Um breve resumo de "Das
Independências às Liberdades", de Severino Ngoenha
Introito:
Das Independências às
Liberdades é uma obra do filósofo moçambicano Severino Elias Ngoenha. Num
contexto em que urge a necessidade de uma reflexão sobre os conceitos Liberdade
e Independência no panorama do pensamento africano, Severino Ngoenha discute a
liberdade como a base da historicidade dos africanos, assinalando-a, também,
como característica humana por excelência. O autor pretende, ao mesmo tempo, debater
a questão do futuro nas sociedades africanas, num contexto em que os próprios
africanos são chamados a ser mestres dos seus destinos,responsáveis pela
construção de um futuro diferente. O autor enaltece o papel da filosofia num
contextoincipiente como o das nações africanas, marcado ainda pela dependência
ideológica e, sobretudo, económica.
Palavras-chave: Filosofia, Etnofilosofia, futuro,
africano e utopia
O pensamento de
Severino Elias Ngoenha enquadra-se, sem dúvida, no contexto em que o autor está
inserido. Como a tradição filosófica hegeliana manda, Ngoenha é “filho do seu
tempo” e, por tal, procurara discutir e, sobretudo, problematizar a sua
realidade (Moçambicana, africana no geral), partindo de um contexto histórico
marcado por um passado de colonização dos africanos.
Ciente da sua missão
enquanto filósofo, logo na introdução, Ngoenhapostula a ideia de que cada
sociedade tem a missão de definir seus objetivos, ambicionando legar à
humanidade asua contribuição histórica no universo da existência humana.
“ À nossa geração
incumbe a árdua tarefa de participar na elaboração de um futuro diferente do
presente, que nos é dado viver e observar. Desde a meio século que vivemos o
escândalo da fome, da ignorância, da mortalidade infantil da má nutrição de um
nível de vida que não para de degradar” (NGOENHA, 2014:05)
No contexto do
desenvolvimento científico, várias teorias, de certa forma etnocêntricas, são
desenvolvidas para legitimar a subjugação do negro, reafirmando sua posição
inferior em relação ao branco.
Ao analisar o primeiro
meio século das independências dos países africanos, que começam, na sua
maioria, na década 60, Ngoenha confronta-se com o problema da condição pouco
evoluída da atualidade
É que, segundo Ngoenha
(2014), os países africanos optaram por variados modelos para o desenvolvimento
social e económico, entretanto, pouco funcionou e, na sua maioria, os níveis de
vida das sociedades que neles habitam ainda são muito baixos.
1.Reformulação
dos Projetos Africanos; Otimismo no Futuro
Num outro
desenvolvimento, Ngoenha interrogar-se sobra a causa dos“insucesso” dos
projetos africanos, levantando a questão: serão estes 50 anos um tempo perdido?
Na esteira desta ideia,
o autor propõem uma rápida e urgente reformulação da nossa direção (enquanto
moçambicanos, africanos no geral). Estendendo seu pensamento para o futuro, o
autor convida-nos a olhar para o amanhã, depositando nele um certo
optimismo.
Para Ngoenha (2014),
esta não é a primeira vez que o futuro torna-se o centro de debate. Mas,
certamente, a primeira vez que ele é suscetível de ser encarado de maneira
filosófica.
“De qualquer maneira,
nossa missão é o futuro. E para que ele melhor se realize cada um é chamado a
dar o melhor de si, no lugar onde se encontra” (NGOENHA, 2014: 06)
2.Eleição
como a Escolha de um Futuro
Ngoenha entende que a
reflexão sobre o futuro é demasiadamente complexa e nos chama a analisar
possibilidade, tendo em conta a ideia da escola como um elemento para a
introdução um código de ético e de cidadania, no processo da edificação da
moçambicanidade.
É impossível pensarmos
no futuro sem pensarmos nos projetos políticos que, a bom fim, regem a nossa
existência enquanto sociedade, constata o autor.
Ngoenha entende que o
momento da democracia é um momento de se confiar ao povo o poder, em termos
teóricos, de decidirem pelo tipo de projeto político que querem, destacando
também que a democracia é por excelência um problema do filosófico.
Para ao autor, quando
em outubro de 1994 realizam-se as primeiras eleições em Moçambique levantava-se
um aspeto importante, a questão da escolha adequada de um projeto político que
norteasse o país.
“Assim, devemos julgar
os partidos políticos em função dos projetos de sociedade que eles apresentam”
(NGOENHA, 2014: 07)
Para o autor, não escolhemos
os governantes pela beleza que têm, pela cor das bandeiras dos seus partidos,
mas, em princípio, por de trás de cada partido há ideias e propostas de um tipo
de sociedade na conjuntura que estamos a trilhar.
