segunda-feira, 30 de maio de 2016

Shot-B, um “contador” de histórias urbanas nos murais de Maputo




 Temas: Artes, Cultura e Entretenimento, Pintura, Artes (geral), Sociedade, Crises
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Shot-B, um “contador” de histórias urbanas nos murais de Maputo


Por: Estêvão Azarias Chavisso (Texto) e António Silva ( fotos), da agência Lusa  


Maputo, 29 mai (Lusa) - Shot-B tem há 20 anos no grafiti uma arma para denunciar as "febres sociais" da periferia de Maputo, num exercício que, além da técnica e da concentração, exige "astúcia, coragem e alma de sonhador".

Shot-B, nome artístico de Bruno Mateus, 33 anos, é, para muitos, um símbolo da cultura urbana moçambicana, e que fez das garrafas de 'spray' uma arma para denunciar "as dores" e os mais profundos problemas das comunidades pobres da periferia da capital moçambicana.

"Eu pinto o que sinto", declara à Lusa o autor de peças que, além de denúncias, são verdadeiras obras de exaltação a cultura urbana e ao movimento 'hip-hop'.

A simplicidade do filho de um arquiteto "educado pelas ruas" esconde, na verdade, o talento e a magnitude do autor dos mais admirados grafitis que decoram as entradas das principais zonas periféricas da capital moçambicana.

Além da intensidade das cores, tristeza e alegria encontram, ao mesmo tempo, espaço no cunho artístico de Shot-B, aludindo à complexidade de uma arte que, mais do que talento, exige concentração.
 

"Eu tento transmitir as nossas febres socais das mais diversificadas formas", diz o artista, que já teve vários projetos internacionais, orgulhando-se de viver "simplesmente da arte", quando, à semelhança da música 'rap', o grafiti em Moçambique ainda é marginalizado e associado ao vandalismo.

A censura e a sabotagem são apontadas pelo artista como outros desafios, principalmente quando o país atravessa um período turbulento a nível político e económico.

Num momento em que a crise tende a agravar-se, com registo de confrontações militares entre as forças dominantes, Shot-B viu a sua principal peça, de temática política e num lugar de destaque da capital moçambicana, destruída por desconhecidos.

A peça estava patente num mural de cerca de 300 metros na avenida da União Africana e ilustrava uma jovem segurando um cartaz com a frase "por favor, paz", um clamor comum nos últimos tempos em Moçambique.

"Esta foi uma forma que eu encontrei para expressar a vontade de todos nós", refere Shot-B, observando que essa é a missão social da arte e lamentando a atual crise política e militar em que o país está mergulhado.

Uma parte da juventude da periferia da capital moçambicana tem na música 'rap' e no grafiti meios para escapar do crime e dos altos níveis de pobreza e, mesmo que de forma tímida, são frequentes iniciativas artísticas que juntam jovens 'rappers', 'b-boys', 'dj' e artistas de grafiti no mesmo espaço.

 
Na ambição de ajudar estes jovens "a sonhar", atualmente Shot-B também dá aulas de grafiti, um exercício que o artista descreve como sendo "de coração" e para manter a cultura viva. 







"Eu vivo de grafiti e é desta arte que eu consigo ter o pão para sustentar a minha família", conclui o artista, com uma lata de 'spray' na mão, pronto para, mais uma fez, transformar uma superfície branca numa obra para apreciar.



EYAC // EL

Lusa/Fim

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Opinião/Sociedade: Tanto Faz




Tanto Faz

Por: Estêvão Azarias Chavisso


Dizem que a “lusofonia” está “doente” e que as coisas estão feias para as pobres comunidades dos países da velha língua de Camões. “Impeachment, dívida e crise” viraram palavras comuns no vocabulário dos nossos países e, mais do que terminologias políticas, estes conceitos refletem as mais profundas causas do nosso desgaste e frustração.

Deitado na cama quente do meu quarto, nos confins de uma das mais perigosas periferias da capital moçambicana, leio que “Dilma caiu” e que agora Portugal anda no topo da lista de países europeus no que respeita ao acolhimento de refugiados. Parece- me tudo tão familiar.


