O Jornalismo em Moçambique
Autor :Estêvão Azarias Chavisso
Estevaohamurabi@gmail.com
Qualquer mente, atenta ou não, constata –
sem muito esforço – a deterioração do jornalismo praticado em Moçambique. Se no
ocidente – lugar onde o jornalismo vinca pela primeira vez a sua existência – a
referência do jornalismo como quarto poder é ponto polémico originando no seio
dos comunicólogos correntes divergentes, em Moçambique mal se pode discutir
essa questão. Pelo simples e incrível facto do jornalista moçambicano, em
frequentes casos, desconhecer a referência e a influência do
jornalismo como o quarto poder de um Estado de direito e democrático – depois
do executivo, legislativo e judicial.
A tendência de confundir jornalista e
apresentador tem, nos últimos tempos, aumentado no seio da nossa sociedade,
facto que compromete a seriedade do jornalismo praticado em Moçambique. Foi polémico
quando, numa palestra alusiva ao dia 3 de Maio – dia da liberdade de expressão
– no auditório da Rádio Moçambique, a apresentadora de televisão Bordina Muala
afirmou que, na sua concepção, para ser jornalista não é necessária uma
formação em jornalismo quanto mais em comunicação.
É lastimável que a sociedade civil, desprovida
de bases sólidas, tenha a mesma deteriorada concepção quanto ao jornalista.
Para a sociedade civil, o jornalista é simplesmente um transmissor de
informações, um mero intermediário, ou seja, um espelho no qual a informação
captada de um lado é transmitida para um outro lado sem sofrer nenhum tipo de
modificação e sem ser analisada – o que Rita Lopes no seu artigo Poder dos Media na Sociedade Contemporânea chamou
de jornalista como caixa de ressonância.
Analisando o percurso histórico do
jornalismo desde a sua origem no século XIX, podemos concluir que naquela época
não existiam profissionais habilitados na área jornalística. Nesta época, o
jornalismo estava somente ligado a causas politicas e literárias, tanto que
personalidades como Karl Marx, Thomas Jefferson, e Machado de Assis foram
consideradas jornalistas.
Contudo, se só no século XX a dinâmica
das sociedades exige ao jornalista um novo tipo de abordagem, o obrigando a
possuir novas técnicas jornalísticas, a exigência do século seguinte (XXI) vai
ser maior. Neste, o jornalista vê-se na necessidade de, não só, inovar as
técnicas jornalísticas mas adicionar, ao seu leque de habilidades, a capacidade
crítica e analítica.
Na esteira da evolução científica do
século XXI, nasce uma nova forma de fazer jornalismo. As aclamadas Tecnologias
de Informação e Comunicação (TIC) advêm, nitidamente, para dinamizar a
circulação de informação. Através dos blogs, das redes sociais e dos sites a notícia
torna-se de imediato ubíqua – está em todo lado, instantaneamente.
Entretanto, surge a necessidade de uma
aptidão por parte do jornalista para fazer face a este novo mundo de
tecnologias informativas. Contudo, é extremamente frustrante constatar que, em
parte, o jornalismo moçambicano continua alheio a esta evolução. Por um lado,
os currículos adoptados pelas diferentes instituições de formação em
comunicação estão parados no tempo, ou seja, não observam a evolução que o
mundo regista – temos como prova nítida disso duas “conceituadas” instituições
de comunicação a nível nacional que são: Escola Superior de Jornalismo e Escola
de Jornalismo que, por incrível que pareça, até esta data funcionam sem uma
sala de informática.
Todavia, é de louvar a iniciativa de
alguns jornais nacionais que, gradualmente, começam a aderir ao jornalismo
digital – com sites e paginas online. Facilitando e dinamizando o acesso a
informação. Caso nítido do Jornal Notícias, Canal de Moçambique, Savana, @verdade,
O país, Expresso e outros. Porém, a seriedade e sinceridade de alguns dos
jornais supracitados é uma outra questão que não convém abordar – pelo menos
neste artigo.
Portanto, voltando a nossa caríssima
apresentadora Bordina Muala, talvez ela esteja certa ao afirmar que para se ser
jornalista não se precisa de uma formação em jornalismo – se tornarmos como
base o nível decadente das instituições de formação da respectiva área. Porém,
se aceitarmos que para se ser jornalista não é necessária uma formação em
jornalismo, entramos numa esfera contraditória, ou seja, estamos diante de um
jornalista sem jornalismo? Será possível exigir seriedade de uma profissão
sem profissionais? Entretanto, é na esteira destas duas questões que a “falta
de seriedade” deste Fórum nos obriga a contestar toda essa teoria “séria” pela
Bordina espalhada.
