quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A Promessa

A Promessa

Por: Jorge Azevedo Zamba


                                                  Anteontem

Fui educado para acreditar no concreto e nas minhas convicções. Antes do meu nascimento, o mundo já havia assumido um semblante que deus desconhece. Confesso que morei numa igreja, na verdade era um dos confidentes do pastor. Mas no dia que me faltou dinheiro fui escorraçado da casa de deus. E juro que tentei até o suicídio. Seria um descanso eterno que romperia o incómodo que eu constituía para os outros. Seria uma oportunidade flagrante para levar comigo as lamentações e frustrações da vida.



Voltei para casa, a minha verdadeira casa. Quando cheguei naquela palhota, ressuscitei a vontade de suicidar-me e comecei a preparar todo instrumento útil para quem pretende acabar consigo mesmo. Tinha medo, muito medo. Mas primeiro amarrei uma corda gigante num dos barrotes e logo depois procurei por uma cadeira. Agora nada importava. Quanto ao meu filho, saberia se cuidar.

Antes de prosseguir apercebi-me que durante a minha ausência a poeira embrulhou tudo que tinha, até a única cadeira que eu queria usar como um dos instrumentos para o suicídio. Mas nada importava, afinal de contas era o meu último dia no mundo dos vivos.

Antes de subir na cadeira e consumar a fúria, pensei em escrever uma carta a explicar as motivações do suicídio, mas a mente lembrou-me que não tinha nenhuma motivação fundamentalmente aceitável, se não a de que estava a lutar pela vida como se ela fosse eterna. Na verdade, estava cansado de lutar por ela, só isso. Desisti porque pensei que a verdadeira carta seria redigida pelo meu cadáver pendurado num dos barrotes.   

Amarrei a corda ao pescoço. A porta sugeriu-me que a fechasse imediatamente. Desatei a corda e fui fechá-la. Jurei que mesmo se deus viesse pedir licença recusaria, queria acabar logo comigo. Voltei a amarrar a corda ao pescoço. Quando estava prestes a dar um chute na cadeira que suportava o meu corpo, alguém bateu na porta. A tensão da porta desatou a corda que havia enrolado quase todo o pescoço, tive de atender. Mas, antes disso, escondi todo o material.
  
Não vou mentir. A pior dor não é suicídio, mas sim é ser descoberto a tentar suicidar-se e, por isso, fiz de tudo para disfarçar o rosto falecido e as marcas da corda no pescoço. Os pés denunciavam que não me sentia bem. Tentei medir a fúria que tinha da vida e logo suicidei a ideia de querer me suicidar.

A pessoa que bateu na porta era um camarada. Ainda que não fossemos camaradas, chamávamo-nos de camaradas, era típico na minha época. Foi-me dito que expulsámos o colonialismo, agora devíamos expulsar o Lambotismo, Imperialismo e Obscurantismo.

Tive um convite formal para fazer parte do Grupo Dinamizador. Na verdade tive dois por que quem fizesse parte deste grupo não devia ser afilhado de apartidarismo. Bom, não queria mas todo homem válido aderia à mesma fileira. Em momentos de embriaguez emocional, pensava que estava a servir à pátria. Mas quando a embriaguez passava, num universo que entoava hinos revolucionários queria manifestar o meu eu, mas ninguém permitia.

Vou confessar uma coisa. Talvez, se estivesse vivo, não seria capaz de falar nesses moldes. Como dinamizador era excelente por que fazia tudo o que os camaradas me delegavam. Mobilizei as massas populares para aderirem à revolução. Mas encontrei a morte a lutar pela manutenção da ideologia do partido de vanguarda. Não vou contar como aconteceu, a minha morte foi vergonhosa. Mas enfim, agora que comecei vou contar (estou morto e, apenas os loucos protestariam). Eu e um camarada cujo nome a morte roubou.

Durante a nossa rotina vimos um electrodoméstico, vou ser mais directo, apanhámos um congelador 
num apartamento abandonado. Eu fui o primeiro a ver e ele correu para abraçar o electrodoméstico. Nada me restou senão lutar pela minha sorte e o confronto custou a minha vida. No dia em que morri, enquanto me esbofeteavam mortalmente, conseguia ouvir a voz de uns três ou quatro camaradas.


Ontem
Eu morri há umas três décadas, não tenho certeza. Mas para o meu filho continuo vivo e, ele acha que determino o futuro da sua geração, se bem que eu gostaria. Mas ele ainda tem sorte. Passados uns anos, foi procurado para servir aos interesses da pátria, devia pôr as roupas de um militar. Se eu dissesse que me dá orgulho como filho, seria uma inverdade.

O seu tempo era favorável para renunciar comodismos. Fiquei perplexo ao ver a mudança da abordagem política. Agora, o meu filho em cumplicidade com os superiores hierárquicos chamava de volta o que outrora condenávamos: O Imperialismo, Lambebotismo e Obscurantismo.

