segunda-feira, 27 de março de 2017

Livre: Marina

Marina

                                                                                               Por :Cowen da Conceição 


Iniciei cedo a caçada, como um homem faminto de liberdade. Nunca me prendi aos relacionamentos, fui um “galanteador” hábil e que tão cedo tirou de si o que apelidou de deficiência, a virgindade. Foi com a Anabela, que só tinha de Ana e nada de bela.

Por curiosidade me senti Homem e satisfiz a vontade. Quando dei por mim era um “caçador”. Fiquei com a Júlia, boa de cama, bem magrela e com um corpo escultural que me entontecia de prazer e fazia-me suspirar alegremente. Porém, como de costume, me cansei dela.

Depois dela fiquei com mais Júlias, tantas outras Anabelas e também algumas Cacildas e assim, nesse ar de curtição, levei a vida. Provei de tudo um pouco, até as coisas inebriantes. Fui capaz das piores atrocidades só para alimentar minhas futilidades. Troquei mais de mulheres do que escova de dentes em um ano e quis mais. Então voltei para o manancial em pensamento e vi que realmente iniciei cedo a devastação que perdi a conta de quantos corpos toquei, quantos corações machuquei. Chego a pensar se fui insano.

Enfim, continuei agindo como se eu fosse imune a tudo e a todos, até que, num dia ensolarado, conheci Marina, miúda de um nome com algo que me fascina, o mar com o seu ensejo que me intriga. Marina era uma doce e meiga miúda, ingénua e inocente. Ela, sim, foi a minha mais excitante conquista engatada pelo meu lascivo ar arrogante revestido de bom moço.

Fui na mansidão, afinal esta era mesmo especial, minha donzela. Com ela tive mais trabalho e mesmo assim não desanimei muito. Pelo contrário, encarei tudo como um desafio, que nem mesmo quando pensei que jamais conseguiria o tão querido fruto prossegui na maior frieza e fui muito bem calculista.

Eu queria uma transa como nunca, então, ressuscitei em mim todo tipo de palavras de carinho. Na verdade, só mentiras, palavras baratas. Menti como ninguém para explorar aquele casto corpo. Algo de que sinceramente não me orgulho e num belo dia a convenci finalmente. Quebrei suas crenças de um amor puro “casamento com virgindade“. Sem dúvidas esta foi a que mais sofreu comparativamente com as outras. Só não sei porquê não parei, porquê fui tão cruel.

Foi tudo bem arquitectado. Cuidadosamente, a maçã passou de verde para maturada e suculenta. Quanto mais perto da Marina eu ficava, mais distante me sentia e me cansei mais rápido e fugi dela.
Ela me procurava e eu inventava inúmeras desculpas. Estava mais é me divertindo como sempre e como nunca. No fundo, tudo isto que eu fazia, só me fazia sentir-se infeliz. Principalmente quando lembrava que Marina pensava que estávamos a namorar. Então resolvi abrir o jogo para ela e ali vi no seu olhar a desilusão que eu plantei. Foi uma grande catástrofe, uma enxurrada inexprimível de sentimentos. Com certeza ela sentiu e, mesmo assi, virei e fui embora.~

Continuei assim incansavelmente, provando até do proibido com um gosto ardente. Se calhar até pode ser um comportamento doentio este desencadeado por mim, mas estou levando a vida como posso e o ganho nisto tudo é experimentar o novo.


Não sou o único, nem o primeiro e, muito menos, o último. O que difere a mim dos outros é que eu conto aqui a minha história sem vanglória. Fiz-me vagabundo  e bem lá no fundo só caiu na minha lábia quem quis. Talvez devesse arrepender-me e buscar perdão, mas pau que nasce torto assim permanece.

Crónica:Nada Muda

Nada Muda
           Por:Lino A. Guirrungo
“A chuva é uma bênção de Deus”. Aqueles que creem assim nos lembram quando se apercebem que um evento pode ser prejudicado por essa faceta da natureza. Esperava que não chovesse naquele São Valentim. Só isso poderia tornar o meu dia ainda mais ruim.
No meu trabalho, como desde o primeiro dia que lá comecei, as actividades eram muito frustrantes. Com mais tempo de experiência de desemprego que de trabalho, mesmo com um inútil certificado de licenciatura, eu encontrara o “tão procurado emprego” na restauração. 

