AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO
Créditos : AS |
por:Lino A. Guirrungo (Jan, 2019)
Eu nasci pouco depois que o nosso país aprovou a nova
constituição do sistema multipartidário. Meu tio diz que, quando nasci, a minha
família acreditava imensamente que o futuro seria melhor. Ele achava que a minha
geração era a mais sortuda da história de Moçambique. Sinceramente, as suas ideias
não eram equivocadas. Eu não fui colonizado como meu avô, nunca fui lutar como
nossos heróis ou tive de fugir da guerra como o meu tio. No entanto, nos
últimos anos, tenho vindo a me perguntar por que não sinto que a minha geração
é a mais sortuda da nossa história?
Actualmente, consigo assumir sem reticências a resposta e
a responsabilidade que acarreta: temos sido constantemente enganados pelos
nossos políticos e, mais importante, perdemos a capacidade de agir de acordo
com a nossa indignação. É uma resposta óbvia, no entanto, a juventude tem
falhado em a levar seriamente.
No início dos anos 2000, o discurso mais comum dos nossos
líderes políticos era que a nação é pobre por causa da guerra civil. Para ser
mais específico, toda a culpa era colocada na RENAMO, da mesma forma que as
nações vencedoras culparam sempre os perdedores (a RENAMO tecnicamente não
perdeu a guerra, mas perdeu nas eleições subsequentes). Como todos sabemos, as
razões para as origens e a perpetuação das guerras nunca são tão simples.
As consequências da guerra foram de fato terríveis, ainda
vívidas na memória colectiva, incluindo nos meus familiares. Na altura, esta
era uma desculpa aparentemente aceitável, até porque Moçambique era o "queridinho" da comunidade internacional e o crescimento do PIB estava imparável.
Nossos políticos doutrinavam-nos para lembrarmos do período sombrio da guerra e
contentarmo-nos com os ganhos marginais que estávamos a obter. Assim eu cresci,
com um ressentimento contra a oposição e não ficaria surpreso em saber que há
pessoas da minha idade que já sentiram o mesmo. Estávamos todos obcecados com o
passado, acríticos ao presente, e ninguém lograva imaginar com profundidade o
futuro. Depois disso foi eleito o Presidente Guebuza, o vendedor de patos e
ilusões.
Provavelmente, a presidência de Guebuza foi o período
mais conturbado do nosso país desde a guerra civil. Para ser justo, o período
não começou tão sombrio. Ele prometeu melhorar as infra-estruturas, apoiar o
empreendedorismo local, criar uma presidência inclusiva e, acima de tudo, findar
a pobreza absoluta. Nos seus dois mandatos, ele falhou miseravelmente em
cumprir sua promessa principal: erradicar a pobreza absoluta. Desde então,
Guebuza e os vermelhos começaram a culpar o povo. “Os moçambicanos são também afligidos
pela pobreza espiritual”, asseverava Guebuza em 2010. No mesmo ano, o país
ficou em 165.º no Índice de Desenvolvimento Humano, ou seja, Moçambique era o 5.º
país mais pobre do mundo. Se você assistiu a muitos noticiários da TV na época
como eu, poderá lembrar-se do quanto os nossos políticos tentaram colocar em
causa a validade do relatório. E isso não foi o pior.
Gradualmente criticar a presidência e o partido no poder tornou-se
sinónimo de falta de patriotismo e servidão a interesses estrangeiros.
Procuradores, comentaristas políticos e outras vozes críticas começaram a ser
silenciados por ameaças de morte, prisões ilegais e assassinatos. Obviamente, somente
os escritores escaparam porque quase ninguém lê. Enquanto isso, os jovens mais formados
nunca foram aos protestos contra a subida do preço do pão e do petróleo. Talvez
essa tenha sido a razão pela qual, na época, um dos ministros chamou os
grevistas de “vândalos e marginais”.
Os jovens começaram a se dividir em dois grupos: i)
aqueles que aceitaram a propaganda do governo e se tornaram ferozes defensores
do partido no poder; ii) aqueles que simplesmente abandonaram o interesse pela
política e pararam de se importar. Eu estava no segundo grupo. Presentemente,
eu sei que todos perdemos independentemente do grupo e recuso-me a continuar
apolítico.