Mensalmente o meu filho visita-me nos meus aposentos eternos. Ainda que condene esse acto, ele tem a sua crença e não posso deter isso. É estranho. Pensei que soubesse que quando vivo eu não bebia.

Durante a cerimónia jorra vinho na minha cabeça. Claramente que não me embriago porque estou morto. Como queria responder aos pedidos do meu filho. Eu morri a sonhar uma sociedade que promovesse uma luta contínua pela democracia. Vejo que morremos juntos, eu e a minha utopia.

Hoje
Os meus netos crescem indiferentes. Aqueles que prometeram uma sociedade igualitária e democrática continuam com as promessas. Estou morto, mas ainda é-me possível ver certos eventos.
Queria ter um poder malicioso para chamar à atenção dos camaradas que mentiram e continuam a mentir. Os mais velhos e jovens na política exprimem discursos catastróficos. Até os vizinhos do aposento eterno opõem-se às manias dos oportunistas acomodados na política.

Um dos netos mais atentos tem lido sempre os meus escritos, essa é a outra confissão. Quando vivo fui aspirante da poesia e romance e, ainda sou. Por isso, deixei vários textos que na altura não foi possível partilhar com os camaradas, até por que se tivesse tido ousadia de partilhar teria morrido um

pouco antes. Então, eu dizia que um dos meus netos começa a constatar que a expressão: LUTAMOS PELA VIDA COMO SE ELA FOSSE ETERNA, tem diversas interpretações políticas e económicas. 
Não quero que o meu neto morra num confronto por um congelador. Ela merece ser um intelectual que um dia poderá denunciar a podridão do sistema. Precisará de provas e algumas estão nos meus escritos e os que extraviei enquanto dinamizador. Terá de sobreviver na indiferença e na tentação contra os arrojados.

Enfim…
Mesmo neste aposento que a maioria teme, continuo a sonhar e quero ver os meus netos num país livre da monarquia absoluta.  


segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Conto:Renegado Pelo Suicídio






Renegado Pelo Suicídio 

Por:Alberto Massango


Já andava taciturno e indignado quando chegou à conclusão de que o antídoto para as suas úlceras era o suicídio, pois, a medicina, desde a moderna à tradicional, não tinha argumentos para responder às suas inquietações.

Presta atenção, tu que agora me lês, o episódio que agora te vou contar, sucedera a um amigo, chamado Djimo. Sei que te questionas, neste exacto momento, o seguinte: “qual é a relevância de ele me falar sobre a vida do seu amigo, o Djimo?”

Bem, até que te poderia contar uma outra história bem interessante sobre um grupo de cinco putas da Baixa, todavia, hoje, quero contar a história do Djimo, pois é mais interessante que a das meretrizes. No entanto, juro que da próxima contar-te-ei a história das putas, ouviu?   
        
Tal como dizia, a priori, há muito tempo que o nosso amigo, Djimo, andava indignado com tudo e todos. Os filósofos diriam que ele se encontrava numa crise existencial, entretanto, eu prefiro afirmar, simplesmente, que aquele tipo não estava bem consigo mesmo.

Depois de um dia cansativo de trabalho, e um banho de insultos que tomara do seu patrão, Djimo, que era casado com uma bela dama de peitos três vezes mais empertigados que os comuns, voltara para casa com o intuito primário de tomar um banho quente, em homenagem a uma mulher de seios gigantes que lhe sufocava no xapa, bem como tomar uma chávena de chá, logo após o jantar preparado pela sua amada esposa.

Esqueci-me do nome da esposa do Djimo, quando me lembrar, digo-te, mas espero que não seja no último parágrafo deste texto.     
 
No “xapa”, onde o Djimo fora sufocado pela mulher dos seios gigantes, tivera que fazer um esforço enorme para respirar, lobrigar as paragens, suster o monco que descia lentamente do nariz, mexer os lábios e, até mesmo, ouvir os sons emitidos pelos passageiros, pois o “xapa” estava tão cheio à semelhança duma lata de sardinha.

Ali dentro, Djimo, uma vez que não se podia mexer, só lhe restava pensar na nudez da mulher dos seios gigantes, que mantinha, igualmente, as coxas grudadas no seu falo, causando-lhe uma erecção. Portanto, ele matutava, de si para si, que a melhor opção era descer imediatamente do “xapa”, encontrar um sítio privado, para se masturbar e despejar o seu sémen numa garrafa qualquer.
Reparem que a sua esposa e a mulher do xapa têm, ambas, peitos empertigados e gigantes. Daí que Djimo, ao ser agasalhado pela massa peitoral da mulher do xapa, se imaginava em casa, na cama, fazendo a sua esposa gemer que nem uma cadela em plena noite de lua cheia.

Estou pouco me lixando para os preconceituosos, aqueles tipos com tabus para falar de sexo, mas, uma vez que a vida é uma cadeia perpétua, tal como dizia o velho do Cus de Judas, espero que se libertem do preconceito, falando da vagina besuntada e do pénis teso, como deve ser.
      
