Os Nossos Tempos
Comummente, no seio das nossas
sociedades, é notável uma tentativa de distinguir qualitativamente as gerações
anteriores das atuais. Assistematicamente e longe de uma periodização
científica, ouvimos, com frequência, os “velhotes” defenderem a ideia segundo a
qual as gerações anteriores eram melhores que as atuais. Na verdade, tal discurso,
por vezes exasperante, pretende simplesmente alertar a juventude hodierna para
uma suposta deterioração de valores morais na contemporaneidade. Porém,
analisando o cerne deste desta discussão, percebemos que a referida
deterioração é extensiva a todas gerações da própria época contemporânea,
inclusive a dos “velhotes”, se pensarmos que a época inicia com a incontornável
revolta dos franceses em 1879.
Realmente, nós vivemos hoje um
grande paradoxo, um dilema entre os conceitos evolução e desenvolvimento.
Enquanto seres humanos, será que estamos a evoluir? Se sim, o que é
evolução?
Estamos no “auge” do que alguns
chamam de pós-modernidade - embora não haja consenso na periodização desta época.
Vivemos a alvorada da evolução tecnológica, o dito mundo da técnica. É um
período, por excelência, complexo e de demasiado relativismo, que submerge o
homem nas suas sucessivas e variadas novidades apresentadas à velocidade da
luz.
Uns, nos finais da década 80,
defendendo a história da humanidade como um processo singular, coerente e
evolutivo que atravessa os tempos, consideraram-no um prelúdio do fim das
“grandes ideologias”, a morte das metanarrativas, acreditando que o triunfo “inequívoco”
da democracia liberal e o fim das contradições entre povos, depois da queda do
Muro de Berlim (1989), criariam as condições necessárias para o brotar de um
suposto “ último homem”.
Outros, ainda às portas do século
XX e em ofensiva assumida contra uma moral cristã em eminente decadência,
gritaram do alto de uma montanha a morte de um suposto deus, que culminaria com
a ascensão triunfal de um tal de Ubermensch (super-homem).
Todo este panorama enquadra-se no
mesmo contexto social, que evolui gradualmente à luz de em pluralismo cultural,
dentro de uma única “aldeia global”, como dissera Mashall Mcluhan. De certa
forma, a luta pelo reconhecimento da dignidade do Outro (homem) teve
êxito, entretanto, com o seu triunfo, perdemos as grandes referências, o Ideal
de sociedade.
Em oposição a um etnocentrismo
ocidental, uma aparente contraofensiva libertária foi desencadeada pelos
considerados continentes ‘’descobertos’’, que ambicionavam alcançar a sua
soberania política, social, económica e cultural, condição sine qua non para legitimação da sua Humanidade.
O tempo passou, mais rápido do
que se previa. Hoje, o mundo já não está dividido em apenas dois blocos
claramente opostos. No mundo atual, existem vários blocos, que representam
várias ideias políticas, económicos e, sobretudo, culturais. São várias
experiências que fundem-se num só contexto e em tempo real, unindo povos de
realidades totalmente diferentes, mas com a similaridade de serem todos seres
humanos.
Estava em Maputo (Moçambique),
quilómetros e quilómetros de distância do Quénia, mas ouvi, em tempo real, o
grito dos 147 estudantes da Universidade de Garissa, mortos pelo grupo islamita
somali al-Shebaab. A senhora de um dos prédios da Av. Venceslau de Morais
em Macau soube que Mohammadu Bohari é a nova aposta dos nigerianos para
combater a temida seita terrorista Boko Haram. Isto prova que estamos cada vez
mais próximos, porém, e felizmente, cada vez menos unidos.
Melhor ou pior, deteriorada ou
decadente, esta é a nossa época, que apresenta questões tipicamente nossas, num
contexto que nos é próprio. Cada época é (e sempre foi) singular no universo da
existência humana. Cada período tem seus paradigmas e seus problemas, aos quais
cabe a sociedade no geral apresentar suas respetivas soluções.
A única verdade é que a história,
como sempre, não perdoa, pelo que caberá às futuras gerações julgar e condenar
as nossas atuais escolhas, como também fizemos com as épocas anteriores.
NB: Escrito à luz do novo Acordo Ortográfico
publicado em http://www.fasdapsicanalise.com.br/os-nossos-tempos/, a 26 de dezembro de 2015.
publicado em http://www.fasdapsicanalise.com.br/os-nossos-tempos/, a 26 de dezembro de 2015.
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