As
Influências Literária de Raul Seixas, no
Krig-ha, Bandolo!,
Franz Kafka, um dos maiores símbolos do realismo mágico
senão o maior, nas primeiras décadas do século passado, imaginou um homem
“escravizado” pela sua família e, posteriormente, metamorfoseado em insecto
monstruoso e repugnante. Provavelmente, essa foi uma das formas que o autor viu
para criticar a sua sociedade e dar palavra ao ódio que tinha pelo pai. Por seu
turno, Raul Seixas, aquele monstro do rock brasileiro, na década 70, não queria
ser outra coisa senão uma mosca a pousar em uma sopa ou a perturbar sonos.
Seixas, igualmente, transformado em insecto, tal como a personagem de Kafka,
criticava a ditadura militar que se instalara no Brasil. Aqui temos uma
semelhança: ambos autores recorrem à metamorfose para criticar o sistema. Daí
que, ao se escutar o álbum, Krig-ha,
Bandolo!, lançado em 1973, nota-se uma espécie de alusão à Metamorfose de
Kafka.
Aliás, é no álbum, Krig-ha,
Bandolo!, que Seixas afirma ser uma mosca, para logo, em seguida, cantar
“prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada
sobre tudo”. Com a “Metamorfose”, certamente, o cantor quer significar que as
pessoas mudam de opiniões, dado que não são estáticas e “podem dizer o oposto
de o que disseram antes”. Nesse tema, o músico, através duma linguagem pouco metafórica,
critica opiniões dogmáticas e intocáveis. Vejamos, depois de se ter
transformado em mosca abusiva, Seixas canta que prefere ser a própria
metamorfose – observando-se, de forma implícita, mais uma vez, menção a Kafka. Presumivelmente,
e tendo-se em conta o apego excessivo do músico pela literatura, tenha lido
Franz no processo de composição dessas músicas, com a ajuda do escritor Paulo
Coelho, outro conhecedor e fazedor de literatura.
O título do álbum, Krig-ha,
Bandolo!, já nos submete a uma
grande metáfora – pois, segundo Seixas, em várias entrevistas após o lançamento
do mesmo, tem que ver com o grito de
Tartzan – homem que assimilara comportamento animalesco (macaco). A partir
desse grito de Tartzan, pode-se chegar a ideia da metamorfose – “um homem
transformado em animal”. Ainda na esteira da metamorfose, Seixas afirmara ser
amante da obra de Kafka, bem como lera, incansavelmente, Metamorfosis, do clássico romano Públio Ovídio Naso – daí a relação
intrínseca entre essa obra musical e a literatura.
“Eu sou astrólogo/ vocês precisam de acreditar em mim/ e
conheço a história do princípio ao fim” – nessa faixa, o cantor revela-se
conhecedor da cultura popular, parodiando figuras como: Júlio César, Jimmy
Hendrix, Jesus Cristo e Al Capone. Na verdade, esse último nome é que vai
intitular essa sétima faixa do álbum. Como muitos chamaram-no, Seixas é um
“rockeiro” maníaco mas com muito conteúdo, dado que, de forma cómica, fala de
coisas profundas, tal como na “Ouro Tolo” em que afirma que o material não é
suficiente, falta sempre alguma coisa, que talvez seja inalcançável. “Eu devia
estar contente/ por ter conseguido tudo o que quis/ mas confesso abestalhado/
que estou decepcionado”- canta, o baiano.
“How Could I Know”, esta faixa
pode ser percebida como um hino dedicado a qualquer artífice, não obstante o facto de
Raulzinho estar a falar da sua luta pela música, sendo que alerta que “é
chegada a hora de se reformular, a partir do princípio, o jogo no qual estamos
metidos, pois Jesus Cristo criou suas regras e não mais voltará”. Que tipo de
conversa se pode ter entre uma pessoa calada e uma outra com medo de falar?
Esta é a questão que surge ao se escutar “Hora do Trem”, peça com apenas um
minuto e cinquenta segundos, mas rica de significados - cabe ao ouvinte
atribuí-la algum sentido.
O romantismo neste álbum, faz-se sentir na faixa “Cachorro Urubu” em que o sujeito poético, que se auto-denomina
índio sioux, lamenta o facto de o seu relacionamento afectivo ter findado antes
mesmo de começar. Em seguida, sejamos bem-vindos à abstracção - isso na faixa intitulada
“Dentadura Postiça”. Aqui, o músico parece ser comandado por uma ambivalência
que grita “vai cair/ vai subir” – não é claro o que o autor quer significar –
talvez resida aí a essência da sua poesia.
“Veja quanto livro na estante Dom Quixote, o cavaleiro andante/ luta a vida
inteira contra o rei” – mais uma razão para que Krig-ha, Bandolo! seja conotado
como uma obra com influências literárias e, neste caso, Seixas seria o tal cavaleiro
andante lutando contra a ditadura militar: nas “Minas do Rei Salomão”. Para encerrar,
segue-se o positivismo misturado com auto-estima na faixa “Rochixie”, sendo que
Seixas afirma que “o que eu quero/ eu vou conseguir (…) aprendi que sou mais
forte que você”. Na verdade, o álbum inicia com uma gravação sem qualidade com
o título “Good Rockin’Tonight”, onde o baiano canta “we’re gonna rock, rock and
rock”. Então, ao escutares o álbum, não te esqueças, just rock.
Autor: Alberto Massango
Autor: Alberto Massango
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