A minha formação havia me preparado para um mundo de produção científica que nunca chegaria de conhecer. Eu já estava resignado, precisava era de colocar comida na mesa urgentemente.
A rotina resumia-se a sorrir irrepreensivelmente e a ser agradável com os clientes, minha obrigação como servente. Isso até era fácil, nossos clientes não tinham culpa dos meus desaires. Aturar o meu patrão é que era um saco. O tipo falava cada asneira recheada de palavrões que só mesmo o seu salário miserável impedia-me de o esmurrar.
O clima de aparente cumplicidade entre os nossos casais clientes era indescritível. Alguns dos seus sorrisos eram sinceros outros tão mecânicos que se envergonhavam mesmo diante do meu sorriso profissional. Ouvi em algumas mesas declarações de amor em línguas diversas, aliás, em línguas que eu falava (Italiano, Changana e Francês). O amor era uma constante naquele dia e os lucros garantidos para o meu patrão. De repente, descobri-me a pensar na minha noiva Amália e na nossa relação.
Eu e a Amália também éramos tão falsamente cúmplices como os casais que atendia. Mas isso foi antes do abandono. Quando involuntariamente engravidei a minha noiva, os seus parentes decidiram abandoná-la na casa dos meus pais. Eles disseram que era a minha obrigação não só assumir o filho mas também noivar com a miúda. Mentira. Queriam era, sim, se livrar do fardo económico que a filha representava. Depois de um aborto espontâneo, Amália não regressou à casa dos seus pais. E isso foi há um ano...
Recordei-me do último São Valentim que tivemos juntos. Fomos jantar juntos num desses restaurantes luxuosos da cidade. A melhor amiga dela frequentava os tais restaurantes com os seus incontáveis namorados, pelo que a recomendou a ir comigo.
Eu estava furioso porque considerava o São Valentim um dia sobrestimado. Depois de meses e meses sem nenhuma demonstração de amor, ela me atirou um “eu te amo” e ainda pagou a conta sozinha. Isso me comoveria em tempos, mas eu sabia que não nos amávamos e, pior que isso, sabia como ela havia arranjado o dinheiro da conta.
Dois meses antes daquele estúpido jantar, eu descobri que ela transava com um trintão bem-sucedido. Na época fui consolado pelas palavras d'O Sétimo Juramento, dizia lá a autora que “ser traído amanhã, é viver mais um dia de ilusão. É melhor que a traição seja hoje para que a lealdade seja amanhã.” Confrontei a miúda, na esperança de garantir um amanhã de lealdade que nunca chegou de acontecer. Levei muito tempo a perceber o idealismo da frase.
Nossas irmãs são muito incompetentes no quesito da fidelidade. Enquanto eu trabalhava para o meu ignóbil patrão, nos turnos que ele bem entendia, minha noiva imitava a melhor amiga nas transas por troca de bens.
No entanto, eu entendia a minha noiva. Nunca a amei no verdadeiro sentido. Passei a maioria da minha vida esperando amar uma mulher ideal, como uma dessas personagens de filmes de comédia romântica de Hollywood, ignorando que um tipo muito magro e pobre que sou também não é o protótipo das garotas. Depois de uns tempos de sexo passageiro comigo, ela foi arrastada ao acaso para o lar dos meus pais, que sempre brigavam sem razões aparentes, ainda assim melhor que o da sua casa.
Amália sempre me aturou, desde os tempos em que eu ainda tinha manias de "intelectualizinho" de esquerda no desemprego, até hoje que sou um jovem sem nada de esquerdismo, vazio e pessimista. Seria de muita ingenuidade esperar que ela fosse fiel a um tipo como eu. A verdade é que ela era uma volátil sem opções além de mim, enquanto eu era um romântico solitário precisando de sexo. Nem me arriscaria a buscar uma outra garota, até porque como diz o ditado: “mais moída ou menos moída, é tudo farinha do mesmo saco”.
Quando retornei da transe da minha relação, ouvi o meu patrão gritando comigo sem parar. Por muito descuido, quebrei um prato com refeições. A regra da casa era clara, o prejuízo seria descontado do meu parco salário. E daí? Nada muda, nem no São Valentim tão lucrativo! Minha vida continuava miserável. Nem me dei ao trabalho de me desculpar, esperava apenas da minha hora de saída.
Já sabia bem o que faria naquela noite. Se a noite não fosse “abençoada” com a chuva, iria fumar, beber um pouco e depois procurar, no seu território, as praticantes da profissão mais antiga do mundo. Mesmo ainda sendo minha noiva, Amália provavelmente estaria num jantar com o maldito trintão. Assim por bem eu expectava, seria horrível encontrá-la onde iria mais tarde.



