D’A Curva do Rio. Partir. para Hinyambaan
Três narrativas sobre existências africanas.
A primeira pertence ao escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho e se
intitula Hinyambaan. Trata-se duma
breve novela burlesca, em que se define o conceito de imprevisibilidade. A vida
é o conjunto de acontecimentos imprevisíveis – é o que se pode dizer no desfecho
na narrativa em questão.
A diegese, que se debruça sobre a viagem de uma família
bóer-sul-africana com destino à província moçambicana de Inhambane,
apresenta-se como uma paródia da nossa existência. No entanto, a mesma pode ser
tomada como uma espécie de interpretação das concepções que outrem tem sobre Moçambique
e a sua condição linguístico-cultural, mas também sobre a ineficiência das autoridades
para servir o utente. Hinyambaan, escrito
a grau zero como A Água. Uma Novela Rural, da autoria do
mesmo escritor, faz-nos conhecer a família Odendaal
que se debate com empecilhos para chegar ao seu destino turístico.
Em parte, os
obstáculos são colocados pelas próprias autoridades de trânsito e, por outra,
os acontecimentos ao longo do percurso é que os tornam possíveis, dado que as
vias de acesso não são favoráveis. Há quem diria, entretanto, que esses obstáculos
não teriam existido se não tivesse surgido um personagem denominado Djika-Djika, que ajuda os Odendaal com as coordenadas geográficas
de Inhambane.
Mas não só os ajuda, assim como os desvia do destino fazendo com
que se atrasem e desfaçam os planos anteriormente traçados. É ao longo desse desvio
que essa família sul-africana trocará impressões com a cultura, a língua e os
habitantes duma alargada família e, daí, surge a imprevisibilidade porque estes,
os Odendaal, não faziam ideia de que,
ao longo da viagem, se acomodariam no meio duma mata, nutrindo-se de comida e
bebida fabricas por aquela população tradicional-rural. Para esses bóeres, que
vêm duma grande cidade moderna Sul-africana, aquele cenário rural era uma perdição,
da qual se queriam ver livres. É no contexto desta hélice que o leitor se
embriaga na novela Hinyambaan de
Borges Coelho.
Tahar Bem Jelloun escritor africano
de origem marroquina, radicado em Paris, que a qualquer momento pode ser
condecorado com o Prémio Nobel de Literatura, apresenta-nos outras existências africanas
na região do Magrebe. Jelloun é autor de diversas obras, tais como: o Último
Amigo e a memorável Noite Sagrada, que
lhe tornou vencedor do Prémio Goncourt de 1987. No entanto, sobre esta nossa
viagem sobre existências africanas, a obra em questão intitula-se Partir – romance de quase 300 páginas,
que coloca em análise um dos grandes assuntos dos nossos dias, principalmente
nesta administração de Trump, a imigração. Sem oportunidades de empregos nem
para os recém-formados nem para a metade da população marroquina - jovens, crianças
e idosos querem partir, abandonar o Marrocos.
Ainda existirá uma nação se todo
mundo partir? O protagonista, Azel, não
está preocupado em responder essa questão, apenas quer, de qualquer maneira,
atravessar o Mar Mediterrâneo e estrangeirar-se na Espanha, assim como boa
parte da sua juventude. E para atingir esse objectivo, Azel, mulherengo e inteligentemente formado em Direito, acionará
todos mecanismos ao seu alcance, mesmo se for para se relacionar com Miguel, um rico espanhol apaixonado por
ele.
Mas o preço dessa ambição será a perda da virilidade. Jelloun, através dos
seus personagens, chega a mostrar que muitos magrebinos nem se consideram
africanos, mas sim uma parte da Europa. Todavia, por ironia, os europeus
trancam as fronteiras e acionam cães e cabos elétricos, afirmando que não querem
ser incomodados por africanos muçulmanos responsáveis pelo terrorismo e mendicidade
no seu território. É nesta ordem de ideias que o escritor marroquino dá-nos a conhecer
uma existência africana.
Um outro escritor, Prémio Nobel de
Literatura 2001, recorre à Historia para narrar a vida de pessoas africanas
perturbadas pela subjugação europeia, quando desenvolviam uma série de
atividades comerciais com os árabes. Chama-se V.S. Naupaul caribenho de Trindade,
radicado em Londres, e a sua obra é intitulada A Curva do Rio, com 337 páginas.
Nesta obra, Naupaul narra a existência
de um país africano, que após a proclamação da independência e uma guerra civil,
dispõe de um novo presidente. Um presidente que mete medo e nojo aos cidadãos -
uma mão autoritária, na verdade. Em termos comparados, esse presidente ditador
que se instalara naquele país africano, que não chega a ser referenciado, não se
diferencia do Big Brother do 1984, escrito por George Orwell.
Pela
imagem, o cenário dramático que se apresenta se assemelha a vários países africanos,
em que os governantes mostram-se intolerantes e opressores para com os seus
povos. A questão relativa às guerras civis que Naupaul explora, lembra-nos o
filme Beasts of No Nation, baseado na
obra com o mesmo título, da autoria de Uzodinma Iweala, em que não se sabe se o
herói é o governo ou os rebeldes liderados por Commmandant, interpretado por Idris Elba. No final de A Curva do Rio é possível vislumbrar países africanos e as suas patologias –
guerra, corrupção, autoritarismo e analfabetismo.
Autor: Albert Massango