Por :Lino A. Guirrungo*
No mês de Maio de 2016, exactamente
no dia das graduações de uma das universidades mais populares do país, eu
recebi uma carta do meu melhor amigo. Ele ia graduar no mesmo dia, após quatro
anos de uma extenuante licenciatura em Antropologia. Estranhei que ele me desse
uma carta porque não é um hábito enraizado entre os moçambicanos partilhar
cartas (ainda mais entre dois jovens!).
Depois de ler a carta fiquei espantado com o que vi. Sabendo que uma carta é algo
muito pessoal, pedi-o para partilhar o
conteúdo com todos porque achei que, provavelmente, o meu amigo não é o único a
passar pelo que descreveu. Felizmente, ele me autorizou a partilhar, entretanto, com a condição de eu não
alterar a carta mas apenas dar um título a mesma. Se alguém se opuser ao título
que dei à carta é livre de escolher o seu em função da sua própria interpretação.
Eu preferi intitulá-la: “A Morte das Ilusões”.
A MORTE DAS ILUSÕES
“Querido amigo,
Há dois meses
que venho pensando em te escrever. Sei que deves pensar que dois meses é
demasiado tempo para uma carta como esta, mas deves entender que nunca escrevi
uma carta antes. Escolhi escrever especialmente para ti porque acho que és,
entre os meus amigos, o que mais é capaz de me entender, embora, em abono da
verdade, quisesse gritar para todo mundo me ouvir.
Se eu tivesse
que escolher o dia em que indubitavelmente fui feliz na vida, escolheria o dia em que tomei conhecimento da minha admissão.
Eu sempre considerei a universidade o lugar em que se conquistavam sonhos e se consagravam
os académicos e os indivíduos. Não acreditava que todos os estudantes
universitários fossem (ou viessem a se tornar) verdadeiros cientistas mas, pelo
menos, sempre os considerei pessoas bastante distintas.
Com o tempo, a universidade mostrou-se um espaço amalgamado de
muitas contradições. Esquecendo os conhecidos males estruturais do país e das
instituições universitárias, fiquei verdadeiramente surpreendido pela apatia
colectiva que afecta não só aos estudantes mas também aos professores.
Conheci muitos
estudantes completamente indiferentes aos seus cursos. No meu curso, por
exemplo, num universo de quase cinquenta, apenas cinco estudantes queriam fazer
a formação como sua primeira opção.
Muitos dos meus
colegas queriam fazer os famosos cursos de Direito e/ou Administração Pública,
mesmo sem saberem ao certo a razão da ambição desses cursos tão badalados. Era
simplesmente indisfarçável o rosto triste dos meus colegas. No entanto, parece
que isso é um mal colectivo da universidade.
Um dia eu estava
na biblioteca central da universidade e vi uma bela estudante com “Os Maias”, de Eça de Queirós. Aproximei-me e disse-a que o livro era uma boa
escolha. Ela olhou-me inicialmente com espanto e depois com muita pena
respondeu-me: «Moço, eu sou estudante de Literatura
mas não gosto de ler. Na
verdade, estou a fazer um trabalho de uma disciplina e faço este curso porque
não quero ficar em casa sem fazer nada».
Embaraçado, afastei-me dela sem dizer uma palavra.
Ignorando o
absurdo injustificável de ela ter mencionado ‘não gostar de ler’ mesmo fazendo
Literatura, confesso que me encantei com a franqueza daquela estudante. Naquele
dia, percebi a
hipocrisia da instituição universitária, da minha e de outros estudantes
universitários. Como somos capazes de exigir excelência académica quando as
pessoas não estudam o que desejavam cursar? Como esperar que alguém crie sonhos
futuros em torno de um curso que no presente representa a morte das suas
ambições, esperanças e ilusões? Simplesmente é injusto!
A universidade
apresentou-me um outro fenómeno ainda mais grave que a apatia dos estudantes.
Excepções sejam feitas, mas aqueles que têm dinheiro e não estudam “compram” o
conhecimento e os que não têm dinheiro e estudam “vendem” o conhecimento. A
sofisticação do mercado de venda de trabalhos académicos é tal que chego a
sentir vergonha pela minha ingenuidade de nunca ter desconfiado que tal prática
era comum nas nossas instituições superiores de ensino. Meu amigo, eu não sei
como isso acontece na cara de todos?!
Os professores
não estão interessados em combater a prática (talvez porque provavelmente não
lêem a maioria dos trabalhos) ou simplesmente, tal como os estudantes, estão
apáticos e conformados com a situação. Sinceramente, esta prática faz-me pensar
que o ensino no pós-laboral devia ser abolido porque a maioria dos
“compradores” estudam nesse período. No entanto, estou consciente que tal acção
seria inconveniente e arbitrária.
Falando em
professores, tenho de te dizer que a minha maior desilusão
com eles não é académica mas pessoal. Eu acho aceitável que um professor não
seja o protótipo de intelectual de primeira (até porque acredito que seria
pedir demais dos nossos professores!), mas não acho admissível que eles não
inspirem os estudantes como um modelo de cidadão a ser seguido. Eu encontrei
professores completamente conformados com a sociedade e a vida, não lidos e
arrogantemente alheios a essa imagem que transmitiam aos estudantes. Não
obstante, neste jogo de “esconde-esconde” e “joga a culpa ao outro”, ninguém
ousa falar do comportamento nada inspirador dos professores.
Quatro anos
foram-se e do jovem enérgico que fui restam cinzas. Sinceramente, eu não queria
ir a esta graduação. A graduação representa, além de muito, o fim de um ciclo
preparatório. A universidade de quase nada me preparou para esta minha nova
fase da vida. A coisa que a universidade fez certamente foi destruir a maioria
das minhas fantasias. Ao mesmo tempo, actualmente as exigências são enormes. O
desemprego é uma prova viva desta miséria preparatória. A minha mãe é muito
compreensiva, tu bem conheces a dona Lurdes, mas até quando ela continuará a ser? Os meus irmãos e a
minha namorada aguardam pelo tal futuro, que eu próprio acreditei nele, há
quatro anos, mas não sei se conseguirei atingi-lo.
Estou preocupado,
meu amigo.
Carinhosamente,
Teu amigo, Milton Ivaca.
Teu amigo, Milton Ivaca.
(27 de Maio de 2016) ”
* (Licenciado em História pela
Universidade Eduardo Mondlane [UEM])
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