Em Moçambique, uma tal de sociedade civil está indignada porque um velho “amante da pátria” contraiu avultadas dívidas ocultadas nas contas públicas e, agora, os “donos do dinheiro” suspenderam as suas doações, deixando o país com um futuro incerto. 

“São roubalheiras”, diz um influente política moçambicano. Eu não sei. Entretanto, o facto é que Moçambique é o país com a maior taxa de suicídio de todo continente africano. Acho que não faltam motivos para quem vive na periferia do oitavo país mais pobre do mundo.  
 
No ecrã do meu computador, as novidades não param de chegar e, agora, confortam-me perceber que os níveis de suicídio tendem a crescer até mesmo no país de Obama, a “terra das oportunidades”. 

Na verdade, este sistema sufoca-nos a todos, independentemente da nossa nacionalidade, religião ou condição financeira. 

Uma vez um filósofo disse-me que faltavam alternativas políticas na pós-modernidade, em alusão a um suposto triunfo do ultraliberalismo sobre outros sistemas de organização da vida social desde a queda do muro de Berlim (1989). Para mim, na realidade, falta mesmo vergonha na cara.

Falta coragem para assumirmos que a especialidade deste sistema é a produção de pessoas deprimidas, incapazes de decidir sobre as suas próprias vidas e, acima de tudo, presas a circunstâncias inesperadas. 

Na manhã da última segunda-feira, uma senhora de aparência afável trouxe-me um envelope misterioso, que condizia com o seu tom de sisudez e o seu salto alto. Lembrei-me imediatamente de Montesquieu. Realmente a sisudez é a “armadura dos parvos”.

Tratava-se da quinta nota de cobrança de uma dívida “hereditária” que não me lembro dos seus benefícios, mas, pelos vistos, é “gorda” o suficiente para roubar-me o sono, ameaçar-me a moradia e hipotecar-me um futuro já incerto. "Tanto faz", retorqui. 

Bebo mais um copo e, lembrando-me de Cícero, concluo que não há nada de tão absurdo que o hábito não torne aceitável.

Hoje, para mim, tudo é estranho e a vida adulta não é sinónimo de liberdade, como pensava quando  via, às escondidas, as mirabolantes cenas da “Xica da Silva” nas madrugadas dos finais da década noventa.



Nos dias que correm, sem a ambição de enfatizar as “teorias da conspiração”, estamos todos condenados a um sistema que, seguindo uma lógica absurda, aprisiona-te de dia e confere-te liberdade de noite. Essa é a lógica dos nossos dias.

Os sorrisos no `Facebook´ ou os “biquinhos” no `Whatsaap´, na verdade, é tudo a mesma coisa e o resultado da demência do acéfalo que tenta mascarar a condição miserável da fútil sociedade deprimida do século XXI.
  
O velho Fernando, um humilde mecânico do meu bairro, diz-me, em conversa, que não sabe o que é `Facebook´ nem tem noção dos seus benefícios. Entretanto, sentado de baixo da mafurreira do seu quintal sem vedação, garante que, no seu tempo, amor, honestidade e, sobretudo, amizade eram virtudes em abundância.

Escrito à Luz do Novo Acordo Ortográfico

terça-feira, 3 de maio de 2016

Democracia: Uma análise sobre a democracia pós-moderna, entre Norberto Bobbio e Giovanni Sartori



Uma análise sobre a democracia pós-moderna, entre Norberto Bobbio e  Giovanni  Sartori


1.Introdução

A reflexão sobre os sistemas políticos da pós-modernidade tem, nos últimos tempos, suscitado diversas interpretações e opiniões. Felizmente ou infelizmente, teoricamente, o ultraliberalismo triunfou sobre outros sistemas de organização da vida social, tirando-nos, de certa forma, a possibilidade de surgirem outras alternativas. Com a queda do muro de Berlim, em 1989, a democracia “ganhou” e foi assumida como o caminho ideal. Entretanto, anos depois, parece que existem promessas que o sistema não cumpriu e, do alto do seu ceticismo, há quem já anuncia um alegado fracasso da democracia representativa. 

