sexta-feira, 13 de junho de 2014

Publicado a 6 de Junho de 2014 pelo jornal lusófono Plataforma de Macau, da China.

fonte: http://www.plataformamacau.com/cultura/brasil-no-cinema-de-mocambique



BRASIL NO CINEMA DE MOÇAMBIQUE


                                                                                            por: Estêvão Azarias Chavisso, Maputo
                                                                         
Associado à criação do cinema moçambicano, e sob a influência de Ruy Guerra, o apoio brasileiro foi mais decisivo na produção do que na estética, segundo realizadores dos dois países.

Quase sempre que se fala no cinema moçambicano, faz-se uma ligação ao Brasil e à importância que os seus cineastas tiveram na implantação da sétima arte no período pós-independência do país africano. Ruy Guerra, o moçambicano que se tornou famoso a fazer cinema no Brasil, e, em sentido contrário, Licínio de Azevedo, Chico Carneiro e José Celso, cineastas brasileiros radicados ou que passaram por Maputo, são as grandes referências dessa relação.

A “pegada” brasileira no cinema moçambicano esteve apenas restringida aos modelos de produção e aos técnicos brasileiros do setor, defendem os realizadores Sol de Carvalho, moçambicano, e Licínio de Azevedo, brasileiro, entrevistados pelo Plataforma de Macau.

E os dois concordam igualmente no destaque que deve ser dado à importância de Ruy Guerra na formação e criação do primeiro Instituto Nacional de Cinema (INC) em Moçambique.

Após a independência, em 1975, o governo moçambicano entendeu que o cinema poderia ser um instrumento para difusão de políticas e ideias de reconstrução da nação moçambicana. As primeiras manifestações cinematográficas no país eram de carácter político e defendiam, principalmente, o ideal da unidade nacional moçambicana.

Licínio de Azevedo, realizador radicado em Moçambique desde a independência, fundador da Ébano, primeira produtora de cinema independente em Moçambique, recorda que a condição histórica em que o país se encontrava obrigava os cineastas a “engajarem-se” em prol da construção de uma imagem de Moçambique.

“Desde o seu começo, o cinema moçambicano teve uma ligação com a política. Levou muito para os cineastas se libertarem, a ideia e os temas eram indicados pelas autoridades. Aliás, até hoje, tudo que é criado em Moçambique está muito ligado ao lado institucional ou educativo”, diz o realizador, cujo último filme, “Virgem Margarida”, data de 2012.

O INC E OS DOCUMENTÁRIOS PIONEIROS

Na esteira deste projeto de difusão de ideias nacionalistas, Samora Machel, primeiro Presidente de Moçambique independente, criou o Instituto Nacional de Cinema (INC), para a interação entre cineastas moçambicanos, franceses, portugueses, cubanos e brasileiros. Este projeto, que viria a formar os principais realizadores do cinema moçambicano, deu início à história do cinema em Moçambique.

Para Azevedo, o documentário, opção política da época escolhida pelo INC, foi uma “galinha dos ovos de ouros”, e o país tornou-se na primeira nação africana a introduzi-los.

“Na época, décadas de 1970 e 1980, nenhum outro país africano fazia documentários. A história de Moçambique, em todo o processo de independência, teve muitos momentos bons, que viriam a ser retratados, de forma talentosa, pelos próprios documentários”, afirmou.

Azevedo defende que o documentário moçambicano passou a ser uma referência ao nível da África, tendo levado cineastas de países como Africa do Sul e Namíbia, recém-libertados do ‘apartheid’, a inspirarem-se na ideia moçambicana, em oposição aos filmes de ficção patrocinados por países como a França, que influenciavam o cinema africano na altura.

Neste processo de criação do INC, destaca-se Ruy Guerra, moçambicano nascido em 1931 em Lourenço Marques, 
atual Maputo, e radicado no Brasil. Após a independência, participou no nascimento do cinema moçambicano, recrutando cineastas e colaboradores brasileiros para Moçambique e montando o INC, sob a ideia de ser possível fazer filmes com poucos recursos.

“Eu apreendi a fazer filmes vendo o Ruy fazer. Ele mostrou que era possível fazer cinema de uma forma bem simples e barata, com poucos meios e utilizando a realidade”, afirmou Licínio.

 A mesma ideia foi partilhada por Sol de Carvalho, autor da curta-metragem “O Búzio”, de 2009.

