quinta-feira, 4 de julho de 2013

Jornalismo

                                O Jornalismo em Moçambique    

                                                                                               Autor :Estêvão Azarias Chavisso
                                                                                               Estevaohamurabi@gmail.com

Qualquer mente, atenta ou não, constata – sem muito esforço – a deterioração do jornalismo praticado em Moçambique. Se no ocidente – lugar onde o jornalismo vinca pela primeira vez a sua existência – a referência do jornalismo como quarto poder é ponto polémico originando no seio dos comunicólogos correntes divergentes, em Moçambique mal se pode discutir essa questão. Pelo simples e incrível facto do jornalista moçambicano, em frequentes casos, desconhecer a referência e a influência do jornalismo como o quarto poder de um Estado de direito e democrático – depois do executivo, legislativo e judicial.    

A tendência de confundir jornalista e apresentador tem, nos últimos tempos, aumentado no seio da nossa sociedade, facto que compromete a seriedade do jornalismo praticado em Moçambique. Foi polémico quando, numa palestra alusiva ao dia 3 de Maio – dia da liberdade de expressão – no auditório da Rádio Moçambique, a apresentadora de televisão Bordina Muala afirmou que, na sua concepção, para ser jornalista não é necessária uma formação em jornalismo quanto mais em comunicação.

É lastimável que a sociedade civil, desprovida de bases sólidas, tenha a mesma deteriorada concepção quanto ao jornalista. Para a sociedade civil, o jornalista é simplesmente um transmissor de informações, um mero intermediário, ou seja, um espelho no qual a informação captada de um lado é transmitida para um outro lado sem sofrer nenhum tipo de modificação e sem ser analisada – o que Rita Lopes no seu artigo Poder dos Media na Sociedade Contemporânea chamou de jornalista como caixa de ressonância.

Analisando o percurso histórico do jornalismo desde a sua origem no século XIX, podemos concluir que naquela época não existiam profissionais habilitados na área jornalística. Nesta época, o jornalismo estava somente ligado a causas politicas e literárias, tanto que personalidades como Karl Marx, Thomas Jefferson, e Machado de Assis foram consideradas jornalistas.

Contudo, se só no século XX a dinâmica das sociedades exige ao jornalista um novo tipo de abordagem, o obrigando a possuir novas técnicas jornalísticas, a exigência do século seguinte (XXI) vai ser maior. Neste, o jornalista vê-se na necessidade de, não só, inovar as técnicas jornalísticas mas adicionar, ao seu leque de habilidades, a capacidade crítica e analítica.

Na esteira da evolução científica do século XXI, nasce uma nova forma de fazer jornalismo. As aclamadas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) advêm, nitidamente, para dinamizar a circulação de informação. Através dos blogs, das redes sociais e dos sites a notícia torna-se de imediato ubíqua – está em todo lado, instantaneamente.

Entretanto, surge a necessidade de uma aptidão por parte do jornalista para fazer face a este novo mundo de tecnologias informativas. Contudo, é extremamente frustrante constatar que, em parte, o jornalismo moçambicano continua alheio a esta evolução. Por um lado, os currículos adoptados pelas diferentes instituições de formação em comunicação estão parados no tempo, ou seja, não observam a evolução que o mundo regista – temos como prova nítida disso duas “conceituadas” instituições de comunicação a nível nacional que são: Escola Superior de Jornalismo e Escola de Jornalismo que, por incrível que pareça, até esta data funcionam sem uma sala de informática.     

Todavia, é de louvar a iniciativa de alguns jornais nacionais que, gradualmente, começam a aderir ao jornalismo digital – com sites e paginas online. Facilitando e dinamizando o acesso a informação. Caso nítido do Jornal Notícias, Canal de Moçambique, Savana, @verdade, O país, Expresso e outros. Porém, a seriedade e sinceridade de alguns dos jornais supracitados é uma outra questão que não convém abordar – pelo menos neste artigo.
                    
Portanto, voltando a nossa caríssima apresentadora Bordina Muala, talvez ela esteja certa ao afirmar que para se ser jornalista não se precisa de uma formação em jornalismo – se tornarmos como base o nível decadente das instituições de formação da respectiva área. Porém, se aceitarmos que para se ser jornalista não é necessária uma formação em jornalismo, entramos numa esfera contraditória, ou seja, estamos diante de um jornalista sem jornalismo? Será possível exigir seriedade de uma profissão sem profissionais? Entretanto, é na esteira destas duas questões que a “falta de seriedade” deste Fórum nos obriga a contestar toda essa teoria “séria” pela Bordina espalhada.

