A África e os antropônimos ocidentais
E-mail: tsembah@gmail.com
Porque sou africano,
mas tenho nome dum europeu? Eis a questão onto-existencial que muitos
africanos, sobretudo, os luso-africanos dever-se-iam fazer, num tempo em que
muitos africanos identificam-se com antropónimos alheios. São, deveras,
escassos os africanos que ainda se servem dum antropónimo completamente
africano nos seus cartões de identidade. E isto, de nenhum modo, nos pode ser
louvável, enquanto ainda estivermos na luta contra a colonização mental
impingida à África pelo ocidente.
Define-se o nome
pessoal/próprio como o substantivo que identifica e distingue o objecto de modo
específico. Assim sendo, os nomes pessoais que nos identificam, a nós cidadãos
luso-africanos, têm nos distinguido dos cidadãos das outras nações? Afinal,
qual é a etimologia dos nossos antropónimos? Porquê o contínuo uso dos
antropónimos daqueles que nos colonizaram e a depreciação dos antropónimos africanos?
Longe de pretender ganhar ares afrocentristas, meu entusiasmo está em defender
a ideia de que cada indivíduo pertencente a uma nação deveria identificar-se
com um antropónimo que tem uma ligação “umbilical” com valores culturais,
históricos, linguísticos, sociais ou religiosos da sua própria nação.
A falta dum antropónimo
que nos enraíze na nossa própria pátria pode sujeitar-nos a uma série de
confusões ridículas, tais como, por exemplo: um Moçambicano, que se chama
Hélder Luís Augusto (antropónimo totalmente português), estando num país
estrangeiro como Quénia, Inglaterra, China ou Japão, corre o risco de ser
atribuído uma nacionalidade que lhe não pertence, como portuguesa ou, se
calhar, brasileira, visto que seu antropónimo lhe puxa obviamente para estas
nacionalidades. E como se não bastassem os antropónimos portugueses nas
sociedades luso-africanas, o que se vê é a tendência crescente dos novos
africanos adoptarem antropónimos ingleses como Shelton, Wilson, Genny, James,
companhia afora. Que tem a ver esta bagunça antroponímica com os africanos que
somos? Porque não nos valhamos dos nossos próprios antropónimos?
Segundo a literatura
oral e mesmo a escrita, no tempo colonial, os africanos foram proibidos de
valerem-se dos seus próprios nomes. Em Moçambique, quiseram os portugueses
perpetuar a memória dos heróis e ente-queridos de Portugal, impingindo
mentalmente aos africanos que seus nomes não eram nomes de “gente”, mas de
maus-espíritos que lhes impediam a evolução humanitária. Por conseguinte,
estava pronta a igreja católica para purificar as almas dos indígenas. Deste
modo, aconteceu que no baptismo ou no notário, o africano que quisesse registar
seu filho com um belo e viril antropónimo africano como
Manicusse, Ualalapi, Rungo, Sumbi, Nyelete, Fadukwane, etc., fora proibido de
fazê-lo. Mas, de seguida, era obrigado a servir-se do antropónimo português, se
bem que é belo, como António, Dinis, José, Catarina, Teresa, etc. isto foi
mesmo que rebaixar Gungunhane, o rei leão, e elevar dom Henriques, o
conquistador – eis o presságio dado por Gungunhane no livro Ualalapi do
escritor Ungulani baka Kossa.
Como se não bastasse a
obsolescência dos nomes africanos, o colono ousou “maquilhar” os apelidos como
foi o caso de Mandhlate que passou para Manjante; de Mondhlane para Monjane;
Mabjaia para Magaia; etc. – isto é, concomitantemente hilariante e revoltante.
Mas mais hilariante e revoltante é o facto de, há mais de 30 anos, depois da
independência, continuarmos a servirmo-nos, pela nossa própria livre-vontade,
dos antropónimos daqueles que nos tornaram escravos e desdenharmos os
antropónimos dos africanos que eventualmente terão se erguido pela nossa
própria defesa. Isto é, de facto, o poder da colonização mental: liberta o
corpo, domina a mente. Fomos libertos do colonialismo, mas continuamos com
gargalheiras nas nossas mentes. Continuamos com mentes mesquinhas que nos
permitem ainda crer que antropónimos africanos carregam mesmo swikwembo
(maus-espíritos). Mas se assim o fosse, como se explicaria o caso daqueles
africanos que mesmo sem nomes africanos sofrem de problemas espirituais. Eu
creio que o mau-espírito habita no homem e não no nome. Mas certamente que se
alguém der o nome dum feiticeiro ao seu filho, os maus espíritos poderão tender
aproximar-se do filho como se tivessem sido mandados.