Doravante, importa-nos tomar como
auxilio duas variantes que o comunicólogo e doutor em sociologia Luís C. Martinho,
em seu artigo intitulado Cursos de
Teorias da Comunicação à Luz do Jornalismo, apresenta-nos. Martinho
estabelece duas concepções jornalísticas: a intelectual e a técnica.
Para este, a concepção técnica exige, no
que concerne a capacitação do jornalista, um longo período de tempo pelo facto
da mesma depender da permanência do jornalista na redacção. Por sua vez, a concepção
intelectual conjuga o aspecto teórico ao aspecto prático. Enquanto a concepção técnica
é de ordem meramente prática, e oriunda empiricamente da redacção, a concepção
intelectual é oriunda da academia – jornalismo como ciência.
É na academia onde o jornalista
desenvolve, não só, sinteticamente as vertentes teórica e prática, mas também a
capacidade analítica e crítica que a sua função o obriga a ter. São os debates
académicos, sobre assuntos que apoquentam a sociedade, que desenvolvem no
jornalista uma visão e posição discrepante em relação a do senso comum.
Um quarto poder que se pretende contra
poder – em relação aos outros poderes – necessita de agentes extremamente
capacitados, não só no âmbito técnico mas também, no âmbito crítico e analítico.
Porém, o jornalismo moçambicano tem muito pouco disso, senão a avalanche de
incompetência que a media nos proporciona diariamente – reflexo da falta de seriedade
desta profissão sem profissionais.
Em entrevista ao jornal Expresso na
edição de 1 de Maio do corrente ano, o arquitecto Jorge Forjaz afirmava que o
jornalismo moçambicano é caracterizado por muitas acusações sem provas. Segundo
este, há sempre um jornalista chamando um fulano de corrupto ou um sicrano de
ladrão, porém, sem apresentar provas concisas e coerentes que sustentem a sua
acusação.
Ora, acabamos presos nessa monótona
forma infantil de fazer jornalismo. É um cancro que coloca em causa a evolução
do jornalismo moçambicano. Ludibriados por artigos bombásticos e editoriais
críticos e retóricos, todavia, desprovidos de qualquer investigação e a argumentação
coerente.
Não obstante, temos o deplorável
espectáculo que o sector televisivo nos proporciona. O método para o
recrutamento de repórteres e apresentadores dos telejornais, em Moçambique, é
incrível. Para além da aparência jovial, parece que o requisito chave é uma
anterior participação num realty show
de 6 meses. Tendo este requisito automaticamente já se é repórter.
É um escândalo, até a nível
internacional, quando um mecânico passa-se por ginecologista, mas quando meia
dúzia de amadores passam-se por jornalistas ninguém diz nada? Qual é a função
de órgãos como o Conselho Superior de Comunicação Social e o Sindicato Nacional
de Jornalista senão zelar pela prática de um jornalismo sério? São realizados
fóruns, desnecessário, para discutir a criação ou não de um Ministério da Informação,
ao invés de discutir, efectivamente, a competência de órgãos como o próprio
Conselho Superior da Comunicação Social que pouco se faz sentir.
Se qualquer um pode ser jornalista,
independentemente da sua área de formação, porquê é que ainda temos
instituições de formação em comunicação? Que se transforme os edifícios da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane e a Escola de
Jornalismo em igrejas ou hospitais, pois se não se precisa ser formado em
comunicação para se fazer jornalismo, estas instituições não têm função alguma.
É descabido e ofensivo para comunidade
comunicóloga se perpetuar este tipo de pensamento no seio da sociedade civil.
São estas deterioradas correntes que colocam em causa a seriedade e sinceridade
do jornalismo moçambicano. O tempo perdido na discussão da questão que a
Bordina Muala levanta, devia ser usado para discutir quais as formas de
melhorar as condições das instituições de formação do jornalista. Entretanto, é
indubitável que exigir seriedade de uma profissão sem profissionais é uma
ingénua estupidez.
Bibliografia:
LOPES, Rita.
O poder da Media na Sociedade Contemporânea, Minerva Coimbra, 2003, pp. 33-35
MARTINHO, Luís C. Os Cursos de Teoria da Comunicação à Luz do Jornalismo: obstáculos
e impropriedades das posições tecnicista e intelectualista. Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, Set. de 2005.
pp.24-26
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