quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Opinião/ Política:O Mal dos Nossos Heróis




O Mal dos Nossos Heróis

Por : Tsemba Mahotse
 
Afigura-se-me que todos os heróis, enquanto vivos, odeiam o anonimato. E, quando morrem, nós homens vivos, cuidamos de memorizá-los a todo custo. Construímos-lhes monumentos, erguemos-lhes estátuas, escrevemos-lhes biografias, cantamos-lhes poesias e, no delírio da perpetuação memorialística, transformamos os nossos heróis em modelos e instituições públicas. De simples ser vivo transforma-se o homem em uma ponte, uma avenida, um hospital, uma escola, uma biblioteca e entre outras.

Para a comprovação deste caso de personificação das instituições públicas, temos exemplos como a Universidade Eduardo Mondlane; a Biblioteca Brazão Mazula; as escolas Josina Machel, Nelson Mandela, Armando Emílio Guebuza, Francisco Manyanga, Alberto Chipande, sem, no entanto, deixar de trás nomes dos “heróis” espalhados em várias avenidas, ruas e alguns centros de saúde, em Moçambique. Mas porque o fazemos até em locais inapropriados?

Compreendo que os bons mereçam ser louvados e distinguidos com estátuas, esculturas, quadros e lajes. Contudo, não vejo a mesma necessidade, quando se trata de instituições públicas. A razão disso é muito clara: as instituições públicas, excepto museus, não têm a função de perpetuar a memória dos heróis, mas, sim, têm de disponibilizar serviços públicos que são a segurança, bem-estar, educação e saúde.

Fora destas causas, estamos a adulterar as instituições públicas quando lhes atribuímos funções que não lhes competem. Uma escola com nome duma pessoa dá a impressão de ser uma instituição controlada e guiada por ideias de tal pessoa. Nas escolas pitagóricas, por exemplo, se ensinavam, por excelência, a filosofia de Pitágoras. Sendo assim, uma escola com nome do ex-presidente Armando Emílio Guebuza o que tem a ensinar? As políticas de Guebuza? E a Universidade Eduardo Mondlane foi feita para moldar o intelecto dos estudantes com ideias de Mondlane?! Mas, se esse é for o propósito, o que é uma escola quando ela não permite mais a liberdade do pensamento crítico? Desde já, que fique claro que há lugares inapropriados para se perpetuar a memória de alguém, e estes lugares são, por excelência, instituições públicas frequentadas por pessoas. Ademais, cuidemos de não considerar nossos heróis como universais. Quem é herói para mim pode ser um assassino para outro.

 E, em Moçambique, há muitos heróis susceptíveis de serem colocados em dúvida. Respeitemos as instituições públicas. Não as individualizemos através de nomes pessoais que possam gerar conflitos de posse e privilégios por parte das famílias do homenageado. Ele é um herói? Então, escrevemos-lhe um livro, pintemos-lhe um quadro, construamos-lhe uma estátua, esculpamos-lhe uma escultura, mas não permitamos transforma-lhe em um símbolo de educação, saúde, segurança, liberdade, pois o homem não é e nunca vai ser uma ideia.

Recuso-me a assinar a petição que exige a mudança do nome Aeroporto Internacional de Maputo para Samora Machel, mesmo nutrindo maior respeito pelo nosso primeiro presidente de Moçambique. Ele já tem a estátua que lhe honra. E se houver necessidade duma outra homenagem, que se construa outra estátua, faça-se um filme, cante-se-lhe uma canção, mas nada de memorizá-lo em instituições públicas. O acto de homenagem aos nossos heróis, com instituições públicas, tem muito de cultura de bajulação.


TM/AM
(Extraído em :https://www.facebook.com/photo.php?fbid=183354195446112&set=a.156872431427622.1073741829.100013145973031&type=3&theater)

Um comentário:

  1. Camarada Tsemba, tu defendes a ideia sobre a qual as instituições públicas, por elas terem a função de servir ao público, não devam ser designadas por pessoas (figuras que tenham sido distintas pelo governo para auferirem um título honorífico ou pertencerem a um quadro de honra).
    Ora bem, parece-me uma ideia convicente quando entendida sob o argumento de que, há riscos de as instituições públicas poderem ser vistas como pertenças individuais.
    De certo que esta reflexão é começo de uma nova forma de pensar o Estado, diferente daquela usada em contexto de partidos hegemónicos, onde a palavra de comando do partido no poder é: L’état c’est moi, o que traduzido por mim, no contexto moçambicano, quer dizer o Estado ou as instituições públicas são o partido.
    A partir da leitura deste teu texto, talvez possámos, como moçambicanos distintos de partidos políticos, confissões religiosas, cor da pele, cultura e sexo, fazer o baixo assinado contra a mudança que se quer fazer do nome do Aeroporto Internacional de Maputo. Isto porque é do pequeno que se torce o pipino. Se formos a substimar o acção que se pretende efectivar, laborioso será para nós operar mudanças no futuro.
    Camarada, não pretendo me alongar nesta exposição. Por isso, dou por terminado o meu comentário, mas ainda por entre abertos para permitir-te que dialogue comigo se for necessário.

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