sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Crónica:A Proposta

A Proposta


Por: Lino António Guirrungo.


Neste ano já fiz de tudo. Vou ser mais humilde. Na verdade, quis fazer um pouco de tudo. Um amigo disse-me que eu pareço um alienígena recém-chegado, querendo provar de todas virtudes e vícios da vida humana. No meu caso, acho que quis provar mais dos vícios.



Sinceramente, este ano é propício para esta vontade gritante de me desvirtuar. Está um ano horrível: desemprego, solidão, crise de identidade, alguns amigos perdidos, frustração académica. A lista é longa infelizmente.

Todos vão concordar que um ligeiro desvio numa vida inteira de retidão não faz mal. Está bem, é exagerado falar de uma vida inteira. Estou no princípio da casa dos vinte anos. Não obstante, para os efeitos do texto, preciso de ser dramático.

Primeiro, provei de muitas cervejas e de uns whiskeys. O caro leitor deve achar que ou estou de brincadeira ou sou mesmo um alienígena. Nenhuma das duas alternativas. A verdade é que sempre fui um abstémio e um moralista incorrigível. Numa cruzada individual de espiritualidade, a frase de G. Chesterton guiava-me. Ei-la: "Antes a hipocrisia consistia numa homenagem que o vício rendia à virtude. Agora transformou-se e parece consistir na homenagem que a virtude rende ao vício."

Nunca bebi antes deste ano. “É um milagre para os dias que correm”, dirá o leitor simpático.  “Que retardado!”, imagino que essa será a descrição que fará um leitor mais duro.Segundo, comecei a enganar as minhas vizinhas e algumas belas moças que encontrava pelas ruas. Não era virgem, mas nunca havia ido à cama com uma rapariga só para transar. Eu fazia a amor. Bom, pelo menos acho que fazia amor.

Não usava as minhas namoradas para fins sexuais apenas. Julgo que posso afirmar que amei profundamente duas mulheres na minha vida. As duas abandonaram-me. A última não suportou a minha crónica falta de dinheiro, mas isso é outro assunto.

Terceiro, fumei, fumei e fumei. Duas coisas apenas, fumei vários maços de cigarros e várias vezes aquele estupefaciente que é legal em alguns países progressistas. Não vou mencionar o nome do estupefaciente, só para não me acusarem de incitação ao consumo de drogas ilícitas. Em Moçambique é ilegal, mas adivinho que muitos já façam ideia de que substância me refiro. Aqueles que não fazem ideia, bom, é melhor assim, sobretudo se forem menores.

Quarto, prefiro não dizer!
A quinta coisa é a razão deste texto. A dita proposta. Um amigo me sugeriu, não aquele que subtilmente me chamou de alienígena. Um outro fez. Este último é um devasso, coisa que o outro não é. Acho para efeitos práticos vou cunhá-lo de Devasso neste texto. Desculpe, leitor, entendo. O que penso dos meus amigos não importa agora.

Continuando...
O meu amigo, aliás, Devasso, propôs-me que fossemos conhecer uma mulher praticante da profissão mais antiga do mundo. Conhecer é um eufemismo que ele usou para designar... Bolas, que asneiras eu ia descrever! Ele disse que devíamos ir à famosa Rua Araújo na baixa da cidade de Maputo. Um lugar mítico em Moçambique desde os tempos coloniais.

“Queres que eu fique com uma prostituta, amigo?”, disse eu meio indignado. Devasso advertiu-me que o termo prostituta não era adequado. Modernamente elas têm direitos e "trabalhadoras de sexo" era o termo mais aceitável pela corrente dele. Anui. Ele me deu um prazo para pensar nisso e acrescentou que eu não teria a eternidade para pensar.

Ele é que vai pagar as despesas, não apenas por camaradagem, mas porque tem dinheiro para tal. Eu estou desempregado, convém lembrar.Não durmo desde então. Fui ler para saber mais daquela profissão tão antiga. Parece que ela vai sempre abraçada com a civilização. Gente comum e até mesmo cientistas sérios  vêm  nas trabalhadoras de sexo uma importância social que eu nunca imaginei que tivessem. Dizem que devia ser legalizada! Não há razões para remorsos ou repulsa, de acordo com esses cidadãos ilustres.

Confesso que a ideia me atrai. Tenho devaneios sexuais imensos e a Rua Araújo pode realizá-los, se é verdade o que dizem sobre a mesma. Acho que muitos vão compreender tais fantasias. No entanto, estou com dúvidas se devo ir. Isso se deve ao facto de eu estar preso às convenções sociais hipócritas, de acordo com um blog sobre a matéria. Eu não sei se isso é de todo verdade. Enfim, a realidade é a seguinte: o meu tempo se esgota para aceitar a proposta!

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