quinta-feira, 16 de março de 2017

Música: Capicua (2012): a invasão de uma “Comandante da Guerrilha Cor-de-rosa”


Capicua (2012): a invasão  de uma  “Comandante da Guerrilha Cor-de-rosa”

Por: Telcínia dos Santos e Estêvão Azarias Chavisso

O grito da mulher no "Hip-Hop" feito na lusofonia está cada vez mais alto. Um pouco por todo lado, entre os países falantes da língua de Camões, é comum uma voz feminina captar a atenção dos amantes deste estilo, contrariando a arcaica opinião de quem sempre viu o rap como um estilo masculino.

M7, Pamelloza Carvalho, Ivete, Odisseia das Flores, Issa Paz, Kmila Cdd, Marita Venus (aposentada), Fat Lara (falecida), Dory De Oliveira são alguns exemplos de nomes da “velha” e “nova” geração que têm merecido respeito entre os nossos países, numa presença que, pelo menos na lusofonia, tem deixado evidente a necessidade de uma estratégia conjunta para a expansão e internacionalização do rap feito em português.
 
Entre as vozes femininas da música rap da lusofonia, se é que assim se pode pensar, seria impossível não fazer menção a rapper portuguesa Capicua (Ana Matos), uma das mais notáveis vozes do rap nos últimos anos em Portugal.

A “Comandante da Guerrilha Cor-de-rosa” ou simplesmente a Abelha Rainha do Hip-Hop “Tuga” “tomou” a liderança da “frente feminina” em 2012, com a edição do seu primeiro álbum (homónimo).

Sutil, astuta e vibrante, em 14 faixas, Capicua ensaiou, no álbum, a sua própria marca, chancelada por produtores respeitados tanto em Portugal bem como na lusofonia, entre os quais destacam-se Sam The Kid, Makoto Yagyu e Pedro Geraldes.

O toque poético, porém, por vezes, pouco expressivo estava lá e dava início a um processo de consolidação que culminou com a criação de um “flow” próprio, que hoje, anos depois, está visivelmente mais sólido, como é notório no álbum “Medusa”, de 2015.
   
Apesar de existir quem observe influências de Valete e Sam The Kid, em “Capicua”, a Comandante da Guerrilha Cor-de-rosa esbanja originalidade e unicidade, abstendo-se, ate certo ponto, da construção convencional que carateriza notáveis álbuns do rap lusófono, com temáticas que tabelam quase sempre entre política, sexo e amor.

A Abelha Rainha do Hip-Hop “Tuga” vai um pouco mais longe neste álbum, numa viagem livre sobre melodias leves e que casam perfeitamente com a audaz simplicidade de um esquema rimático simpático – mesmo à cor-de-rosa.

Há aqui um toque de modernidade e inovação num estilo caracterizado por rimas abstratas, que exigem de quem ouve uma atenção especial para decifrar suas mensagens de teor profundo e, por vezes, rústico.

É um álbum de muitas facetas (cor-de-rosa,  autobiográfico e cheio de narrações inusitadas) e nisso nota-se a capacidade da “menina”  do Porto de ser volátil,  encaixando, no entanto,  nos temas, até certo ponto, incomuns.

Talvez, por consequência da sua formação (Sociologia), reflexões em torno de alguns dramas sociais  mereceram maior evidência e exposição. A prova disso está na emoção que a rapper deposita em temas como “Terapia de grupo”, “Medo do medo” e “Heróis”. Mas, ao mesmo tempo, a Maria Capaz do rap tuga dá espaço às fantasias de uma mulher igual a tantas, ao pedir, na faixa 12, uma simples “Casa no Campo”.   

