Autor: Estêvão Azarias Chavisso
A palavra
amor é, provavelmente, uma das mais comuns no vocabulário das nossas
sociedades. Em todo lado, sem nenhuma reflexão sistematizada, dizemos “eu amo
X” e/ou “eu não amo Y”. Do dia para noite, tornou-se simples rotular as nossas
relações afetivas, principalmente as conjugais, com base neste termo, um conceito
que é, deveras, vazio e abstrato.
Vivemos
o que Zygmunt Bauman chamou de era do amor líquido, um tipo de apego leviano e
instável, um sentimento superficial e condenado à rápida dissolução. A ideia
que até o século XX dominou, do casamento como a união sagrada, salvaguarda
pelo Senhor, parece assistir o seu fracasso na atualidade e, em posição,
instituímos como direito a liberdade de separação.
Na
corrida desenfreada rumo ao liberalismo, desfizemo-nos de toda uma tradição,
eliminando a obrigação que nos foi imposta pela sociedade de eternizar os
matrimónios e elegendo o “amor” como condição basilar para manter um
relacionamento. Com este argumento, fizemos de nojentos sapos belos príncipes e
de nojentos príncipes belos sapos, na busca desmedida de uma ideia platónicade
um tal amor.
Meus
caros, esquecemo-nos, no entanto, de uma dura e cruel realidade. O amor romântico
foi uma invenção histórica necessária, defendida pelas principais instituições
sociais (Estado, Religião e Família), na conjuntura de um projeto falhado de
construção de uma sociedade nova, com raízes afetivas mais seguras e relações
humanas mais duradoiras.
Tal
como a ideia de Deus, o amor não existe como elemento coletivo e concreto, pelo
contrário, é uma criação subjetiva e abstrata, em que cada um deposita seu
significado particular, resultante da globalização e da influência da cultura
ocidental sobre o homem desesperadodos nossos dias.
Todas
as juras de amor que fizemos, as cartas de amor que escrevemos e as provas de
amor que mostramos nada são senão subterfúgios, na linguagem existencialista,
uma tentativa miserável de dar sentido ao absurdo existencial a partir de um
elemento exterior a si (o Outro), suavizando o peso de ser o responsável pela
tua grande obra-prima, a tua vida.
É o
fim do amor romântico e a culpa é nossa. Fomos nós que ingenuamente
substituímos o interesse pragmático pela ignorante ideia de que uma relação não
é movida por interesses. Uma relação deve sim ser movida por interesses. A
nossa carência coletiva, associada a incapacidade de aceitar a realidade bruta
e utilitarista do novo mundo, não nos deixou perceber que nós estamos num outro
paradigma, um momento em que o homem é convidado a reinventar os modelos de
vida, seus princípios e suas motivações, tendo em conta toda a conjuntura do
mundo contemporâneo.
Hoje,
as nossas relações afetivas estão condenadas ao fracasso porque, do alto do
nosso idealismo, criámos protótipos e o outro só é “amado” quando se encaixa
perfeitamente no modelo por nós idealizado.
Esta
perspetiva, excêntrica e narcisista, é um cancro para as nossas relações
afetivas e obriga-nos a reinventá-las, submetendo-nos a uma busca ridícula e infinita
de relação em relação, na medida em que ninguém se adequa exatamente ao nosso
protótipo, simplesmente porque é uma ideia nossa.
O
mito grego de hermafrodita, apresentada no “O Banquete”, de Platão, refere que um dia homem e mulher
eram um só, um ser bissexual, feliz e
completo. Mas, por vontade dos deuses, o ser foi divido em dois, tornando-o um
ser incompleto. Por este motivo, escreve-se na obra, o Homem sabe-se um ser
incompleto e vive buscando encontrar a sua outra parte, um processo complexo,
se pensarmos na imensidão do mundo.
Nota-se,
com este mito, que os gregos tinham noção da importância da aceitação da outra
pessoa como um elemento subjetivo e singular, sustentando, de certa forma, que
a robustez de uma relação reside na aceitação da autonomia do Outro, uma
premissa contrária ao conceito do amor romântico atual.
Como
pensou EmanuelLevinas, é fácil “amar” quem, como puzzle, se encaixa
perfeitamente no teu mundinho, o difícil é aceitar a manifestação do Outro, no
seu mundo, com os seus defeitos.
Somos,
portanto, convidados a destruir as grandes idealizações românticas. Somos
chamados a reinventar o amor, a partir de elemento concreto, a vida possível,
os amores possíveis.
NB: Escrito à luz do novo acordo ortográfico.
Publicado em http://www.fasdapsicanalise.com.br/author/estevao-azarias-chavisso/ , a 14 de dezembro de 2015.
NB: Escrito à luz do novo acordo ortográfico.
Publicado em http://www.fasdapsicanalise.com.br/author/estevao-azarias-chavisso/ , a 14 de dezembro de 2015.
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