O
Fim do Amor Romântico (II)
A crise
Por:
Estevão Azarias Chavisso
É unânime a ideia de
que a época em que vivemos mudou, por completo, o paradigma das nossas relações
afetivas. Da Asia até à Europa e da América até à África, certamente, corroboramos
todos com a nova visão que compreende o mundo como uma “grande aldeia global”,
um espaço que, fazendo uso do poder da era digital e das anuências da
globalização, cria plataformas de debate dinâmicas e de difícil controlo.
Instantaneamente, a informação
está em todo lado e, de certo modo, aberta ao questionamento, num debate
aparentemente livre e que desafia as formas convencionais da comunicação.
Os homocíclicos, evidentemente,
sofrem influências destas mudanças e, num processo que atravessa fronteiras, é
questionada a sua capacidade de responder às exigências dos novos ventos.
Mais do que o direito à
opinião, as pessoas são hoje incumbidas o dever de assumir uma posição ativa
nas suas próprias vidas, debatendo os seus problemas e questionando as suas
formas de organização social.
O amor, tema
controverso e que atravessa épocas na história da humanidade, também é obrigado
a reinventar-se diante de uma mundo dinâmico e que, à luz dos novos ventos,
questiona a fundamentação de qualquer conceito que o homem pressupôs entender.
As nossas relações
afetivas são espicaçadas e, sob espetro de um profundo questionamento,
desfazem-se aos pés do homem desesperado dos nossos tempos, revelando a
debilidade de um protótipo que fracassou perante o mais enigmático mistério de
sempre, o tempo.
É o que Geanni Vattimo
chamou de Época do Pensamento Débil. É um período caracterizado pela superação
contínua. Em outros termos, é o movimento desenfreado que questiona
continuamente os fundamentos de tudo, procurando ultrapassar o que foi
comumente assumido como verdade. Como diria Nietzsche, é a Radicalização - uma
imposição que tem por consequência o Niilismo.
Ora, se o amor
romântico fracassou, como afirmara, a crise é iminente. Mais do que uma crise
de valores, como normalmente é declarado, trata-se de uma crise de referências,
na medida em que descobrimos que a verdade que pensamos conhecer é uma fantasia.
Os alicerces que, por
séculos, fundaram as nossas relações afetivas mostram-se débeis perante o novo
mundo, justificando, em muitos casos, as cíclicas desilusões nas nossas
relações afetivas.
Confrontados com o novo
paradigma, a aflição toma conta de nós e, sem qualquer recensão, abraçamos
primeira ideia que nos parece minimamente plausível. Amamos o primeiro que nos
parece próximo das nossas idealizações, sem um posicionamento crítico e sem,
pelo menos, questionar o que realmente é o amor.
É uma crise à escala
mundial, resultante do medo que hoje temos de encarrar a realidade cruel do
absurdo existencial. Mesmo no meio de tantas pessoas, enquanto os fundamentos
das relações afetivas continuarem débeis, o homem sentir-se-á solitário e, como
ontem, a invenção de subterfúgios será incapaz de eliminar o nosso mais temido
inimigo, a solidão.
Ontem inventamos Deus e
hoje, pelos mesmos motivos, criamos o Facebook, o Twitter e o whatsapp. Na
verdade, é tudo um grito de um homem desesperado, um clamor de quem, a todo
custo, quer fugir da solidão e, para tal, não vê limites, tanto que até fantasia
intimidade do modo mais desprezível possível.
É tudo uma tentativa
deprimente de estabelecer uma lógica à existência e fugir da miserável solidão
que nos acompanha no cotidiano, mesmo no meio da multidão. Trata-se, na
realidade, de mais um débil subterfugio, criado por nós mesmos (usando uma
linguagem bíblica) à imagem e à semelhança de tudo o que nós queríamos ser, mas
não somos.
Somos cobardes de mais para
aceitar a verdade e, como no Mito da Carverna, de Platão, as sombras parecem-nos
mais familiares do que as imagens verdadeiras, na medida em que, por muito
tempo, a escuridão foi o nosso mundo.
Assim sendo, reinventar
o amor não será tarefa fácil. Pelo contrário, exigirá, antes de tudo, a coragem
para aceitar a nossa medíocre condição, rompendo com toda uma tradição
idealista que fundou a nossa educação.
É preciso desdramatizar
uma ideia que, durante séculos, orientou as nossas vidas. Em outros termos,
somos chamados a desconstruir o castelo de areia que decorou os sonhos da nossa humilde
infância.
O amor fracassou e, à luz dos novos tempos,
reitero, somos intimados a reinventar os fundamentos das nossas relações
afetivas.
…
Escrito à luz do novo Acordo Ortográfico
Escrito à luz do novo Acordo Ortográfico