Matsangaíssa
Autor:
Ivan Castigo Zacarias
Ivacazaca@gmail.com
Ivacazaca@gmail.com
Nascido na zona da fronteira
da província de Manica com a antiga Rodésia do Sul (actual Zimbabué), no dia 18 de Março de 1950, André Matade Matsangaíssa foi o
primeiro comandante e um dos fundadores da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo)
– na altura Movimento de Resistência Nacional – que desencadeou uma guerra em
Moçambique, um ano após a independência nacional, que durou cerca de 15 anos (iniciou,
efectivamente, em 1977 quando Matsangaíssa e os seus recrutas tomaram de
assalto o campo de reclusão de Sakuzi e terminou em 1992 com a assinatura dos
Acordos de Roma). Dissidente da Frelimo, Matsangaíssa, foi preso no campo de
reclusão de Sakuzi, na província de Sofala, donde conseguiu fugir para a
Rodésia do Sul, em 1976. Organizou uma expedição contra o mesmo campo, em 1977,
na qual resgatou 400 prisioneiros. Na versão oficial, Matsangíssa morreu em 1979 após ter atacado uma posição
das forças governamentais. Sendo sucedido por Afonso Dlakama, no comando da
Renamo.
A guerra dos 15 anos é chamada por alguns – os que defendem
que a mesma foi motivada por questões internas (as politicas adoptadas pela
Frelimo) e protagonizada por indivíduos nacionais com objectivos
revolucionários (implantar a democracia multipartidária e acabar com o
comunismo) – de guerra civil, e por outros – que pensam que a mesma tem como
causas factores externos (o regime do apartheid que vigorava na África do Sul,
o regime de Ian Smith, na Rodésia do Sul, e a insatisfação de alguns
portugueses desejosos de permanecer e perpetuar o sistema colonial no pais) visando,
deste modo, desestabilizar Moçambique – de guerra de desestabilização.
No entanto, o historiador moçambicano, Egídio Vaz Raposo,
traz uma visão sintetizada. Raposo diz que a guerra dos 15 anos pode dividir-se
em dois períodos: o de guerra
de desestabilização, com apoio externo, e o de guerra civil, em que os rebeldes
tinham já uma agenda política própria. Para Raposo, o primeiro período – que
estendeu-se de 1977 até a assinatura dos acordos de Nkomati na África do Sul em
1984 – foi caracterizado pela “falta de um discurso coerente, de uma causa”, e
“pela matança, pela destruição e pelo enfraquecimento da infra-estrutura
nacional”. Enquanto, o segundo período – que começou nos finais da década de
1980 com a queda do Muro de Berlim e a desagregação da União Soviética – foi caracterizado
por uma Renamo que havia se “apropriado de novos valores: a democracia e a
liberdade".
Portanto, Raposo junta as duas visões dizendo que a
guerra pode ser chamada de desestabilização como também de civil, tendo em
conta, naturalmente, as balizas cronológicas que o mesmo propõe.
A criação da Renamo
Trazemos, aqui, três versões diferentes sobre a criação
da Renamo. As mesmas apresentam-nos o mesmo Matsangaíssa em três diferentes
perspectivas: o guerrilheiro político, o politico e o assassino brutal.
A primeira versão é a de Dlakama. Numa entrevista
extraída do livro Jogos Africanos, de
Jaime Nogueira Pinto, Dlakama, líder actual da Renamo, explica que tanto ele como
Matsangaissa eram militares da Frelimo. Dlakama desempenhava a função de chefe
provincial da intendência e André a de comandante de um destacamento de
engenharia. Ambos, formavam um grupo de “descontentes” que logo entenderam que “o
rumo político que Moçambique seguia era errado”.
Segundo Dlakama, a Frelimo já os tinha identificado,
faltando, somente, motivos para os prender. Assim, Matsangaíssa foi preso, no
dia 15 de Setembro de 1976, sob alegação de ter roubado um motor. Porém, na
realidade, segundo Dlakama, as razões por detrás da prisão eram políticas.
Após a prisão de Matsangaíssa, como conta Dlakama, o seu
grupo fez chegar uma mensagem para que ele fugisse, com a ajuda de alguns
familiares residentes na zona de Sakuzi. Em Dezembro de 1976, Matssangaíssa
fugiu para casa de seus familiares na província de Manica, localidade de
Chirrara, permanecendo lá por cerca de 10 dias a fazer o reconhecimento do
terreno. Tentando identificar a melhor rota para chegar à Rodésia do Sul, como
estava planeado.
Depois de ter saído de Moçambique e ter chegado na Rodésia,
foi preso pelas autoridades rodesianas, ficando 15 dias detido. Isto porque, de
acordo com Dlakama, queriam saber se ele era um espião ao serviço de Robert Mugabe
(líder da ZANU e actual presidente do Zimbabué) ou da Frelimo.
Entretanto, como diz Dlakama, Matsangaíssa informou-os
que não era nenhum espião, insistindo em dizer que havia um grupo de jovens
militares das FPLM (Forças Populares de Libertação de Moçambique) que estava na
província da Beira, precisando de armas para lutar contra a Frelimo. Os
rodesianos, no inicio, recusaram apoiar. Entretanto, depois de algum tempo,
Matsangaíssa foi solto, passando a trabalhar para os rodesianos na área das informações.
