domingo, 28 de maio de 2017

Música e literatura: As Influências Literária de Raul Seixas, no Krig-ha, Bandolo!,

As Influências Literária de Raul Seixas, no  Krig-ha, Bandolo!,

Franz Kafka, um dos maiores símbolos do realismo mágico senão o maior, nas primeiras décadas do século passado, imaginou um homem “escravizado” pela sua família e, posteriormente, metamorfoseado em insecto monstruoso e repugnante. Provavelmente, essa foi uma das formas que o autor viu para criticar a sua sociedade e dar palavra ao ódio que tinha pelo pai. Por seu turno, Raul Seixas, aquele monstro do rock brasileiro, na década 70, não queria ser outra coisa senão uma mosca a pousar em uma sopa ou a perturbar sonos. Seixas, igualmente, transformado em insecto, tal como a personagem de Kafka, criticava a ditadura militar que se instalara no Brasil. Aqui temos uma semelhança: ambos autores recorrem à metamorfose para criticar o sistema. Daí que, ao se escutar o álbum, Krig-ha, Bandolo!, lançado em 1973, nota-se uma espécie de alusão à Metamorfose de Kafka.  

Aliás, é no álbum, Krig-ha, Bandolo!, que Seixas afirma ser uma mosca, para logo, em seguida, cantar “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Com a “Metamorfose”, certamente, o cantor quer significar que as pessoas mudam de opiniões, dado que não são estáticas e “podem dizer o oposto de o que disseram antes”. Nesse tema, o músico, através duma linguagem pouco metafórica, critica opiniões dogmáticas e intocáveis. Vejamos, depois de se ter transformado em mosca abusiva, Seixas canta que prefere ser a própria metamorfose – observando-se, de forma implícita, mais uma vez, menção a Kafka. Presumivelmente, e tendo-se em conta o apego excessivo do músico pela literatura, tenha lido Franz no processo de composição dessas músicas, com a ajuda do escritor Paulo Coelho, outro conhecedor e fazedor de literatura.

O título do álbum, Krig-ha, Bandolo!,  já nos submete a uma grande metáfora – pois, segundo Seixas, em várias entrevistas após o lançamento do mesmo,  tem que ver com o grito de Tartzan – homem que assimilara comportamento animalesco (macaco). A partir desse grito de Tartzan, pode-se chegar a ideia da metamorfose – “um homem transformado em animal”. Ainda na esteira da metamorfose, Seixas afirmara ser amante da obra de Kafka, bem como lera, incansavelmente, Metamorfosis, do clássico romano Públio Ovídio Naso – daí a relação intrínseca entre essa obra musical e a literatura. 


“Eu sou astrólogo/ vocês precisam de acreditar em mim/ e conheço a história do princípio ao fim” – nessa faixa, o cantor revela-se conhecedor da cultura popular, parodiando figuras como: Júlio César, Jimmy Hendrix, Jesus Cristo e Al Capone. Na verdade, esse último nome é que vai intitular essa sétima faixa do álbum. Como muitos chamaram-no, Seixas é um “rockeiro” maníaco mas com muito conteúdo, dado que, de forma cómica, fala de coisas profundas, tal como na “Ouro Tolo” em que afirma que o material não é suficiente, falta sempre alguma coisa, que talvez seja inalcançável. “Eu devia estar contente/ por ter conseguido tudo o que quis/ mas confesso abestalhado/ que estou decepcionado”- canta, o baiano.

“How Could I Know”, esta faixa pode ser percebida como um hino dedicado a qualquer artífice, não obstante o facto de Raulzinho estar a falar da sua luta pela música, sendo que alerta que “é chegada a hora de se reformular, a partir do princípio, o jogo no qual estamos metidos, pois Jesus Cristo criou suas regras e não mais voltará”. Que tipo de conversa se pode ter entre uma pessoa calada e uma outra com medo de falar? Esta é a questão que surge ao se escutar “Hora do Trem”, peça com apenas um minuto e cinquenta segundos, mas rica de significados - cabe ao ouvinte atribuí-la algum sentido.

O romantismo neste álbum, faz-se sentir na faixa “Cachorro Urubu” em que o sujeito poético, que se auto-denomina índio sioux, lamenta o facto de o seu relacionamento afectivo ter findado antes mesmo de começar. Em seguida, sejamos bem-vindos à abstracção - isso na faixa intitulada “Dentadura Postiça”. Aqui, o músico parece ser comandado por uma ambivalência que grita “vai cair/ vai subir” – não é claro o que o autor quer significar – talvez resida aí a essência da sua poesia.


“Veja quanto livro na estante Dom Quixote, o cavaleiro andante/ luta a vida inteira contra o rei” – mais uma razão para que  Krig-ha, Bandolo!  seja conotado como uma obra com influências literárias e, neste caso, Seixas seria o tal cavaleiro andante lutando contra a ditadura militar: nas “Minas do Rei Salomão”. Para encerrar, segue-se o positivismo misturado com auto-estima na faixa “Rochixie”, sendo que Seixas afirma que “o que eu quero/ eu vou conseguir (…) aprendi que sou mais forte que você”. Na verdade, o álbum inicia com uma gravação sem qualidade com o título “Good Rockin’Tonight”, onde o baiano canta “we’re gonna rock, rock and rock”. Então, ao escutares o álbum, não te esqueças, just rock. 

Autor: Alberto Massango

Fim//   

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