“Em minha opinião, não houve uma influência estética do Ruy no cinema moçambicano. Na verdade, a influência do Ruy esteve exatamente na produção. Ele traz um grupo grande de brasileiros para ajudar a organizar o sistema de produção de Moçambique. Daquilo que podemos chamar os modelos de produção, há uma influência do Ruy, mas não é uma influência brasileira, é de alguns cineastas brasileiros que foram liderados por ele”, defende o realizador.

Alguns desses realizadores e técnicos acabaram por ficar em solo moçambicano, destacando-se no processo da criação da identidade da cinematografia moçambicana, como Labi Mendonça e Chico Carneiro entre outros.
Mesmo assim, Licínio de Azevedo insiste que nas relações de cinema entre Moçambique e o Brasil, a influência, se existiu, foi “ao contrário”.

“Naquela época viam-se aqui filmes de todo mundo, desde o cinema russo, ao da RDA, Cuba, Portugal e, também, do próprio Brasil.

Na verdade, a grande influência do cinema brasileiro no cinema moçambicano, por incrível que pareça, foi uma influência moçambicana. Foi a influência do Ruy Guerra, que era moçambicano.

Ele ajudou a pensar o INC, trouxe vários colaboradores brasileiros e essas pessoas, individualmente, como técnicos, tiveram uma importância fundamental na formação dos cineastas moçambicanos, no entanto, eles não trouxeram o cinema brasileiro”, reiterou.

O “NACIONALISMO POSITIVO” DO KUXA KANEMA

Segundo Sol de Carvalho, diretor da premiada longa-metragem “Impunidades Criminosas” (2013) e fundador da produtora de cinema Promarte, a vinda de um grupo de cineastas brasileiros não significou a “translação” do cinema brasileiro para o território moçambicano.

E, para ele, o momento marcante foi o surgimento do Kuxa Kanema, um sistema de documentários que garantiam a produção nacional.

“Com Kuxa kanema, aí sim, há uma influência direta do cinema novo com o cinema moçambicano. Porque, no cinema novo, a ideia era não ficarmos sujeito a quaisquer empecilhos que são os sistemas de produção. Essa é a ideia do Ruy, com base nos recursos locais garantir esse lado nacionalista positivo. Depois disso, Ruy percebe que, por um lado, o modelo constitucional de cinema na altura não iria funcionar como desejava, por outro, aparece a televisão, o que marca uma nova maneira de tratar das coisas”, reiterou Carvalho.

E o cineasta considera mesmo que o cinema brasileiro já perdeu a influência que teve do ponto de vista direto da ligação dos meios de produção.

“Sendo país que fala a mesma língua com Moçambique, tem também a história de ter feito cinema com condições muito fracas como Maçambique. Portanto, a gente olha sempre para o Brasil como um ponto de referência. No entanto, numa análise mais profunda percebermos que não houve muita influência, afirmou.


PM/FIM

terça-feira, 10 de junho de 2014

Publicado a 16 de Maio de 2014 pelo jornal lusófono Plataforma de Macau, da China.

(http://www.plataformamacau.com/mocambique/esperanca-de-paz-na-encruzilhada-decisiva)

ESPERANÇA DE PAZ NA ENCRUZILHADA DECISIVA


                                                                                                        por: Estêvão Azarias Chavisso, Maputo


Um acordo de paz foi conseguido numa altura em que Moçambique se prepara para um segundo semestre decisivo, com eleições presidenciais e a definição de estratégias para a indústria mineira.

A esperança de uma paz prolongada domina os espíritos em Moçambique, um dos países mais pobres do mundo, mas com o potencial de quem detém riquezas incalculáveis. A contradição entre a miséria que existe e a fortuna “ao virar da esquina” surge em todos os retratos da nação e explica muito do conflito político e militar dos dois últimos dois anos. Depois de longas – por vezes exasperantes – negociações, o Governo e a Renamo, principal partido da oposição, voltaram a entender-se. Tudo indica que as armas agora se calem, às portas de um segundo semestre, com eleições presidenciais e a aprovação de um pacote legislativo crucial para regular os impostos na indústria mineira.

Moçambique elegerá em outubro um novo Presidente, provavelmente o candidato da Frelimo, partido no poder desde a independência, em 1975. Filipe Nyusi é favorito numa corrida que deverá contar com o veterano líder da Renamo, Afonso Dhlakama, que perdeu todas as anteriores eleições democráticas; e ainda com DavizSimango, jovem líder do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), pequeno partido da oposição que governa três das principais cidades do país: Beira, Nampula e Quelimane.