A democracia pode ser entendida como forma de organização do governo na qual os cidadãos encontram espaços para manifestar suas opiniões sobre as questões de interesse de sua comunidade. O presente artigo pretende refletir sobre a democracia na perspetiva de Bobbio e Sartori, ambicionando definir o conceito na conceção dos dois autores, tendo em conta a época em que nos encontramos. Procuraremos trazer, também, a posição de Bobbio no que respeita ao futuro da democracia, analisando as diferenças existentes entre a democracia clássica, da Antiguidade (3000/3500 a.C – 476 d.C), e a democracia moderna, dos tempos atuais.

Palavras-chave: Democracia, Estado e Governo

2.Objectivos:

2.1 Objetivo Geral 

ü  Analisar a democracia em Norberto Bibbio e Giovanni Sartori.

2.2 Objetivos Específicos

ü  Definir o conceito democracia em Norberto Bibbio e Giovanni Sartori
ü  Indicar os tipos de democracia (direta e indireta)
ü  Apresentar as diferenças existentes entre democracia moderna e antiga

3.Conceito de Democracia

O conceito de democracia é de origem grega e foi cunhado, pela primeira vez na história da humanidade, há mais de 2400 anos. Na altura, o termo democracia designava o sistema político “do povo”, uma forma de organização social em que a soberania reside nas pessoas. Etimologicamente, o termo deriva do grego Demokrata , sendo Demo povo e Krata poder.

Embora tenha desaparecido durante muito tempo com ascensão de outros sistemas de organização social, perdurou no vocabulário político da história. Dentro desta longo período de tempo, a democracia foi adquirindo diversos significados, relativos aos vários contextos históricos.

Giovanni Sartori (1994) observa que, durante percurso normal da história, a democracia sofreu várias mudanças no que concerne a sua definição. “Quando usamos a mesma palavra, somos facilmente levados a acreditar que estamos nos referindo à mesma coisa, ou a algo parecido. No entanto, com respeito a "democracia", isso implica passar”. (SARTORI, 1994:35)

O autor expõe a ideia acima partindo do significado que o termo democracia tinha para própria sociedade grega. Sartori (1994) observa que a democracia antiga era concebida numa relação intrínseca e simbiótica com a polis. Este reflexão do autor remete-nos a constatar que, efetivamente, o termo democracia esta ligado ao seu contexto histórico e civilizacional.

Termo grego democracia designa, no sentido etimológico, o poder (kratos) do povo (demos). Demos significa “os cidadãos da polis, da pequena cidade-estado. Kratos significa forma de governo ou um dos modos de exercer o poder político. Democracia é, assim, no seu sentido literal, a forma através da qual o poder político é exercido pelo povo.

António Carlos Ribeiro, no seu artigo Democracia Participativa, define a democracia como a forma de organização do governo na qual os cidadãos encontram espaços para manifestar suas opiniões sobre as questões de interesse de sua comunidade.

A definição acima remete-nos a uma reflexão já generalizada do próprio conceito de democracia. De acordo com a definição Ribeiro, saímos, portanto, de um conceito fragmentado, referente somente a comunidade, para um conceito mais abrangente, referente a um Estado. 
Segundo Sartori, “ se os gregos tivessem concebido o Estado como nós, a noção de "Estado democrático" lhes teria parecido uma contradição em termos. O que caracterizava a democracia dos antigos era exatamente o facto de não ter um Estado”. (SARTORI, 1994:35)

Portanto, as democracias antigas, a segundo o autor, não nos podem ensinar coisa alguma sobre a construção de um Estado democrático, muito menos sobre a forma de conduzir um sistema democrático que compreenda muito mais que uma cidade pequena.

Para Norberto Bobbio, por sua vez, a democracia é sistema formado por um conjunto de regras. Na conceção de Bobbio, a regra da maioria é apenas um elemento utilizado para o cálculo dos votos em uma democracia real. Dada a impossibilidade de se instalar uma democracia direta nos Estados modernos, por conta da complexidade da sociedade, a representatividade do poder torna-se necessária.