Doravante, importa-nos tomar como auxilio duas variantes que o comunicólogo e doutor em sociologia Luís C. Martinho, em seu artigo intitulado Cursos de Teorias da Comunicação à Luz do Jornalismo, apresenta-nos. Martinho estabelece duas concepções jornalísticas: a intelectual e a técnica.

Para este, a concepção técnica exige, no que concerne a capacitação do jornalista, um longo período de tempo pelo facto da mesma depender da permanência do jornalista na redacção. Por sua vez, a concepção intelectual conjuga o aspecto teórico ao aspecto prático. Enquanto a concepção técnica é de ordem meramente prática, e oriunda empiricamente da redacção, a concepção intelectual é oriunda da academia – jornalismo como ciência.

É na academia onde o jornalista desenvolve, não só, sinteticamente as vertentes teórica e prática, mas também a capacidade analítica e crítica que a sua função o obriga a ter. São os debates académicos, sobre assuntos que apoquentam a sociedade, que desenvolvem no jornalista uma visão e posição discrepante em relação a do senso comum.  

Um quarto poder que se pretende contra poder – em relação aos outros poderes – necessita de agentes extremamente capacitados, não só no âmbito técnico mas também, no âmbito crítico e analítico. Porém, o jornalismo moçambicano tem muito pouco disso, senão a avalanche de incompetência que a media nos proporciona diariamente – reflexo da falta de seriedade desta profissão sem profissionais.

Em entrevista ao jornal Expresso na edição de 1 de Maio do corrente ano, o arquitecto Jorge Forjaz afirmava que o jornalismo moçambicano é caracterizado por muitas acusações sem provas. Segundo este, há sempre um jornalista chamando um fulano de corrupto ou um sicrano de ladrão, porém, sem apresentar provas concisas e coerentes que sustentem a sua acusação.

Ora, acabamos presos nessa monótona forma infantil de fazer jornalismo. É um cancro que coloca em causa a evolução do jornalismo moçambicano. Ludibriados por artigos bombásticos e editoriais críticos e retóricos, todavia, desprovidos de qualquer investigação e a argumentação coerente.

Não obstante, temos o deplorável espectáculo que o sector televisivo nos proporciona. O método para o recrutamento de repórteres e apresentadores dos telejornais, em Moçambique, é incrível. Para além da aparência jovial, parece que o requisito chave é uma anterior participação num realty show de 6 meses. Tendo este requisito automaticamente já se é repórter.

É um escândalo, até a nível internacional, quando um mecânico passa-se por ginecologista, mas quando meia dúzia de amadores passam-se por jornalistas ninguém diz nada? Qual é a função de órgãos como o Conselho Superior de Comunicação Social e o Sindicato Nacional de Jornalista senão zelar pela prática de um jornalismo sério? São realizados fóruns, desnecessário, para discutir a criação ou não de um Ministério da Informação, ao invés de discutir, efectivamente, a competência de órgãos como o próprio Conselho Superior da Comunicação Social que pouco se faz sentir.   
        
Se qualquer um pode ser jornalista, independentemente da sua área de formação, porquê é que ainda temos instituições de formação em comunicação? Que se transforme os edifícios da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane e a Escola de Jornalismo em igrejas ou hospitais, pois se não se precisa ser formado em comunicação para se fazer jornalismo, estas instituições não têm função alguma.

É descabido e ofensivo para comunidade comunicóloga se perpetuar este tipo de pensamento no seio da sociedade civil. São estas deterioradas correntes que colocam em causa a seriedade e sinceridade do jornalismo moçambicano. O tempo perdido na discussão da questão que a Bordina Muala levanta, devia ser usado para discutir quais as formas de melhorar as condições das instituições de formação do jornalista. Entretanto, é indubitável que exigir seriedade de uma profissão sem profissionais é uma ingénua estupidez.  

Bibliografia:
 LOPES, Rita. O poder da Media na Sociedade Contemporânea, Minerva Coimbra, 2003, pp. 33-35

MARTINHO, Luís C. Os Cursos de Teoria da Comunicação à Luz do Jornalismo: obstáculos e impropriedades das posições tecnicista e intelectualista. Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Set. de 2005. pp.24-26


                                                                                                          

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