Quando A Patologia É A Identidade
Talvez o século em que
vivemos seja um dos mais distintos no que respeita ao modelo das nossas
relações humanas. Talvez a chamada época pós-moderna tenha sido o momento áureo
no âmbito do grande projeto da “aldeia global” e, consequentemente, a
diversidade, alicerçada pela aparente democratização da esfera pública a partir
das tecnologias, tenha sido afirmada como uma das mais sublimes características
da nossa “jovem” espécie.
Ora, a consequência
lógica da diversidade, surpreendentemente, é a subjetivação. Para que pensemos
num “Todo” é necessário que haja, primeiro, um “Particular”. Este resultado
lógico leva-nos a questão: O que seria a subjetivação?
Por subjetivação,
esclareço, entendo toda a afirmação das características peculiares do “Eu” com
o intuito de distingui-lo no meio do “Todo”.
Neste contexto, a
subjetivação seria a nossa tendência natural de, mesmo afirmando as “vitórias”
da diversidade no mundo atual, partirmos de um pressuposto individual e, de
certo modo, etnocêntrico, que tem no “Eu” o ponto de referência para a
afirmação do Outro.
Em outros termos, a
subjetivação seria a imposição daquilo que nós chamamos de “nossa Identidade”,
como forma de particularizarmos a nossa existência num universo tão plural,
tomando-nos a nós mesmos como eixo de análise.
O problema começa
exatamente neste ponto, na medida em que, para a nossa infelicidade, a
Identidade (nacional, cultural ou religiosa) é um elemento exterior ao sujeito.
Em outros termos, ela é
apenas uma mera construção social e que pode variar em função da nossa
disposição geográfica.
A identidade não é um
elemento adquirido biologicamente. Pelo contrário, ela é uma categoria social
em contínua construção e que, em função do dinamismo que nos é próprio, exige
atualizações constantes.
É o que Gil (2009)*
chamou de “patologia de que o Eu é o vírus despótico”, considerando a
identidade como o mais perigoso mal das nossas sociedades.
Talvez o mal não seja
necessariamente a identidade. Talvez o erro resida no fato de a termos tornado
o elemento basilar para afirmação da Humanidade do Outro.
Trata-se de uma doença
que nos faz esquecer de que, antes de moçambicanos, brasileiros, angolanos,
americanos ou africanos, somos seres humanos e que, mesmo não possuindo traços
comuns no que respeita à origem étnica, temos todos o direito à vida.
O nosso pecado foi
superiorizar as identidades omnipresentes, fechando nossos egos dentro de
fronteiras físicas e mentais, na ambição de atribui-las uma autossuficiência
inexistente.
Esquecemo-nos, no
entanto, que as fronteiras e a cultura são elementos dinâmicos e a única
verdade é que nós (seres humanos) somos apenas parte da natureza. Ou seja,
somos nada mais do que uma ínfima espécie sob risco de extinção no meio de um
universo gigantesco.
As atrocidades que
marcam a pós-modernidade, ameaçando a nossa espécie, encontram seu fundamento
nesta patologia, que impossibilita as pessoas de realmente ver e aceitar o
Outro e dissemina uma visão etnocêntrica com consequências alarmantes.
Assumir, por exemplo,
que a pertença a um determinado território é a condição para o gozo dos
direitos básicos é nada mais do que reduzir o Homem à sua origem étnica,
eliminando a mais sublime das dimensões do ser humano; a possibilidade de,
independente da sua origem, etnia ou cultura, ser o que a sua consciência
determina. A patologia da identidade é um atentado à liberdade do Outro.
EAC//EAC
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Referência Bibliográfica:
* Gil, José, Em Busca
da Identidade; O Desnorte, Relegio de água, Lisboa, 2009
NB: Escrito à luz do novo acordo ortográfico
Publicado em: http://www.fasdapsicanalise.com.br/quando-patologia-e-identidade/
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