O Presidente Nyusi ascendeu ao poder, mas o status quo manteve-se. O partido no
poder, com ou sem fraude, continua ganhando as eleições e o governo está se
tornando cada vez mais autoritário.
Os jovens que se juntaram ao partido governante continuaram
a receber camisetes, subsídios e lanches durante as campanhas eleitorais. Os de
mais pujança tornaram-se em vice-ministros. Eles propagaram a mensagem de que a
incompetência recorrente do nosso governo é algo normal porque todos de
qualquer forma podem cometer erros. A lógica perversa: o erro de uns inocenta a
todos, como se ninguém pudesse ser alvo de responsabilização. Tente ver num
desses vídeos virais como o secretário-geral do partido no poder
vergonhosamente tentou explicar a catástrofe das dívidas ocultas. No entanto,
as mentiras já não são mais fáceis de digerir.
Herdámos do Presidente Guebuza e do partido no poder uma
dívida ilegal, não há comida nas nossas mesas, agora há até demasiados MyLove que chapas, terroristas estão a
invadir no norte, e a guerra com a RENAMO é, bom, complicada. A realidade é
cristalina: o partido governante falhou com todos nós no passado e está a falhar
connosco no presente.
Muitos jovens seguiram por diferentes trilhos, mas com características
em comum: evitar falar a verdade aos centros do poder e acentuada falta de
fibra ou indignação. Temos títulos universitários sem valor na nossa economia
fracassada, alguns têm empregos oferecidos por seus padrinhos, uns são
voluntários para as organizações da sociedade civil cujas causas não acreditam
mas precisam de seus subsídios e outros desapareceram na ampla marginalização.
O país está paralisado, mas muitos seguiram em frente. “Poderia ter sido pior”,
diz o adágio popular.
A nossa geração pode não ser a mais sortuda como o meu
tio já pensou. Entrementes, não teremos futuro se o curso dos eventos continuar
o mesmo. O partido no poder não é a solução, mas parte essencial do problema e
a sua remoção é dever histórico de todo o moçambicano, hoje ou amanhã. As
soluções adequadas para os problemas mais prementes dos nossos tempos não
residem exclusivamente no passado nem nalgum lugar no futuro. Presumivelmente,
o passado será sempre pior comparado ao futuro. Mas é no presente que podemos
começar a criar a diferença decisiva entre o passado e o futuro.
Os jovens não farão a diferença apenas assistindo a TV e
depois reclamar nas redes sociais ou nas conversas privadas em bares. Não
salvaremos o nosso futuro se os nossos guias forem só aqueles que lutaram pela
independência ou seus sobrinhos. Acredito que a sociedade civil é indispensável
para uma democracia vibrante, mas ela não será suficiente se os jovens
estiverem buscando mudanças políticas direccionadas às suas necessidades mais urgentes,
como boa educação, saúde, emprego e investimento no empreendedorismo juvenil
sem restrições políticas.
Precisamos de ler a nossa história não apenas para enaltecer
os nossos heróis e muito menos só para legitimar um partido corrupto, mas também
para tomar lições sobre bravura e o poder da indignação. O Presidente Machel, Chissano,
e até o Presidente Guebuza eram jovens demais quando decidiram mudar o rumo da
nação moçambicana. Nenhum deles tinha 40 anos quando abraçaram a causa do povo.
O futuro de Moçambique pertence a todos moçambicanos
(crianças, mulheres, jovens e adultos), não apenas àqueles que defendem o batuque
e a maçaroca. Recuso-me a aceitar que o nosso futuro passa apenas por vozes
dissidentes dentro do regime, o país tem muitas outras vozes que precisam ser
ouvidas e ver suas as ideias em prática. A juventude precisa de igualmente assumir
o poder político e instituir as suas próprias prioridades. Isso, no entanto,
não é a panaceia para os nossos problemas como um país, mas o começo de um
futuro radiante e diferente.
FIM!