Embora tenha crescido dentro de uma família conservadora e professante dos valores cristãos, sempre tive uma forte inclinação para o “profano”. Eu tinha pouco mais de dez anos quando meu primo apresentou-me sua “inocente” colecção das Brasileirinhas - os melhores vídeos pornográficos produzidos no Brasil. Meu primo, cinco anos mais velho que eu, foi uma das primeiras pessoas que, nietzschianamente, estimulou os fervorosos apetites sexuais escondidos por detrás dos óculos daquele menino inocente, mas de natureza selvagem. Na época, finais dos anos noventa, não tínhamos a sorte de ver as brasileirinhas em HD (Alta Definição), víamos numa qualidade lamentável, mas a vontade era maior. Aliás, se na altura era difícil ter um vídeo cassete em casa, era mais complexo ainda ter uma cassete das brasileirinhas escondida entre os livros da estante.
Meu primo, milagrosamente, possuía tal
“preciosidade”, pelo que, pelo menos ao nível do seu bairro, tinha a fama, o
respeito e, sobretudo, a legitimidade necessária para falar das mulheres entre
os seus. Ele vivia no Bairro de Chamanculo, um dos mais perigosos da
Cidade de Maputo e com alto índice de natalidade. Durante os finais de semana,
principalmente nos finais do mês, os meus tios (pais do meu primo) saíam para
festas familiares, deixando livre o território para “reuniões clandestinas” –
sessões de exibição de filmes pornográficos com mais de sete homens na sala.
Em parte, para mim, aquela realidade era
traumatizante, na medida em que cada um tinha sua forma particular e, por vezes, inusitada
de responder a determinados estímulos. A sessão tinha pouco mais de 30 minutos,
entretanto, muitos mostravam-se já satisfeitos nos primeiros dois – não
entendia porquê.
Depois do ritual sagrado, o meu primo, o líder
da “congregação”, fazia um breve resumo do que foi a sessão, lembrando algumas
passagens marcantes do filme – desde as posições das actrizes até aos gemidos
dos actores. Eu, o mais novo do grupo, suspeitando de tal atitude, pouco dizia.
Aliás, nem tinha muito a dizer, entretanto, observava cada momento calma e
atenciosamente. Era uma situação estranha, mas muito interessante. Engraçado,
apesar de ser o líder, meu primo, tal como todo o grupo, não tinha uma namorada.
Ora, embora tivéssemos um respeito pelo nosso majestoso líder, sabíamos que ele não
colocava em prática nenhuma daquelas brilhantes técnicas.
Apesar disso, eu gostava de estar com ele, e,
principalmente, ouvi-lo explanar os segredos do sagrado corpo feminino. As
visitas ao bairro do meu primo começaram a ser frequentes, principalmente
nos finais do mês. Minha mãe, desconfiada deste repentino sentimento de
irmandade, chegou a questionar-me sobre as constantes visitas ao Bairro de
Chamanculo. Eu, olhando para os seus olhos e abanando a cabeça com ar de adulto,
limitei-me a respondê-la nos seguintes termos:“ Experiência, experiência, troca
de experiência”.
Hoje, depois de tanto tempo, minha paixão pelas
artes pornográficas continua a mesma de há dez anos, embora os filmes
contemporâneos agridam a minha sensibilidade - tomando em consideração a forma
desumana como as actrizes são tratadas. Apesar da qualidade ter evoluído, as
maquinas terem sido aperfeiçoadas e os cenários terem sido readaptados com
estilo moderno, falta sensibilidade por parte dos actores, que destroem o momento
sublime do contacto entre corpos que clamam por prazer. Este problema
legitima, em larga escola, a indignação do movimento feminista que floresce,
principalmente, a partir da primeira década deste século, liderado por
escritoras como Andrea Rita Dworkin, assumidamente em oposição à pornografia.
Eu, em respeito à minha infância e a minha
actual condição, sou a favor da 7ª arte, seja ela pornográfica ou não - como bem
disse numa entrevista o cineasta Sol de Carvalho. Aliás, a realidade manda-me
questionar, o que seria de nós, actualmente, sem um bom filme pornográfico?
Actualmente, a indústria de pornografia cresceu
demasiadamente, pelo que, nalguns centros principais de produção de filmes
pornográficos, foram estabelecidas até regras para gerir tão “delicada”
actividade. Graças às artes pornográficas, a clássica troca de fluidos orgânicos,
actrizes como Tori Black, Audrey Bitoni e, a minha favorita, Belladona, entram nas “telinhas” dos
nossos computadores, assiduamente, para nos fazerem companhia
durante alguns minutos nas longas madrugadas solitárias. Hoje, a indústria está
mais organizada e lucrativa, tanto que atores como Evan Stone, Evan Seinfeld e Lexington
Steele já possuem fortunas estimadas em 3 a 4 milhões em património líquido.
Infelizmente, o meu primo (meu mestre) já
casou-se. O grupo desfez-se e, por tal, não mais temos nossas sessões fervorosas
de sábado à tarde. Aliás, não mais nos vemos com frequência e muito pouco
conversamos. Hoje, nas primeiras horas da manhã, cruzei-me com ele na rua, está
gordo e já trabalha. A primeira coisa que fiz foi questionar-lhe sobre a nossa sagrada cassete das brasileirinhas e ele respondeu: Está lá, no
mesmo lugar de sempre, à espera de uma nova geração para dar continuidade à tradição.
Fim
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