A redenção de um “Bandido Velho”: o “Híbrido”
Autores: Estêvão Azarias Chavisso e Telcínia dos Santos
Quando em finais de 2011 Halloween lançou “Arvore Criminal” (o seu segundo
álbum), a voz da “Bruxa” já circulava nas ruas das cidades e subúrbios de boa
parte da lusofonia. Para muitos, além de estranha, era uma voz incómoda e
agressiva, marcada por uma narrativa crua e sem censura sobre a bruta realidade
nos bairros periféricos.
Sem tabus, a Bruxa, como se apelidou entre os rapazes da Youth Kriminal, expunha a realidade pobre e sem perspetivas da periferia de Odivelas, dando asas à voz rebelde de uma juventude já cansada e descontente com o sistema.
O que a Bruxa não sabia era que a sua voz não só rimava as dores da
juventude de Odivelas mas também cantava a frustração de centenas de outros
jovens dos subúrbios dos problemáticos países da lusofonia, com destaque para
os países africanos de língua portuguesa.
Como um vírus, com temas como “Dia de um Dread de 16 anos”, “Drunfos”, “No
Love” e “Fly Nigga”, a Bruxa cativou uma juventude que, embora separada por
fronteiras geográficas e oceanos, tinha os mesmos problemas: drogas, miséria e
falta de perspetivas.
A influência de lendários grupos como Racionais MC´s e figuras emblemáticas
como Ol' Dirty Bastard foi visível nos dois primeiros trabalhos discográficos do rapper,
que, com o seu estilo desprendido e informal, de certo modo, destronava no
panorama do rap lusofonia a hegemonia do estilo clássico e intelectual imposto
pelo “Serviço Público” (2008), de Valete.
Quatro anos depois do lançamento do “Árvore Criminal”, Halloween voltou aos
microfones para gravar o Híbrido, um álbum que, de certo modo, parece-nos a redenção
do “Bandido Velho”.
É um álbum muito mais melódico e com composições mais maduras, embora fiéis ao estilo expressivo e fortemente emotivo que fez de Halloween um protótipo para a juventude pobre, rebelde e excluída da periferia.
Aparenta ser um álbum de perdão, reconciliação e, sobretudo, redenção, um
resgate à juventude que se “perdeu” na narrativa radical do “Árvore
Criminal” e, principalmente, do “Projecto Mary Witch”, de 2006. No entanto, a agressividade
“gangstar” continuava lá, facto constatável quando se escuta músicas como "Gangsta Junkie" e "Bairro
Black”, esta última com a participação do lendário General D e de Buts Mc.
A mistura de vários estilos, como o próprio título do álbum sugere, traz a
tona 15 faixas que revelam um artista que quer estar em paz consigo e com todos,
deixando um legado que virá a merecer a atenção das futuras gerações. São
músicas que geram mil pensamentos e mil sentimentos.
Halloween teria dito que “Híbrido” é sinónimo de evolução: “É aquele crescimento como artista, como homem. Eu mesmo como pessoa tenho sido um híbrido, às vezes sinto essa dificuldade de encaixar-me em algum sítio”, afirma, numa entrevista, o artista, que lembra ainda que o álbum todo foi por ele produzido.
O rapper se assume como sendo “de várias nacionalidades” para justificar um
álbum que atravessa fronteiras e conecta várias realidades, revelando a universalidade dos problemas da atualidade.
“Sou uma mistura de várias nacionalidades, várias pessoas, de certa forma
até de vários estatutos sociais. O “Híbrido” é uma mistura de toda a música que
eu ouvi, todas as influências”, acrescentou.
“Mr. Bullying”, uma das mais populares músicas do álbum, é aqui trazido com
uma peculiaridade artística quase que cinematográfica, em que o artista revela
no rap a sua capacidade de manipular cenários e comandar a mente do ouvinte,
trazendo à reflexão um dilema social que tem induzido a homicídios e suicídios
um pouco por todo o mundo.
É também um álbum onde o autor se exibe com um olhar de cronista, revelando
grande atenção às mudanças e ao estado decadente daquilo que se passa ao seu redor. A capacidade de narrar a desilusão continua intacta, claramente visível em
temas como “Zé Maluco”, “Rap de Rua” e “Fantas”.
“Bandido velho” e “Livre Arbítrio”, por exemplo, refletem um artista com
uma visão diferente e mais madura da vida, um rapper que consegue “manipular” letras
e contextos de forma original, sem, no entanto, afastar-se das tão exigidas bases da música
rap.
Também o tema das desigualdades e os desafios dos emigrantes negros na Europa ganham espaço neste trabalho, como é caso da música “Marmita boy”, em
que a questão de fundo é: “Jovem africano do bairro social quais são as tuas
chances mano em Portugal?”.
Depois do “Projecto Mary Witch” (2006) e “Árvore Kriminal” (2011), em suma,
o “Híbrido” é, curiosamente, o reflexo de maturidade de um artista de quem
ainda se espera muito no panorama do rap lusófono.Em o "Híbrido", a Bruxa está madura.
Boa Escuta.
Álbum:
Entrevista:
NB:Escrito à Luz do Novo Acordo Ortográfico
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