A construção estética do álbum editado pela Optimos Discos revela uma mulher sem tabus e que almeja quebrar os estereótipos do género no hip-hop. “Luas”, “A Última” e, obviamente, “Maria Capaz” são faixas que expõem esta pretensão, que, em nossa opinião, esconde um dos seus maiores trunfos: ser um símbolo e a inspiração para um género por muito tempo ostracizado no Hip-Hop (a mulher).


Boa escuta :

https://www.youtube.com/watch?v=p0rvPVDnZD4&spfreload=10

terça-feira, 14 de março de 2017

Crónica:Banho de Realidade
                                                        
                                                                   Autor:Lino A. Guirrungo

Acordo de madrugada em sobressalto diante do som alto asfixiante e ensurdecedor. Quando dormi, ainda estava animado com os copos e fumos que havia provado antes de deitar. Ainda sonolento, sinto que me dói algo mais importante além da cabeça. Agora já é impossível continuar a ouvir “Whatever People Say I Am, That's What I'm Not” dos Arctic Monkeys.
Estava claro que o agito havia se esgotado, pelo que desliguei o som quando já soava provavelmente “Riot Van” ou “Mardy Bum”, músicas com um ritmo mais leve (em consonância com o meu atual estado de espírito). Talvez eu devia colocar um outro álbum. Enquanto vou magicando sobre um novo álbum por ouvir, relembro a noite de ontem antes de chegar em casa.

No mesmo dia em que se recordam trivialidades históricas, como a demissão de Otto von Bismarck da Chancelaria da Alemanha; a independência de Paris em relação à Assembleia Constituinte em Versalhes; ou o sentenciação de Mahatma Gandhi na Índia a seis anos de prisão por desobediência civil, a minha ex-namorada comemora o seu aniversário. O convite à festa também a mim chegou. Talvez por orgulho ferido fui ao convívio, mas a dor dilacerante que agora sinto é um vestígio do meu arrependimento.
Quando lá cheguei ecoavam aqueles ritmos moçambicanos que obrigatoriamente nos fazem levantar para dançar, queimar calorias e esquecer o nosso quotidiano sedentário. Ou, para aqueles que não sabiam dançar, contemplar com ligeira inveja as curvas dos corpos tão talentosos na dança. Era de muita crueldade ou estoicismo sentar-se perante aqueles ritmos.
Foi no meio de um “pandza” bem animado que a vi, pela primeira vez, na festa. Não poderia ter havido momento melhor. Minha ex-namorada veio dançar comigo e continuava tão bela e ágil como nos nossos tempos de namorados.
Nascer no inferno não é uma escolha, mas todos somos incumbidos de o transformar num pequeno paraíso. Não consegui me conter diante de tanta exuberância e encanto. Parecia que os quatro meses após o término do nosso laço nunca tivessem acontecido.
Esqueci o inferno interessante de sexo desapegado com parceiras ocasionais e reencontrei o pequeno paraíso de contemplar olhos de um castanho muito vivo. Senti-me como Lázaro desfrutando das suas recompensas paradisíacas. Infelizmente as minhas recompensas não foram eternas.
Fomos interrompidos por um cara quase trintão e, certamente, o único usando um fato na festa. Parecia um daqueles tipos armados em sérios e responsáveis mesmo em ambientes tão descontraídos como aquele. Não entendi a ousadia do homem, até perceber uma ligeira cumplicidade e um beijo rápido entre os dois no meio da dança. Era claramente o novo namorado dela.
Lembrar a humilhação de ver a minha ex-namorada beijando o outro me traz à mente “Party Song”, uma faixa do álbum “Dear” de Keaton Henson. De seguida, decido escutar o álbum. Quem me dera se tivesse escutado aquela faixa antes da cerimónia. Jamais teria ido àquele evento e evitaria o resto. Ao ritmo calmo de “Oliver Dalston Browning”, “Nests” e o restante do álbum, volto a pensar na festa.
Quando tive a minha oportunidade de tirar tudo a limpo, parece que me esqueci do beijo dela com o outro. Eu confessei que ainda a amava e estava completamente espantado como ela havia esquecido o nosso laço de quatro anos em tão pouco tempo. Que o amor é complicado, isso é um clichê já velho. Agora me espanta recordar que ainda revelei sentir-me frustrado com outras garotas, mesmo com tantas descobertas que elas me ofereciam.
“Queres consolo ou queres um banho de realidade?”, perguntou-me ela com compaixão. “Realidade sempre”, respondi. Ela riu-se como com quem adivinhasse a minha reação e tivesse se preparado por um longo período para aquele momento.
Nós éramos muitos diferentes. Ela era uma pessoa bastante confiante de si própria e eu desconfiado de todo mundo, inclusive de mim próprio. Enquanto ela era animada e otimista, eu perdia-me em reflexões, leituras e músicas melancólicas (ansiando por uma pseudoliberdade).
Ela lembrou-me que quando começamos a namorar quase nada tínhamos em comum. Exceção de duas coisas: ambos gostávamos de sexo (aqui ela disse que eu trepava bem, talvez para aumentar a minha autoestima) e, estranhamente, gostávamos da mesma música. Não era do tipo a “música favorita” de ambos, mas era um ponto de união para pessoas de mundos culturalmente tão diferentes. Dançávamos e transavamos ao som da nossa música em comum, “Sexy Girl”, de Zico e Dj Ardiles. No final das contas, como ela afiançou, conseguimos nos amar e conviver.
“Amar e ser amado é tão doce quanto a água de coco”, assim começou a conclusão do seu discurso. “No entanto, não é preciso que o amor seja eterno para que seja verdadeiro. Ele tem o seu tempo de vida. Morre também à luz de algumas circunstâncias. Portanto, tu também vais me esquecer quando chegar a hora.” Achei-me em prantos depois de ouvir isso e, sorrateiramente, fugi até a minha casa.
Às vezes a vida nos mostra o seu dedo do meio quando nos apercebemos que conquistar o longamente sonhado não é o garante da felicidade. Eu havia alcançado a vida com a derradeira “liberdade”, tão ansiada por mim desde que li “O Fim do Amor Romântico”, de um tal de Estêvão Chavisso. Depois do fim do meu namoro tinha que me agarrar à alguma ideologia. Mas agora acho que aquele autor devia ser um frustrado dissimulado.
Sinto-me miserável com esta vida que levo. Quem vive a vida de forma absurdamente rotineira, torna-se triste e enfadonho; enquanto aquele que vive a tempo inteiro avassaladoramente, é perigoso e insensato. O caminho era o meio-termo de Aristóteles, pelo menos, até eu encontrar uma nova ideologia. A óbvia conclusão me atirou novamente ao sono.


