Água. Uma Novela Rural, Entre a Escassez e Excesso
Autor: Alberto
Dalela Massango
Com as suas personagens
redondas, dotadas de comportamentos inusitados e capazes de escravizar a vista
de quem as lê, João Paulo Borges Coelho, escritor moçambicano que cruzou nomes
históricos em Moçambique do século XX, ao longo da I Guerra Mundial, volta a
brindar-nos com um acontecimento real em forma de ficção.
Neste novo romance, intitulado Água. Uma Novela Rural,
através de um narrador heterodiegético, o autor do Olho de Hertzog mostra-nos
que numa terra sedenta por água, este precioso, pode constituir motivo de
guerras, descontentamentos, cepticismo, bem como ateísmo.
Logo na primeira página da diegese, o narrador, instituído
por Borges Coelho, chama atenção sobre a necessidade de nunca se depositar
confiança nesse líquido (a água), na medida em que ele depende da natureza e,
como já se sabe, a natureza depende de si mesma - o homem não exerce nenhuma influência sobre fenómenos naturais e
se a exerce, tal influência é insignificante.
As complexas personagens desta narrativa, que levam
sempre o leitor à uma reflexão profunda, ao ponto de se questionar “o que fará a
personagem X no capítulo seguinte; como a personagem Z vai-se comportar perante
àquela transformação”, criam, paulatinamente, de capítulo em capítulo, se não
for de parágrafo em parágrafo, um debate entre o leitor e o discurso do
narrador.
Tal como afirma Borges, através da sua entidade fictícia,
sobre a necessidade de nunca se confiar na água pelo facto de ela dividir
opiniões, observa-se o diálogo conflituoso entre o homem campesino e o urbano,
ambos dotados de conhecimentos distintos. Neste caso, o primeiro, com a sua tradição
oral, é dotado de conhecimentos mitológicos passados de geração em geração, ao
passo que o urbano, com recurso à escrita e tecnologias de informação e comunicação,
acredita na solução científica (computadores, gráficos de medição de
temperatura e diversas máquinas).
O conflito entre o campo e a cidade constitui um elemento
primordial que se pode observar na Água. Uma Novela Rural, pois os discursos
das personagens, bem como os do narrador principal demonstram, nitidamente, a
divergência ideológica entre ambos espaços.
É incrível que na narrativa em causa, já quase no fim, a
estiagem, que assolava os habitantes da aldeia campesina, é substituída por terríveis
cheias, ou seja, a escassez da chuva, que dizimara milhares de cabeças de gado
e transformara rios sedentos e terras inférteis, fora substituída por um
excesso de chuvas que, em contra partida, engolira os casebres e miríade de
pertences das populações, bem como ceifara vidas humanas.
João Paulo Borges Coelho, com este novo romance, quer
significar que a escassez e o excesso não prestam, ou seja, nunca trouxeram
vantagens – daí a necessidade de sempre se optar pelo meio-termo, nem pouco nem
muito apenas o normal.
Tal como o diamante, centro das atenções, no Olho de
Hertzog, que não chega a ser achado nem descoberto o seu paradeiro, acontece
com a protagonista deste romance, Maara, que após a enxurrada o narrador não
chega a revelar o seu paradeiro, - não esclarece se ela foi salva ou engolida
pelas cheias - deixando essa tarefa para o leitor.
João Paulo Borges Coelho, na Água. Uma Novela Rural,
traz-nos um fenómeno particular nos nomes das personagens (Maara, Laago, Heera,
Waaser, Floor, Praado, entre outros). Tal fenómeno é, linguisticamente,
denominado Alongamento Vocálico, frequente nas línguas bantu e na língua
inglesa.
ADM//EAC
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