência, o jovem
retorna ao quarto, e na sua cama ao da bacia de água, come, lê e dorme.
Obviamente, resgatando a ideia da metamorfose kafkiana, nesta personagem vê-se Gregor Sansa, o homem que numa
bela manhã acorda transformado num insecto repugnante, incapaz de sair do
quarto para o trabalho. O personagem de Perec iguala-se ao de Kafka, que mesmo
transformado em insecto, mostra-se indignado com a sua existência e com o
sistema que o escraviza para sustentar-se a si e a família.
A grande transformação, com certeza, revela-se quando o protagonista de
Perec constata que, sim, a vida é um absurdo e não faz sentido, entretanto a
apatia, o sedentarismo, a inércia, o silêncio, o mutismo, também não constituem
solução que justifique o absurdo da mesma. Na filosofia de Nietzsche, este
protagonista “perequiano” é um autêntico super-homem, pois ao desmascarar a
realidade que a tem como verdade inquestionável o que resta é NADA. A moral que
se atribui a vida é mera convenção social.
A questão sempre foi: a vida não faz sentido e daí? Perec, com o seu
personagem, responde nestes termos: a vida é um verdadeiro absurdo mas,
certamente, a indiferença, a taciturnidade e o isolamento, não constituem
solução para a perfeição da vida.
A partir dessa resposta ficamos com a seguinte lição: A vida e o sistema
são absurdos e não fazem sentido, mas, mesmo assim, o nosso dever, como seres
humanos, é viver, participar das acções sociais, opinar e caminhar sempre para
frente, amando o que amamos, porque não existe certeza sobre nada. Esta é a lição
que pode tirar de Um Homem que Dorme.
Autor: Albert Massango