Tanto Faz
Por: Estêvão Azarias Chavisso
Dizem
que a “lusofonia” está “doente” e que as coisas estão feias para as pobres
comunidades dos países da velha língua de Camões. “Impeachment, dívida e crise”
viraram palavras comuns no vocabulário dos nossos países e, mais do que
terminologias políticas, estes conceitos refletem as mais profundas causas do
nosso desgaste e frustração.
Deitado
na cama quente do meu quarto, nos confins de uma das mais perigosas periferias
da capital moçambicana, leio que “Dilma caiu” e que agora Portugal anda no topo
da lista de países europeus no que respeita ao acolhimento de refugiados.
Parece- me tudo tão familiar.
Em
Moçambique, uma tal de sociedade civil está indignada porque um velho “amante
da pátria” contraiu avultadas dívidas ocultadas nas contas públicas e, agora,
os “donos do dinheiro” suspenderam as suas doações, deixando o país com um
futuro incerto.
“São
roubalheiras”, diz um influente política moçambicano. Eu não sei. Entretanto, o facto
é que Moçambique é o país com a maior taxa de suicídio de todo continente
africano. Acho que não faltam motivos para quem vive na periferia do oitavo
país mais pobre do mundo.
No
ecrã do meu computador, as novidades não param de chegar e, agora, confortam-me
perceber que os níveis de suicídio tendem a crescer até mesmo no país de Obama,
a “terra das oportunidades”.
Na
verdade, este sistema sufoca-nos a todos, independentemente da nossa
nacionalidade, religião ou condição financeira.
Uma vez um filósofo disse-me que faltavam alternativas políticas na
pós-modernidade, em alusão a um suposto triunfo do ultraliberalismo sobre
outros sistemas de organização da vida social desde a queda do muro de Berlim (1989). Para
mim, na realidade, falta mesmo vergonha na cara.
Falta
coragem para assumirmos que a especialidade deste sistema é a produção de
pessoas deprimidas, incapazes de decidir sobre as suas próprias vidas e, acima
de tudo, presas a circunstâncias inesperadas.
Na
manhã da última segunda-feira, uma senhora de aparência afável trouxe-me um
envelope misterioso, que condizia com o seu tom de sisudez e o seu salto alto. Lembrei-me
imediatamente de Montesquieu. Realmente a sisudez é a “armadura dos parvos”.
Tratava-se
da quinta nota de cobrança de uma dívida “hereditária” que não me lembro dos
seus benefícios, mas, pelos vistos, é “gorda” o suficiente para roubar-me o
sono, ameaçar-me a moradia e hipotecar-me um futuro já incerto. "Tanto faz", retorqui.
Bebo mais um
copo e, lembrando-me de Cícero, concluo que não há nada de tão absurdo que o
hábito não torne aceitável.
Hoje,
para mim, tudo é estranho e a vida adulta não é sinónimo de liberdade, como
pensava quando via, às escondidas, as mirabolantes cenas da “Xica da
Silva” nas madrugadas dos finais da década noventa.
Nos
dias que correm, sem a ambição de enfatizar as “teorias da conspiração”, estamos
todos condenados a um sistema que, seguindo uma lógica absurda, aprisiona-te de
dia e confere-te liberdade de noite. Essa é a lógica dos nossos dias.
Os
sorrisos no `Facebook´ ou os “biquinhos” no `Whatsaap´, na verdade, é tudo a
mesma coisa e o resultado da demência do acéfalo que tenta mascarar a condição miserável
da fútil sociedade deprimida do século XXI.
O
velho Fernando, um humilde mecânico do meu bairro, diz-me, em conversa, que não
sabe o que é `Facebook´ nem tem noção dos seus benefícios. Entretanto, sentado
de baixo da mafurreira do seu quintal sem vedação, garante que, no seu tempo,
amor, honestidade e, sobretudo, amizade eram virtudes em abundância.
Escrito à Luz do Novo Acordo
Ortográfico
Nenhum comentário:
Postar um comentário