(Março, 2017)

sábado, 4 de março de 2017

Crónica: O AMOR TAMBÉM MORRE



AMOR TAMBÉM MORRE
Autor: Albert Massango

Quando um ciclo de bons momentos inicia esquecemo-nos que o mesmo finda, o entusiasmo torna-nos totalmente utópicos e, por vezes, esquecemo-nos do mundo concreto, bem como tornamo-nos senhores intocáveis e pensamos que alcançámos a felicidade, esquecendo que a mesma é impenetrável (ou seja, não somos felizes, apenas temos momentos de felicidade).  
       
Encontrava-me numa fase meio conturbada quando a conheci, andava sem a mínima intenção de lidar com pessoas novas, principalmente mulheres, entretanto, quando a vi não duvidei que ela fosse a menina das minhas utopias.

 A inspiração manifesta-se de diversas formas, através dum livro, música, filme e por aí em diante. No entanto, naquela manhã de Fevereiro, nos corredores daquela instituição de ensino, a minha inspiração residia nos passos daquela mulher, que logo de imediato a amei.

Não sou de dar voltas quando quero algo, mas, pela primeira vez, me sentia reduzido a nada e incapaz de expressar o que a minha boca enclausurava mesmo quando a vontade de falar fosse titânica. 

Costuma-se dizer que não importa o quão somos tagarelas ou audaciosos, na medida em que, diante da pessoa amada, somos incapazes de criar argumentos para expressar o que normalmente nos é fácil de dizer. Não sei se isso é bom ou mau, mas tenho certeza que diante dela a sensação era completamente diferente. 

Por um bom tempo fiquei a arquitectar um mecanismo de como aborda-la, olha-la e articular as palavras, que tinham por objectivo a conquistar.