Entrando, desta forma, em Moçambique com frequência para identificar bases e
apoios da ZANU. Por conseguinte, só nos finais do mês de Abril de 1977, como
conta Dlakama, a Rodesia aceitou apoiar a criação de um da Renamo.
Dlakama afirma que em Abril do mesmo ano, a Rodésia deu
duas armas (AK-47) a Matsangaissa que recrutou dois rapazes moçambicanos,
antigos militares da Frelimo, que estavam na Rodésia do Sul a trabalhar em
farmas. Assim, no dia 6 de Maio de 1977, Matsangaissa e os dois recrutas entraram
em Moçambique, dirigindo-se para o campo de reeducação de Sakuzi, em Gorongosa
e tomando de assalto o local. Como diz Dlakama: “Queimaram todas as instalações, que eram de material
tradicional, e trouxeram mais de 400 pessoas com destino à Rodésia. Destas 400
pessoas, o André conseguiu chegar à Rodésia com pouco mais de 25, porque muitas
delas não quiseram ir, preferiram arriscar e voltar para as suas aldeias”.
A segunda versão é a de Máximo Dias. Dias, contrariando a informação segundo a qual
Dlakama fora um dos membros fundadores da Renamo, afirmou que ele e André
Matsangaissa fizeram parte do grupo de cidadãos que fundaram o mesmo, em 1976
na cidade da Beira, província de Sofala e que Dlakama não era um dos membros
fundadores do movimento de guerrilha. Para Dias ao fundarem a Renamo não pretendiam “destruir o país, mas obrigar a
Frelimo a mudar a sua política de exclusão, mas os então regimes da África do
Sul e da Rodésia do Sul, aproveitaram-se deste movimento, transformando os
guerrilheiros em mercenários de baixo custo”.
A terceira versão é a de Joaquim Alberto Chissano, o
segundo presidente de Moçambique. Chissano, no decurso de uma palestra organizada pela Universidade São Tomás,
por ocasião do Dia da Paz (04/10) e dos 18 anos depois da assinatura do Acordo
Geral de Paz, falou que, havia, em
Moçambique, um grupo de “descontentes” (pessoas ligadas ao regime de Ian Smith,
do apartheid, e antigos colonos portugueses) que estavam contra a independência
de Moçambique. Esse grupo, juntamente com alguns moçambicanos, fez aproximações
à África do Sul e à Rodésia do Sul. Mas, como diz Chissano, “André
Matsangaissa e Afonso Dhlakama não estavam lá”, e nem tinham uma vaga ideia do
que se passava.
Portando, segundo a explicação de Chissano, não foram
Matsangaíssa e Dlakama os fundadores da Renamo. Mas, sim, um grupo de homens
ligados ao regime de Ian Smith, do apartheid, e alguns colonos portugueses que
estavam contra a independência de Moçambique.
Como já havia sido dito, estas três versões sobre a
criação da Renamo nos apresentam um Matsangaissa visto em três perspectivas.
Mas, no final das contas, quem foi Matsangaíssa? O guerrilheiro político, o
politico, ou o assassino brutal? Com efeito, para responder esta questão seria
necessária a presença física do malogrado. Portanto, não podendo utilizar a
metodologia grega antiga a nekuia – ritual
pelo qual eram invocados os mortos a fim de questiona-los sobre o futuro – nós,
simplesmente, propomo-nos a investigar, com base neste texto, a origem das
divergências políticas nacionais – isso numa outra ocasião.
Morte de Matsangaíssa
Existem divergentes informações em torno de da morte de
Matsangaíssa. Contudo, todas são unânimes em afirmar que o mesmo morreu em
1979.
A versão oficial é a de que Matsangaíssa morreu em combate
a 17 de Outubro de1979, no distrito de Gorongosa, província de Sofala, com as tropas
governamentais da Frelimo. Porém, um vídeo transmitido pela TVM (Televisão de
Moçambique), em 17 de Outubro de 2007, narrado por Júlio Bica, informa que
Matsangaíssa perdeu a vida nas mãos dos rodesianos que o vieram extrair de
Gorongosa, de helicóptero, após ter ficado gravemente ferido. Não obstante,
Máximo Dias levantou, ainda, a possibilidade de Matsangaissa ter sido morto
pela própria Renamo, alegadamente por este nunca ter concordado com a forma
pela qual os seus companheiros de luta conduziam a guerra.
Para além das divergências que existem em volta da morte
de Matsangaissa, o destino dado ao seu corpo não é ainda conhecido,
publicamente. Diz-se que os seus restos mortais haviam sido recolhidos e
transportados numa avioneta ao serviço da Renamo que viria a ser atingida pelas
tropas governamentais e ninguém terá dado conta nessa ocasião que entre os
corpos das vítimas encontrava-se o de André Matade Matsangaíssa.
Bibliografia
Obra:
PINTO, Jaime Nogueira. Jogos
Africanos. 2ᵃ ed. A Esfera dos Livros, 2008
Artigos:
André Matsangaíssa: herói e vilão.
Joaquim Chissano: Há gente com
tendência para desprezar e deturpar a história.
Maximo Dias e Andre
Matsangaissa!
Renamo exalta personalidade de
Matsangaíssa.
Chissano fala da guerra dos dezasseis anos.
Entrevista:
“De guerra de desestabilização a guerra civil”
(Entrevista concedida a DW África, por Egídio Vaz).
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