Nina
Berberova Questiona: Como Te Portas Quando Perdes Alguém que Amas?
A reflexão sobre a condição humana sempre constituiu
motivo para debates profundos. Raciocínios deste género, no campo filosófico e literário,
podem-se observar nos personagens de Albert Camus, principalmente, na famosa
obra intitulada: O Estrangeiro. Se
esta não for suficiente, vejamos A Queda,
do mesmo escritor, em que o protagonista se submete a um monólogo, para
desvendar a própria existência. Ou por outra, A Náusea, de Sartre, fornece-nos mesmas perspectivas de pensamento.
Na verdade, a sensação de que estamos mergulhados numa náusea apresenta-se como
auge da nossa crise existencial – assim, se pode concluir a partir do diário daquele
protagonista do pensador francês.
Por seu turno, ainda no contexto dessa inquietação
existencial, Nina Berberova, escritora russa do século passado, no seu Mal Negro, um breve romance que teve a
sua primeira edição em Português em 1992 pela Editorial Presença, relata a vida
de um personagem mergulhado do absurdo. No
Mal Negro, pode-se notar,
nitidamente, uma escrita melancólica e absurda – alguma coisa de inquietante,
que nos leva a matutar sobre o sofrimento e solidão com sabor à náusea.
Lendo-se Mal Negro,
é quase impossível não reflectir sobre a nossa condição e, naturalmente, uma
diegese desse género apresenta-se como existencialista. Pensando bem,
Berberova, nesta obra, obriga o seu leitor a reflectir sobre perda e morte,
tal como o faz Comus, instituindo Meursault, personagem intrigante que o amamos
mas, ao mesmo tempo, odiamo-lo (por não sabermos o seu lugar naquela diegese,
se é o do herói, vilão ou mesmo o do anti-herói).
A escritora russa não institui um personagem tão complexo
como o de Comus, entretanto, o seu personagem, a partir do seu código
ideológico, parece carregar algumas similaridades quando comparado a Meursault.
Tais similaridades, todavia, não têm nada que ver com os estatutos dos
protagonistas ou algo parecido. Ou seja, o que converge quando comparamo-los é
o facto de mambos estarem mergulhados numa espécie de náusea causada pela morte
de alguém.
Uma narrativa condigna tem alguma coisa de inexplicável.
E, neste contexto, a autora de O Mal
Negro, criando um personagem como Evguéni Petrovitch, tem a mesmíssima
intenção – recordar o seu leitor sobre quão a vida é estranha. Vivemo-la mas
nunca saberemos como ela funciona, ela se extingue quando bem entende.
Quando tentamos perceber o código ideológico do nosso
romance em análise, a questão que Berberova levanta é a seguinte: Como é que nos
portamos quando perdemos alguém que amamos?
Comus, através do seu personagem Meursault, no Estrangeiro, implicitamente, responde:
quando se perde um amado não há nada que se faça senão continuar a viver,
porque a vida é um absurdo e não faz sentido. Georges Perec acrescentaria que
se tendo descoberto que a vida não faz sentido, a solução nunca foi o isolamento
nem a inércia, mas sim viver com um sorriso na cara ao lado da náusea, pois a indiferença
não nos torna génios e nem torna a existência perfeita.
Para responder
a sua questão, Berberova depara-se com uma série de dificuldades, dado que o
seu personagem Evguéni Petrovitch não só constata que a vida é um absurdo
quando perde a companheira, bem como vê-se entregue a nada, sem presente nem
futuro.
“Eu bem gostaria de
sarar, mas não consigo vencer o mal negro, não consigo ressuscitar. Milhões de
anos passaram sobre a sua morte, e eu continuo a não saber para onde vou”
[Pag, 87].
No discurso
acima, vê-se um homem derrotado por este absurdo que chamamos vida. Aliás,
seria a morte mais forte que a vida? Ao se assumir que a morte é mais forte,
onde está Deus? Evguéni Petrovitch, este emigrado russo, não o vê e nem sequer
pretende ser amado, optando em vaguear pelo mundo, deixando a França pelos
Estados Unidos da América. Entretanto, o absurdo persegue-o.
“Eu sou fraco, inútil, vítima de uma espécie
de imobilidade, e falta-me a mais importante qualidade humana: saber morrer e
ressuscitar interiormente. Não amo nem a vida nem os homens, tenho medo deles,
como toda a gente, e até talvez mais ” [pag, 79].
Em linhas gerais, Evguéni Petrovitch, de Nina Berberova,
constitui uma personagem complexa, cansada de viver mas sem ver a morte como
uma saída. No que diz respeito ao seu vaguear pelo mundo, Berberova, segundo
críticos literários, pretende narrar o percurso de um indivíduo que abandonara
a União Soviética à procura de novos vínculos existências. No entanto, mesmo
após termos visto o percurso absurdo de Petrovitch, a questão permanece: Como é
que nos portamos quando perdemos alguém que amamos? Este é o paradigma no nosso
Mal Negro.
Autor: Albert
Massango