O álbum de música, The Miseducation of Lauryn Hill, foi o primeiro trunfo que me veio a mente para que trocasse impressões com ela. Já nem me lembro como, mas soube que ela gostava da mana Hill e tinha como músicas preferidas, the Miseducation e Doo Wop. 

Logo constatei que aquela era a mulher certa para mim, pois poderíamos juntos, numa bela tarde deitados na cama, escutar Zion e Nothing Even Matters – afinal de contas também adoro a Lauryn. 

Assim sendo, tendo como recurso as músicas da Hill, surgiram as primeiras conversas entre nós e logo soube que ela adorava o mar de Mississípi e flores – achei-a mais interessante ainda, pois ela tinha tudo que ver com o meio ambiente.

Durante as nossas conversas, aos poucos, fui sentindo que um ciclo de bons momentos começava a surgir, ou seja, uma nova etapa de felicidade sorria para mim – uma mulher fazia-me sentir feliz.        
    
 Deixa-me ser sintético. Após algum tempo, não curto nem longo, começámos namorar e o meu amor por ela cresceu ainda mais e tive a certeza de que, com ela, teria momentos de felicidade (mas estava enganado).

Os gurus costumam afirmar que num relacionamento sem divergências, choros ou pequenos rompimentos não existe amor. No entanto, para mim, um verdadeiro amor não deve nunca se romper, pois o rompimento dita o fim dum ciclo de felicidade (e a mesma felicidade pode não ser mais recuperável). Ou seja, o amor também morre e, por vezes, não ressuscita mais.  Epah! Este é o nosso amor líquido. 


quinta-feira, 2 de março de 2017

Crónic:UMA CARTA AO MR. KAYA KWANGA



UMA CARTA AO MR. KAYA KWANGA
Autor: Sabino Chilengue


“Caro senhor,

Não foi uma decisão fácil te escrever esta carta. Escrevi-a porque o senhor precisa saber sobre o sucedido no “KayaKwaku”, no passado dia 16 de Dezembro, do ano findo. Já devia saber que propaganda falsa é crime. 

Sei que isso perde efeito num “país do deixa andar ou queixa andar”, na preferência de Mia Couto, (como o nosso, por isso, evidentemente não poupou esforços em o fazer).

O dia a que me refiro foi preparado com tanto fulgor pelas minhas colegas apelidadas de “comissão”, contudo, a primeira impressão que não escapou à nossa lógica, deixou claro que teríamos sido enganados pela propaganda falsa e criminosa que o senhor protagonizou.

 Depois de reunidos para a realização da festa dos funcionários, no final do ano, no KayaKwaku, momento que esgotou a nossa ansiedade, desde que se despertou a noção da chegada dos 366 dias. 

A propaganda falsa ficou patenteada quando uma voz dócil honestamente nos convidou ao buffet para, enfim, assassinar a fome que nos atormentava desde que o sol se tinha posto para nós. Todos salivavam por curiosidades na superfície do paladar, lembrando-me cãezinhos do fisiologista russo Pavlov em seu “Condicionamento Clássico”. 

Caríssimo, para colocar uma circunstância atenuante no teu bárbaro crime, quero confessar que tudo que compunha o buffet exalava um bom aroma – facto que arrobustou a nossa espectativa em saborear a comida. Mas, nem tudo foi mar de rosas, não me vou esquecer do buffet que tinha alojado o “SteakDiver” - uma carne mergulhadora que sequer provei pela expressão facial dos meus colegas quando abriram a tampa desse buffet.

 Ouvi rumores de que se tratava de carne de cabrito e me fartei de rir porque não sabia que os cabritos gostavam de nadar e que assim eram homenageados depois de mortos. A verdade é que poucos degustaram o teu SteakDiver, era preciso muita coragem para enfrentar a imensidão daquele mar. 

Falando do mar, um outro facto que corroborou com a nossa suspeita de que o senhor queria desbaratar o nosso dia é tocante ao grandíssimo peixe que a todos hipnotizou, o qual estava nos confins do lado esquerdo da tão comprida mesa que suportava o buffet. Igualmente senhor, não provei esse prato, os que o provaram esboçaram caras amaldiçoadas e afirmaram que o peixe estava “tocado” e obviamente incomestível. Não bastou o teu SteakDiver? 