Assim, Bobbio sustenta que os representantes eleitos não podem exercer mandatos imperativos, isto é, não podem estar vinculados a interesses particulares e constata que esta proibição é explicitamente violada, pois os representantes eleitos ficam vinculados aos interesses das agremiações partidárias às quais são filiados.

3.1 Diferença entre Democracias Modernas e Antigas

Para Sartori, entre as democracias antiga e moderna não é apenas de dimensões geográficas e demográficas exigindo soluções completamente diferentes mas também uma diferença de objetivos e valores. Os homens modernos, prossegue o autor, querem outra democracia, no sentido de que seu ideal de democracia não é, de forma alguma, o mesmo dos gregos.

“Seria estranho, de fato, se não fosse assim. Em mais de dois mil anos, a civilização moderna enriqueceu, modificou e articulou suas metas valorativas… Como poderíamos pensar que hoje, ao defender a democracia, estamos em busca dos mesmos objetivos e ideais dos gregos? Como
Poderíamos não entender que, para nós, a democracia encarna valores que os gregos não conheciam nem tinham como conhecer?” (SARTORI, 1994:36)

A democracia Direta da Grécia Antiga é impossível para a sociedade atual, não só por causa das condições geográficas, mas, sobretudo, porque não há mais espaço para um debate público e ardo como fazia-se na sociedade grega.

4. Democracia Direta e Indireta

A democracia direta é uma forma de organização na qual todos os cidadãos podem participar diretamente no processo de tomada de decisões. A antiguidade clássica, como já referimos, apresentava esse tipo de democracia. O exemplo mais marcante das primeiras democracias diretas é a de Atenas, onde o povo se reunia nas praças e ali tomava decisões políticas.

Na Grécia antiga, o povo era composto por pessoas com título de cidadão ateniense. Porém, mulheres, escravos e mestiços não tinham direito a esse título, exclusivo para homens que fossem filhos e netos de atenienses.


4.1 Democracia Indireta 

Democracia indireta ou representativa é o exercício do poder político pela população eleitora não diretamente, mas através de seus representantes, por si designados, com mandato para atuar em seu nome e por sua autoridade, isto é, legitimados pela soberania popular.

Pela impossibilidade da participação pessoal de todos que fazem parte de uma comunidade, por excederem as proporções da mesma, tanto geográficas como em número, é o ato de eleger um grupo ou pessoa que os representem e que se juntam normalmente em instituições chamadas Parlamento, Câmara, Congresso ou Assembleia. Usualmente, esse lugar de representante, de um povo ou uma população ou comunidade de um país ou nação, para agir, falar e decidir em “nome do povo”, é alcançado por votação.

Este tipo de democracia é característico da era moderna. O conceito moderno de Democracia política no Ocidente é este, a da Democracia representativa dominada pela forma de democracia eleitoral e plebiscitária, e na sua maioria é dirigida para aquela que chamamos Democracia liberal que dela faz parte. Embora, apesar de sua aceitação bastante generalizada desta última, sobretudo no pós-Guerra Fria, ser apenas uma das formas de representação balanceada de interesses, compreendida num conceito global de isonomia.

5.3 Democracia direta ou democracia da polis em Sartori

Para Sartori, dizer que a democracia antiga era a contrapartida da polis é dizer também que era uma “democracia direta. Atualmente, Todas as nossas democracias são indiretas, isto é, são democracias representativas onde somos governados por representantes, não por nós mesmos.

Segundo Sartori, “ É evidente que não devemos tomar a noção de democracia directa (e de auto governo) de forma muito literal e supor que, na cidade antiga, os dirigentes e os dirigidos eram idênticos”. (SARTORI, 1994:37)

Sartori (1994) observa que a confusão de todas as questões humanas, a democracia da Antiguidade era a maior aproximação possível de uma democracia literal onde os governantes e os governados estavam lado a lado e interagiam uns com os outros face a face. De acordo com o autor a democracia direta permite a participação contínua do povo no exercício direto do poder, ao passo que a democracia indireta consiste, em grande parte, num sistema de limitação e controle do poder.

