O Mal dos Nossos Heróis
Por : Tsemba Mahotse
Afigura-se-me
que todos os heróis, enquanto vivos, odeiam o anonimato. E, quando morrem, nós
homens vivos, cuidamos de memorizá-los a todo custo. Construímos-lhes
monumentos, erguemos-lhes estátuas, escrevemos-lhes biografias, cantamos-lhes
poesias e, no delírio da perpetuação memorialística, transformamos os nossos
heróis em modelos e instituições públicas. De simples ser vivo transforma-se o
homem em uma ponte, uma avenida, um hospital, uma escola, uma biblioteca e
entre outras.
Para
a comprovação deste caso de personificação das instituições públicas, temos
exemplos como a Universidade Eduardo Mondlane; a Biblioteca Brazão Mazula; as
escolas Josina Machel, Nelson Mandela, Armando Emílio Guebuza, Francisco
Manyanga, Alberto Chipande, sem, no entanto, deixar de trás nomes dos “heróis”
espalhados em várias avenidas, ruas e alguns centros de saúde, em Moçambique.
Mas porque o fazemos até em locais inapropriados?
Compreendo
que os bons mereçam ser louvados e distinguidos com estátuas, esculturas,
quadros e lajes. Contudo, não vejo a mesma necessidade, quando se trata de
instituições públicas. A razão disso é muito clara: as instituições públicas,
excepto museus, não têm a função de perpetuar a memória dos heróis, mas, sim,
têm de disponibilizar serviços públicos que são a segurança, bem-estar,
educação e saúde.
Fora
destas causas, estamos a adulterar as instituições públicas quando lhes
atribuímos funções que não lhes competem. Uma escola com nome duma pessoa dá a
impressão de ser uma instituição controlada e guiada por ideias de tal pessoa.
Nas escolas pitagóricas, por exemplo, se ensinavam, por excelência, a filosofia
de Pitágoras. Sendo assim, uma escola com nome do ex-presidente Armando Emílio
Guebuza o que tem a ensinar? As políticas de Guebuza? E a Universidade Eduardo
Mondlane foi feita para moldar o intelecto dos estudantes com ideias de
Mondlane?! Mas, se esse é for o propósito, o que é uma escola quando ela não
permite mais a liberdade do pensamento crítico? Desde já, que fique claro que
há lugares inapropriados para se perpetuar a memória de alguém, e estes lugares
são, por excelência, instituições públicas frequentadas por pessoas. Ademais,
cuidemos de não considerar nossos heróis como universais. Quem é herói para mim
pode ser um assassino para outro.
E, em Moçambique, há muitos heróis
susceptíveis de serem colocados em dúvida. Respeitemos as instituições
públicas. Não as individualizemos através de nomes pessoais que possam gerar
conflitos de posse e privilégios por parte das famílias do homenageado. Ele é
um herói? Então, escrevemos-lhe um livro, pintemos-lhe um quadro,
construamos-lhe uma estátua, esculpamos-lhe uma escultura, mas não permitamos
transforma-lhe em um símbolo de educação, saúde, segurança, liberdade, pois o
homem não é e nunca vai ser uma ideia.
Recuso-me
a assinar a petição que exige a mudança do nome Aeroporto Internacional de Maputo
para Samora Machel, mesmo nutrindo maior respeito pelo nosso primeiro
presidente de Moçambique. Ele já tem a estátua que lhe honra. E se houver
necessidade duma outra homenagem, que se construa outra estátua, faça-se um
filme, cante-se-lhe uma canção, mas nada de memorizá-lo em instituições
públicas. O acto de homenagem aos nossos heróis, com instituições públicas, tem
muito de cultura de bajulação.
TM/AM
(Extraído em :https://www.facebook.com/photo.php?fbid=183354195446112&set=a.156872431427622.1073741829.100013145973031&type=3&theater)
Camarada Tsemba, tu defendes a ideia sobre a qual as instituições públicas, por elas terem a função de servir ao público, não devam ser designadas por pessoas (figuras que tenham sido distintas pelo governo para auferirem um título honorífico ou pertencerem a um quadro de honra).
ResponderExcluirOra bem, parece-me uma ideia convicente quando entendida sob o argumento de que, há riscos de as instituições públicas poderem ser vistas como pertenças individuais.
De certo que esta reflexão é começo de uma nova forma de pensar o Estado, diferente daquela usada em contexto de partidos hegemónicos, onde a palavra de comando do partido no poder é: L’état c’est moi, o que traduzido por mim, no contexto moçambicano, quer dizer o Estado ou as instituições públicas são o partido.
A partir da leitura deste teu texto, talvez possámos, como moçambicanos distintos de partidos políticos, confissões religiosas, cor da pele, cultura e sexo, fazer o baixo assinado contra a mudança que se quer fazer do nome do Aeroporto Internacional de Maputo. Isto porque é do pequeno que se torce o pipino. Se formos a substimar o acção que se pretende efectivar, laborioso será para nós operar mudanças no futuro.
Camarada, não pretendo me alongar nesta exposição. Por isso, dou por terminado o meu comentário, mas ainda por entre abertos para permitir-te que dialogue comigo se for necessário.