Ngoenha entendeque quando
damos o nosso voto a um partido significa que nós nos identificamos ou pensamos
que, entre os projetos políticos que se nos apresentam sob forma de partido,
aquele que escolhemos é o mais adequado para levar a, bom fim, as vontades do
povo.
Ao interrogar-se sobre
o valor das eleições de 1994 e, consequentemente, também sobre o valor de todos
outros processos eleitorais que viriam a ser acompanhados por grandes
transformações constitucionais em Moçambique, Ngoenha conclui que a crença num
futuro melhor constitui uma forma de encarar a dura realidade da existência.
Citando Ray Bradbury,
Ngoenha (2014) indica que ser capaz de fantasiar o futuro significa, em outros
termos, ser capaz de sobreviver. Segundo o autor, os nossos sonhos estimulam,
antecipam e favorecem a afirmação e o progresso da sociedade e é preciso e
necessário reinventar o futuro para salvaguardamos a ideia de o amanhã ser
diferente do passado.
“O Futuro é o conjunto
de projetos, de possíveis, de esperanças, de liberdade, porque temos de
escolher entre os diferentes possíveis ou criar outros”( NGOENHA, 2014:10)
Para o autor, a única
forma que existe para que se garanta uma evolução na nossa vida enquanto sociedade
e para que sejamos autores do nossa história, donos do nosso destino, é
continuarmos a debater a nossa história, evitando, portanto, que ela seja
apenas uma continuidade de um passado indesejado.
3.
A Utopia, uma outra Forma de Pensar o Futuro
Ngoenha entende que a
outra maneira de pensarmos o futuro é a utopia, que a considera-acapacidade de
antecipar conteúdos concretos que se realizarão no futuro mais ou menos
longínquo. É, de certa forma, uma fé racional, numa realidade não existente mas
potencial, que representa um bem para quem a sustenta.
“A utopia é, sem
dúvida, uma força fecunda da história, se for orientada e potenciada por uma
verdadeira consciência humana. Isto pode justificar uma visão do homo utopicuscomo profeta do futuro, edo
utopismo como uma corrente de pensamento que usa a esperança de maneira atenta
e libertadora”.(NGOENHA,2014: 165)
Para Ngoenha, a cidade
utópica,assim como observaram, Platão, T. More, por exemplo, só pode acolher a
fantasia política de um único utopista, porque só ele antevê a verdadeira forma
de Estado e só ele encontrou a solução.
Assim sendo, acidade
utópica é, na perspectiva de Ngoenha, o sonho de um só homem e seus habitantes
carecem de uma dimensão histórica. Neste ponto, se pode avançar, encontramos
uma certa debilidade da utopia. A mesma torna a história uma história sem nomes.
Ngoenha observa que os
líderes nacionalistas africanos que lutavam pelas independências foram homens
que tiveram sonhos ilustres e, sobretudo, tiveram a coragem de lutar para
transformar os próprios sonhos em realidade.
Entretanto, após
alcançadas as independências e no delírio de alcançar os seus sonhos,
transformaram muitas vezes os próprios povos em instrumentos de realização das
suas utopias.
E como na cidade
utópica não se admite um segundo sonho, todos aqueles que ousarem sonhar
diferente, pôr em dúvida a utopia dos dirigentes, foram vítimas da “ortodoxia
utópica” dos primeiros, as revoluções tornaram-se opressões e os libertadores
em opressores.
Não obstante, Ngoenha destaca nossa
responsabilidade como responsáveis da nossa história, fazedores do factos, pelo
que responsáveis pelos contornos da nossa vida enquanto seres sociais.
“ A filosofia torna
possível a vida do homem, porque lhe permite imaginar, projetar o futuro e
enfrentá-lo. O pensamento, a filosofia, torna possível o amanhã. Mas, ao mesmo
tempo, interroga-se sobre o tipo de amanhã”( NGOENHA, 2014: 11)
O
autor observa que a filosofia africana, por excelência, teve sempre esta
preocupação com o futuro, tanto que muitas, segundo ele, das literaturas filosóficas
africanas têm como denominador comum essa questão.
Aliás, mesmo as perspetivas
críticas sobre a etnofilosofia de Towa e de Hountondji parecem ver no futuro a
solução para superação desse conceito que, de certa forma, é pejorativo.
Referências
Bibliográfica:
NGOENHA, Severino. Das Independência às
Liberdades, [S/E]. Maputo:Paulinas,2014