5.4 Problema da Democracia Indireta Contemporânea 

Para Sartori, as democracias atuais existem os que governam e os que são governados; há o Estado, de um lado, e os cidadãos, do outro; há os que lidam com a política profissionalmente e os que se esquecem dela, exceto em raros intervalos. Este fenómeno, que é contrário as democracias antigas, torna menos profícuo do sistema democrático.

Segundo Luciano José Gonçalves Moreira (2010), em seu artigo Democracia Representativa: Problemas e alternativas no século XX, “ a falta de identificação do povo com os governantes, juntamente com a precária preparação – tanto do eleitorado quanto dos candidatos – para a participação política, provoca um desequilíbrio no ideal de funcionamento da política, pois, nem os representantes seguem o que fora estipulado, menos ainda, os representados sabem como funciona o jogo político, ficando assim descrentes.

6.Importância da Democracia num Estado De Direito

Importa primeiro, antes de mais, definir o que seja um Estado de Direito. Um Estado de Direito  é qualquer Estado que garante o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais, através do estabelecimento de uma protecção jurídica. Em um estado de direito, as próprias autoridades políticas estão sujeitas ao respeito das regras de direito.


6.1 O Governo das Leis e o Governo dos Homens em Bobbio

A ideia do Estado de Direito da maneira como hoje é conhecido, na visão de Bobbio, é em decorrência de um extenso processo da evolução da forma como as sociedades foram se organizando ao longo dos séculos, que já no século V a I a. C, Sócrates, Platão e Aristóteles já formulavam bases para a teoria do “Estado Ideal”, refletindo sobre a melhor forma de organização da sociedade para o atendimento do interesse comum.
Segundo Joaquim José Gomes Canotilho (2011), um Estado de Direito tem de estrutura-se num Estado de Direito democrático, isto é, como uma ordem do domínio legitimada pelo povo. A articulação do direito e do poder no estado constitucional significa que o poder do estado deve organizar-se exercer-se em termos democráticos.

Bobbio, por seu turno, entende que a introdução da democracia num Estado de Direito é a participação e envolvimento dos cidadãos no sistema político ou administrativo que abrange mecanismos de autogestão, ou gestão delegada nas associações de cidadãos por parte dos poderes públicos, a mecanismos de comunicação e de escuta recíproca entre governantes e governado

Mas esta ilação leva-nos as questões: “qual o melhor Governo, o das leis ou o dos homens?” As diferentes respostas a esta pergunta constituem um dos capítulos mais significativos e fascinantes da filosofia política. 

Para começar, para Bobbio, “é conveniente perceber que esta pergunta não deve ser confundida com aquela outra, não menos condicional, dedicada a saber qual é a melhor forma de governo. Desde a célebre disputa entre os três príncipes persas, narrada por Heródoto, para definir se é melhor forma de governo esteve sempre voltada para a contraposição respetivamente das virtudes e os defeitos da monarquia, da aristocracia e da democracia, e eventualmente para a superação do contrate entre elas através do delineamento de uma forma de governo” (BOBBIO:1984: 59).

Esta discussão assume como critério de avaliação e de escolha o número de governantes. Mas cada uma das três formas seu reverso uma forma má, a monarquia na tirania, a aristocracia na oligarquia, a democracia na oclocracia ou governo de ralé. Isto implica que para formular um juízo sobre melhor forma de governar é preciso que se leve em conta não só quais e quantos são os governantes, mas também seu modo de governar.

A alternativa “governo das leis ou governo dos homens?”, para o autor, diz respeito a este segundo problema. Não à forma de governo mas ao modo de governar. Em outras palavras, introduz um diferente tema de discussão e procede sob a insígnia de uma outra distinção: aquela entre bom e mau governa. Pode ser de facto formulada do seguinte modo: “Bom governo é aquele em que os governantes são bons porque governam respeitando as leis ou aquele em que existe boas leis porque os governares são sábios?” 

