O Mito dos Quinhentos Anos de
Colonização Portuguesa em Moçambique
por: Ivan Castigo Zacarias
É frequente ouvirmos, nos meios de comunicação e até mesmo
em círculos académicos, afirmações absurdas segundo as quais Portugal
colonizara Moçambique durante cinco séculos. Se não são delirantes, essas afirmações,
são o reflexo da ignorância da história nacional por parte das pessoas que as
veiculam. Por isso, decidimos esclarecer, de forma sucinta, as mentes que
partilham desta ideia.
No entanto, para evitar possíveis confusões, começaremos
por definir o conceito de colonialismo. Colonialismo, de acordo com o Dicionário Inglês de Oxford, é um termo
que provém do romano colónia – que
significa assentamento, referindo-se, nesse caso, aos romanos que tinham se
assentado em outras terras mas que continuavam mantendo a sua cidadania romana.
Por outro lado, o termo pode ser entendido, segundo Ania Loomba,
na sua obra Colonialism/Post-Colonialism,
como sendo a conquista e controle da terra e dos bens de um povo sobre outro. Segundo
a antropóloga, o colonialismo pré-capitalista difere-se do colonialismo moderno
do século XIX, na medida em que o primeiro baseava-se na cobrança de tributos
aos povos subjugados, ao passo que o segundo, por sua vez, era demasiadamente
coercivo. Fazendo-se valer de medidas de reestruturação da economia, introdução
do sistema de trabalho forçado e evidenciando a dependência das colónias às
metrópoles.
Voltando ponto principal, e uma vez definido o conceito
de colonialismo, propomo-nos, sem mais delongas, trazer os argumentos que
sustentam a nossa posição. Em primeiro lugar, importa referir que até o século
XV, altura em que os portugueses dirigidos por Vasco da Gama chegaram à costa
oriental africana, geograficamente o território que hoje chamamos de Moçambique
não existia. Moçambique, como advoga o historiador Malyn Newitt, adquiriu a sua
forma actual em virtude de um tratado anglo-português de Maio de 1891.
Portanto, o que existia antes desta data não era um território moçambicano unificado,
mas sim vários estados-multinacionais unidos valores culturais.
Em segundo lugar, os primeiros contactos que os
portugueses tiveram com os povos da costa oriental africana eram meramente
comerciais, não havendo, deste modo, uma situação de dominação dos primeiros
aos segundos. Exemplo disso é o caso particular do Estado dos Mwenemutapas,
surgido por volta de 1440-50. Onde, segundo o historiador Nogueira da Costa, na
obra O caso do Mwenemutapa, durante o
período compreendido entre 1506-1597[1] haviam
relações de certa forma pacificas, predominando a dependência dos portugueses.
Esta situação só veio alterar-se no século XVII, altura
em que nota-se: i) uma dependência crescente dos povos africanos em relação aos
portugueses, devido ao auxílio militar que estes prestavam; ii) a recusa dos
mesmos em pagar a curva[2] em
1927, iii) uma série de imposições feitas pelos portugueses ao Mwenemutapa
reinante, tais como: a abertura para construção de igrejas missionárias no seio
da comunidade e deliberação de que o representante
do poder português poderia entrar no Zimbabwe armado.
O terceiro argumento por nós levantado reside no
princípio da ocupação efectiva de África, que, efectivamente, fora determinado
pela Conferência de Berlim (1884-1885). Após a mesma, os portugueses fizeram a última
campanha que culminou com o “crepúsculo” do Estado de Gaza, em 1895 com prisão
e deportação de Ngunguhane para a ilha dos Açores. Portanto, antes disso os
portugueses ainda não haviam ocupado totalmente o território moçambicano.
Por outro lado, mesmo após a ocupação colonial os
portugueses, porque não tinham poderio económico e militar suficientes, decidiram
pôr dois terços do território nacional sob a administração de companhias concessionárias,
como é o caso da Companhia de Niassa (1894-1929), que dominava o território
compreendido entre as províncias de Niassa e Cabo Delgado e da Companhia de
Moçambique (1891-1941), que dominava, por sua vez, o território compreendido
entre as províncias de Manica e Sofala.
Na senda dos argumentos levantados, fica claro que o
discurso de alguns supostos académicos é desprovido de sentido e lastimável.
Não foram, historicamente falando, cinco séculos de colonização.
A colonização portuguesa em Moçambique foi um processo e
não algo feito do dia para noite, como alguns indivíduos, movidos pela opinião,
falaciosamente, afirmam. A colonização da qual podemos falar, no período inicial
ao seu estabelecimento, é uma colonização bastante localizada. Contudo, não se pode
negar que os primeiros contactos entre os portugueses e os povos africanos
datam do século XV.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
LOOMBA, Ania. Colonialism/Post-Colonialism.
London:
Routedge, 1998. p. 1-19.
NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Mira-Sintra: Publicações Europa-América, 1997.
NOGUEIRA DA COSTA. Penetração e
Impacto do Capital Mercantil Português em Moçambique nos Séculos XVI e XVII:
o caso do Mwenemutapa. Maputo: Departamento de História da UEM, 1982.
[1] - Época
em que os portugueses constataram o desvio do ouro por Angoche e,
simultaneamente, foram estabelecidas as três primeiras feiras portuguesas.
[2] - Tributo que
os mercadores deviam pagar as autoridades locais para que pudessem transitar ou
comerciar nas terras do Mwenemutapa.
[3] - Considerado
o período auge da colonização portuguesa, foram adoptadas filosofias de
opressão no sentido de tornar as colónias portuguesas exportadoras de
matéria-prima.
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