MUDANÇA DE ESTILO
O atual chefe de Estado, Armando Guebuza, não pode concorrer a um terceiro mandato, por imperativo constitucional, pelo que a maior expectativa reside numa provável mudança de estilo: do antigo combatente e principal empresário do país para o jovem Nyusi, criado no período pós-independência e formado no estrangeiro. Apesar de alguns analistas – como o britânico Joseph Henlon ou o moçambicano Carlos Castel-Branco – considerarem Nyusi uma “solução de continuidade”, a sua eleição poderá marcar o fim de um estilo businesslike e autoritário, associado aos últimos dez anos de governação Guebuza.

O veterano jornalista moçambicano Marcelo Mosse, por exemplo, considera que a ascensão de Nyusi “corresponde a uma recomposição do poder no seio da Frelimo”, onde dirigentes históricos como Joaquim Chissano e Alberto Chipande voltam a ter influência. Esta “recomposição” é importante numa altura em que o país se prepara para colher os primeiros grandes dividendos da mineração do carvão e da extração de gás natural, indústrias estratégicas mas em fase ainda incipiente. O potencial das exportações de carvão tem sido penalizado por infraestruturas obsoletas e pela destruição causada por diversos atentados atribuídos à Renamo. Se laborarem em pleno e escoarem o carvão até aos portos do Índico, as grandes mineiras internacionais em Tete poderão tirar os maiores benefícios de reservas estimadas em 20 mil milhões de toneladas. No médio prazo, estima-se que Moçambique poderá ultrapassar a África do Sul como maior produtor africano e carvão.

A TODO O GÁS
As reservas de gás estão estimadas em 180 triliões de pés cúbicos e até final do ano esperam-se importantes decisões sobre a dimensão, a propriedade e a localização de uma unidade de liquefação. O domínio da extração por parte de grandes multinacionais como a brasileira Vale, a norte-americana Anadarko ou a italiana ENI tem sido associado a exagerados favorecimentos fiscais. Um dos grandes debates em curso centra-se precisamente na oportunidade de reverter a situação através do novo pacote legislativo, que inclui a revisão da lei do Petróleo.
A proposta governamental continua contudo a gerar críticas, como as proferidas pelo professor da Universidade de Columbia (Estados Unidos), JenikRandon, que denuncia o papel simultâneo do Estado como empresário e regulador: “Isso coloca o Estado numa posição em que os seus interesses comerciais colidem com a sua função reguladora e protetora dos interesses nacionais”, sustenta. Outras vozes da sociedade civil denunciam a falta de um verdadeiro debate nacional sobre a matéria. Mas o facto é que a discussão teve lugar no Parlamento, com a participação do partido do Governo e das forças da oposição.

DÍVIDA CRESCENTE
O hemiciclo tem também debatido a crescente dívida pública, que totaliza 6,75 mil milhões de dólares – 29.6% do PIB – com investimentos polémicos como o da compra em França de uma frota de atuneiros (1.100 milhões) ou do empréstimo de 550 milhões, contraído ao EximBank (China) para a construção da Cidadela Parlamentar. A dívida voltou aos níveis da década de 1980, mas o ministro das Finanças, Manuel Chang, que acompanhou os dois últimos presidentes, considera-a “sustentável”.

Embora inédito, o dinamismo da economia não esconde os fortes constrangimentos que enfrenta quem quer investir, nomeadamente o ambiente de corrupção generalizada e a pesada máquina burocrática, que ainda inquinam o ambiente de negócios no país.

A proliferação de guindastes em Maputo – capital até agora adormecida – onde os cargueiros formam agora longas filas no porto, ou a abertura de estradas, de escolas e de centros de saúde, mesmo nos locais mais recônditos do país, mostram um país em franco crescimento e com um futuro que só pode ser prometedor. Mas esse quadro promissor não faz ainda esquecer a dura realidade de uma população predominantemente jovem e rural. É um fenómeno muitas vezes descrito como o “paradoxo” de um “país de sucesso”, com taxas de crescimento acima dos 7% e uma população geralmente desempregada, acossada por epidemias e desnutrição, com altas taxas de mortalidade e que vive com menos de um dólar por dia.

PM/FIM

Opinião: AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO

AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO Créditos : AS por:Lino A. Guirrungo (Jan, 2019) Eu nasci pouco depois que...