O principal argumento em favor da tese contrária à superioridade o governo dos homens sobre o governo das leis aparece na crítica que, nesta passagem, Aristóteles lança aos defensores do poder régio. A crítica é claramente dirigida à tese sustentada por Platão no Político. Este diálogo platónico propõe-se a estabelecer a natureza da “ciência régia”, ou seja, daquela forma de saber cientifica permite, a quem a possuam, o exercício do bom governo.

Como se vê, quem sustenta a tese da superioridade o governo dos homens alerta completamente a tese do adversário: o que constitui para este último elemento positivo da lei, a sua “generalidade” torna-se para o primeiro o elemento negativo, na medida em que, exactamente por sua negatividade, a lei não pode abarcar todos os casos possíveis e acaba, assim, por exigir a intervenção do sábio governante para que seja dado a cada um que lhe é divido, O outro porém, por sua vez, pode defender-se alegando o segundo carácter da lei: o facto de ser “sem paixões”. Com esta expressão, Aristóteles quer demonstrar que onde o governante respeita a lei não pode fazer valer as próprias preferências pessoas.

Em outras palavras, para Bobbio, o respeito à lei impede o governante de exercer o próprio poder parcialmente, em defesa de interesses privados, assim como as regras da arte médica, bem aplicadas, impedem os médicos de tratar os seus doentes conforme sejam eles amigos ou inimigos. Enquanto o primado do homem o protege da aplicação indisciplinada da forma geral desde que, entende-se, o governante seja justo. A primeira solução subtrai o indivíduo singularidade da decisão, a segunda o subtrai à generalidade da prescrição. Além dos mais, assim como esta segunda pressupõe o bom governante, a primeira pressupõe a boa lei.

O tema da superioridade do governo das leis percorre soluções de continuidade toda a história do pensamento ocidental (mas com não menor fortuna também a história do pensamento político na antiga China).

Uma das formas mais antigas de exprimir a ideia de um bom governante é o termo grego “eunomia”, usado por Solón, o grande legislador de Atenas, em oposição de “dosnomia”. Destacada no contexto de difícil e incerta  interpretação, a expressão mais antiga entre os célebres, depois tornada infinitas vezes pelos modernos, ao império da lei (Signoria della legge), está no fragmento de Píndaro, propagado com o título Nomos Basiles, que se inicia afirmando qual a lei é rainha de todas as coisas, tanto das mortais das imortais. Entre as passagens canónica que a idade clássica transmitiu às ideias sucessivas, deve-se recordar o texto de Cícero, segundo o qual “Omnes legum servi sumus uti liberi see possumus”.

Para completar este discurso, Bobbio destaca que “ deve-se ainda refletir sobre o facto de que por “ governo da lei” se entendem duas coisas diversas embora coligadas: além do governo sub lege, isto é, mediante leis, ou melhor, através da emanação (se não exclusiva, ao menos predominante) de normas gerais e abstratas. Uma coisa é o governo exercer o poder segundo leis preestabelecidas, outra coisa é o governo exercê-lo mediante leis, isto é, não mediante ordens individuais e concertas” ( BOBBIO, 1984:58).

Bibliografia:

BOBBIO, Norberto, O Futuro Da Democracia, 9ª ed, Paz e Terra, Lisboa, 1984,207 p.
CORRÊA, Vanderlei Antônio, A democracia moderna na concepção de Norberto Bobbio, 2010, disponível em : http://jus.com.br/artigos/17692/a-democracia-moderna-na-concepcao-de-norberto-bobbio#ixzz3pYybZcQF ( consultado em 19 outubro de 2015)
CANOTILHO,Joaquim José Gomes, Estado de Direito, disponível em: http://www.libertarianismo.org/livros/jjgcoedd.pdf (consultado em 19 outubro de 2015 pelas 11:08)

SARTORI, Giovanni,. A Teoria da Democracia Revisitada: o debate contemporâneo. v. 1, [s. l.], Editora Ática, 1994.
SILVA, Pedro Gustavo de Sousa. Teorias da Democracia: contribuições de Sartori, Dahl e
Schumpeter, 2008; disponível em: http://www.urutagua.uem.br/015/15silva_pedro.pdf ( consultado em 19 outubro de 2015 pelas 12:00)









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