Não tardou para que a minha colega fosse reclamar a um dos funcionários que circulava naquela sala, este tendo retirado o peixão e comunicado a um outro jovem sobre o qual não sei dizer se é teu filho, neto, sobrinho ou algo parecido. Sei dizer apenas que o jovem é alto e aproximou-se à minha colega com cara de poucos amigos, amarrotada e amedrontadora procurando saber o que se passava com o peixe. Coitada da minha colega, ficou intimidada e disse que se não existia nenhum problema com o peixe, que fosse devolvido para onde estava.

 Sei que está agora gargalhando com isso, é de facto lamentável, quando a passividade nos engole diante dos nossos direitos, alias, teu plano de aniquilar a nossa diversão e nos trazer o enfado estava se estabilizando com o teu capanga ali nos assustando.

Todavia, trago nos parágrafos a seguir, más notícias para si, quero acreditar que pensa em abdicar de ler esta carta. Meu senhor, nem com todos esses golpes baixos que nos tinham preparado podia nos tirar a alegria de festejarmos pelo mínimo descanso referente ao árduo trabalho que traçou os nossos dias durante aquele ano.

Como diz o filósofo Espinosa, a alegria é o aumento da potência de agir, é sair do estado de impotência para o de maior capacidade de agir, assim, foi esta potência que nos fez enfrentar os teus Planos Estratégicos e Sádicos de 2016 (PES – 2016), de acabar com tudo que tínhamos carinhosamente planificado. Para o teu conhecimento, comemos do bom e do melhor que tinha, dançámos, bebemos, rimo-nos e cavalgámos sob conversas excitantes e alegradoras sobre nossas vidas, trabalho e um pouco de tudo. 

Dissolvemo-nos das agruras que nos escoltaram no correr deste ano, provamos da nossa insanidade e, por fim, nos esquecemos dos nossos papéis profissionais. Não mais nos sentíamos como motoristas, assistentes, oficiais ou directores. Não mais nos lembrávamos dos Isuzu’s, D4D’s, procurments, líderes comunitários, lanches reforçados, Mpesas, apresentação por emails dos novos colegas, planeamento familiar, Wifi’s, discussões de dados e Timesheets. Tudo foi trocado pelo prazer de sabermos que vale a pena viver. 

Aumentámos a nossa potência e capacidade de agir, sem máscaras nem títulos de senhores doutores confundido com a nossa auto-estima. Pena que isso só acontece uma vez em cada ano. Fizemos dos nossos amigos ocultos parceiros visíveis e oferecemo-los presentes que expressavam os nossos sentimentos, emoções e preconceitos que tínhamos sobre os mesmos.

 Contemplámos indestrutíveis paisagens dos corpos curvilíneos das nossas colegas vestidas à escarlate, dançando psicoticamente as músicas que os DJ’s passavam. Senhor, fizemos tudo! Livramo-nos da Síndrome de Burnout. Esquecemo-nos compulsivamente da ética, ou seja, dos olhos sociais, fomos homens e mulheres no estado natural ante o condicionamento social, daí que explorámos ao máximo a nossa potência de agir e viver. 

Ali, criamos as nossas próprias regras, a nossa própria cultura – de sermos felizes com o que éramos e fazíamos. Enfim, transformámos o KayaKwaku em um universo infinito de emoções, prazeres e devaneios livres da consciência do certo e do errado, que possivelmente apequenaria a nossa capacidade e potência de convertermos os nossos pensamentos e sentimentos em acções.

Para terminar, meu caríssimo senhor, endereço os meus mais profundos cumprimentos a si e a toda sua equipa: aos ratos que circulavam por debaixo das nossas mesas e roíam restos de comida no jardim do KayaKwaku, aos gatos que se desentendiam amargamente à beira da sua piscina e a todos rastejantes que passeavam de fininho a sala em que estávamos. Só lamento porque nem todas as baratas receberão os meus cumprimentos dado que algumas foram impiedosamente mastigadas durante o buffet, mas saúda as que escaparam. Espero igualmente um convite seu para brindarmos a sua desilusão.

 Atenciosamente,
O teu assíduo cliente.”

Opinião: AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO

AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO Créditos : AS por:Lino A. Guirrungo (Jan, 2019) Eu nasci pouco depois que...