Entre Escrita e Cigarros
Autor: Albet Massango
Sentado,
mais um dia, na mesma poltrona que me acolhe quando sinto a necessidade de
repousar as minhas longas pernas, que, no entanto, não chegam a se comparar ao pescoço
duma girafa miúda, tento escrever.
Tento
matutar para que alguma ideia surja, entretanto, a mente se mostra incapaz de
me munir de argumentos para expressar o que sinto, uma espécie de tédio
misturado com saudades de algo que ainda virá.
Enquanto
não me surgem ideias, olho para as quatro paredes esverdeadas, onde gotas de
água escorrem quando chove. Do lado esquerdo, onde fica uma pequena estante de
livros e cadernos usados há anos, lobrigo as pequenas baratas lutando pela sua
existência, daí pergunto-me, mata-las ou não? Pois qualquer homem são
aniquilava-as, todavia, paro simplesmente absorto nos meus pensamentos. Talvez
não goze duma boa saúde mental.
Estando
ainda no quarto, do lado de fora, vinham vozes misturadas, algumas grossas e
outras sibilantes. Bem, se este texto fosse um tratado linguístico, em fonética
e fonologia, dir-te-ia se os sons, provenientes de fora, eram bilabiais,
alveolares, velares, palatais ou glotais. Entretanto, uma vez que não estamos naquela
ciência parida por Saussure, deixemos
isso para trás.
Ao
reflectir sobre uma conversa que tivera com um amigo, há alguns meses, que não
vêem para a memória agora, em que falávamos dos clássicos, desde os do mundo da
música ao cinema, lembro-me de termos mencionado o nome de Miles Davis, aquele
monstro do jazz.
Na
conversa, o meu amigo, que por acaso o seu nome é Amigo, dissera que Davis,
para compor as suas melodias, buscava inspiração nas drogas e na sua amada
esposa, esta última que depois o largou.
Assim
sendo, na tentativa de ganhar inspiração para escrever, e pensando na conversa
que tivera com o Amigo, finamente pus-me fora do quarto à procura dum maço de
cigarros, não importava a marca dos mesmos, o que eu queria era fumar para
ganhar inspiração à semelhança do velho Miles,
quando
compôs o Kind of Blue.
Na
barraca, ao pé da minha residência, comprei dois maços de cigarros e retornei
ao quarto, desta vez a porta foi a janela, pois quando sai me esqueci da chave
lá dentro.
Após
um esforço titânico para arrombar a enrugada janela, que não estava gradeada, entrei
no quarto mas com o braço esquerdo ensanguentado, pois, durante o arrombamento,
um vidro fragmentara-se em pedaços ínfimos e, dai, um caco penetrara no braço
de forma agressiva e macabra.
Do
estendal, onde ficam as minhas vestimentas, puxei uma toalha, duma cor não
muito comum, para enxugar aquele líquido encarnado que ondulava na penugem do
meu braço.
Passados
minutos dum curativo caseiro, revitalizei as energias e sentei-me novamente
naquela mesma poltrona, de forma meticulosa, para não machucar o braço quase
assassinado pelo maldito caco.
Peguei
o teclado para escrever, mas, rapidamente, me lembrei que estavam comigo dois
maços de cigarros para a busca de inspiração. Tirei os maços da algibeira
traseira das calças, puxei o fósforo que estava na cabeça do monitor e acendi o
primeiro cigarro, que foi fumado até à morte.
Senti
que vinha a inspiração, daí arranjei melhor a poltrona e puxei o teclado
daquele meu computador, para escrever. Redigi o primeiro parágrafo, o segundo e
o terceiro e, de repente, fiquei sem ideias. Peguei no maço novamente, fumei
mais um cigarro, logo, deu-me vontade de fumar mais um, mais dois até que
esgotou-se o primeiro maço.
Quando
começava a fumar o quinto cigarro, do segundo maço, mais ideias e palavras
surgiam. Senti que a escrita estava mesmo a fluir, escrevi mais um parágrafo,
mais dois, mais três, até terminar o texto que tu lês agora, intitulado Entre a
Escrita e o Cigarro.
Dentre várias
dicotomias, nomeadamente, o céu e a terra, o belo e o feio, o forte e o fraco,
entre outras, nada mais me interessa senão a leitura e a escrita, dois
processos complexos que se completam, tal como a ciência e o senso comum.
AM/AM
AM/AM
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