O importante a reter é
que o mesmo nome pode não ter influência alguma para alguém que não conheceu
feiticeiro algum, apenas teve o nome por gosto do pai. E, seja como for, é uma
estupidez baptizar seu filho com um nome que você sabe que não é duma pessoa de
boa conduta.
Ademais, hoje em dia,
há muitos africanos que consideram antropónimos africanos destituídos de
estética, ou seja, feios. Mas esta atitude soa a loucura dum povo. Não é nada
normal que um povo diga a si mesmo que seus nomes são horríveis. Esta
descriminação só pode ser suportada quando vier dum povo para outro povo. Isto
é, os ingleses troçarem dos nomes dos franceses. Ou os franceses
ridicularizarem os nomes dos japoneses. Por sua vez, os japoneses depreciarem
os nomes suazis e os suazis rirem dos nomes portugueses ou árabes. Mas nunca um
povo dizer a si mesmo que seus antropónimos são todos feios e ridículos. Aliás,
é insensato que alguém avalie a estética do antropónimo segundo o significante
e não o signifi-cado. Ou seja, o antropónimo “Castigo”, ainda que soasse
agradável, está condenado a ser considerado feio, pois comporta o significado
negativo que é punição, opressão, tortura. Mas o nome “Xiluva”, mesmo que a
fonética não nos fosse agradável, continuaria a maravilhar-nos, visto que nos
representa uma coisa linda que é a flor.
Há, por conseguinte,
diversas formas de buscarmos antropónimos africanos para os nossos filhos. Nem
sempre precisamos recorrer a nomes dos nossos antepassados para atribuirmos à
nossa descendência. Podemos usar nomes de natureza como Nyelete, Dambu, Mate,
Xiluva, etc. ou das virtudes, artifícios, mitoscomo Tsumi, Sasseka, Tiyisso,
Horrera, Zula, Ngoma, Uhura, Mbira, Khensa, etc. A verdade é que cada nação tem
nomes tanto bonitos como pejorativos. Cabe, portanto, a cada pai escolher
doravante um nome africano que seja belo ao seu filho.
Basta de perpetuar
antropónimos ocidentais, que isto só faz de nós africanos uns verdadeiros
patriófobos. Ora, quando o caro leitor ouviu falar dum europeu com um
antropónimo africano? Aposto que nunca ou rara vez. Então, porque nós temos de nos servir do que
é alheio, enquanto dispomos do que é nosso? Nem tampouco ousemos acusar a
globalização, porque esta pressupõe a reversibilidade das influências. Esta
toda bebedeira de quem tanto se esqueceu do seu próprio nome é produto de
colonização mental. É, entrementes, mister que haja uma revolução antroponímica
a partir das novas gerações que sejam garantidas o direito dum antropónimo africano
tanto pela família quanto pelo Estado.
A longa marcha pela
liberdade que é o paradigma da filosofia africana pressupõe uma limpeza geral
das ruas da nossa consciência. E, somente deste modo, não esqueceremos donde
viemos, o que somos e para onde vamos. A mudança do antropónimo ocidental para
africano não requerer fundos monetários como uma língua o poderia exigir, mas
requer tão somente a nossa vontade de mudança. E, isto se não lhe for de pouca
monta, pode começar consigo!
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*Meu nome é Hélder Luís Augusto e meu
pseudónimo é Tsemba. Nasci em Maputo, no dia 18 de Junho de 1991. Conclui o 4º
ano do curso de filosofia na Universidade Eduardo Mondlane. Já fui um professor
voluntário de alfabetização das crianças do meu bairro. Escrevo contos, poesia,
romance e ensaios filosóficos. Quero ser um líder do movimento civil na defesa
dos direitos e liberdades democráticos.
Contacto: 84 41 61 956