“Foda-se, foda-se, quem me dera fazer-te chupar o meu pau teso castigado pelas tuas coxas, mulher do xapa”— pensava o Djimo, mas, sem articular nenhuma palavra, tendo de imediato constatado que, ao descer do “xapa”, passaria pela casa do seu amigo, de idade indecisa, entre os trinta e quarenta e cinco anos, com o intuito de contá-lo o quão o seu dia laboral fora cansativo e irritante.   

Tendo já descido do xapa, Djimo caminhava lentamente, sem pressa, como um camaleão, em direcção a casa do amigo. No entanto, antes de lá chegar, passou por uma barraca, que tresandava a preservativos usados e excrementos de homens ébrios, comprou dois cigarros e fumou-os em três minutos.

Na casa do nosso amigo, o tido como braço-direito, normalmente, entramos sem receios a qualquer hora, portanto, foi da mesma forma, sem rodeios, que ele se direccionou ao quarto do companheiro, passando pela sala de estar. O tal amigo morava sozinho.

Quando as coisas estão predestinadas a acontecer, acontecem. Quem poderia pensar que, logo naquele dia, o Djimo passaria pela casa do amigo ao invés de ir directamente para casa encontrar a sua companheira? Nem o seu amigo e muito menos a sua esposa, pois não era seu costume andar em paragens, depois de um longo dia de trabalho.

Quando o Djimo empurrou a porta do quarto, sem pedir licença, como era de costume, sentiu-se sepultado e cremado ao mesmo tempo, pois a sua esposa amada e o seu melhor amigo, estavam na cama, levando a cabo a maior orgia sexual que se pode imaginar.

Finalmente lembrei-me do nome da esposa do Djimo, chama-se Esperança. Bem, mesmo sem querer, quando oiço falar de putas, neste país, vem-me o nome dela, Puta Esperança.

A Esperança, que gemia histérica, sobre o falo do amigo do Djimo, ficou gelada ao ver bruscamente a cara do seu esposo naquele quarto. O ambiente tornou-se silencioso como se de morte se tratasse, ninguém falava, nem o Djimo, nem a sua esposa e, muito menos, o braço-direito. Ninguém explicava nada a ninguém, apenas se olhavam sem mais nem menos, nem um “oi” pelo menos.

Dali, cheio de raiva, melancolia, Djimo pôs-se fora da casa, passou por uma outra barraca, comprou um maço de cigarros para se aliviar da dor, Afinal de contas, encontrara a sua amada e o seu braço-direito numa viagem sexual.

Quando chegou a sua casa, após ter pensado e chegado a conclusão de que o suicídio é a única solução para a sua dor, nas gavetas do armário, pegou num frasco que continha uma substância química usada na matança de ratos, misturou com wisk e bebeu. Tomada a dose, Djimo ficou deitado de barriga na cama, com a sensação de que as lombrigas lhe saiam pelo nariz e orelhas, esperando pela morte que tardava chegar.

Passados trinta minutos, o veneno perdera o seu potencial e o Djimo continuava vivo, mas só queria morrer. Sem demora, pegou numa corda que lhe fora oferecido pelo avô para sei lá o quê — a corda era grossa, com três metros e uma penugem. Desta vez, ele queria matar-se ao modelo tradicional, na medida em que o primeiro não dera certo nem se sabe porquê, pois com os outros funcionou em fracções de segundos.

Tratou de fazer o nó da corda, que depois colocou no seu longo pescoço, arranjou uma poltrona, pendurou a corda no barrote, acendeu um cigarro, contou três vezes, e deixou-se a baloiçar lentamente.


Bruscamente, o barrote, que já estava cansado à semelhança de todo material que cobria a casa, que data desde os anos sessenta, e com sinais de podridão e ruína, partiu-se fazendo desabar todo telhado do edifício. Mais uma vez, tentativa falhada, o Djimo não conseguira se suicidar apenas fracturara a maxilar.

AM//EAC

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Saúde:O Impacto das Crenças Ideológicas no Agravamento das Doenças Mentais



        
 Por: Lameque Xadreque Nacumba*

Os humanos procedem através de representações, mas é fundamental pensar que o processo de representação não é simplesmente um reflexo automático, um resultado especular. No processo de representação, há uma construção diferenciada dos objectos, que diferem de pessoa para pessoa.

Em outros termos, podemos afirmar que todo o ser humano tem um processo de representação, que acrescenta facetas particulares.Os valores sociais de todos grupos sociais fundamentam-se a partir de crenças ideológicas, que podem ser religiosas, culturais ou, até mesmo, políticas. São elementos normativos e orientadores da nossa vida social, que servem, de certo modo, para atribuir elementos de identidade.

Entretanto, tais crenças podem constituir um problema, em determinado momento, para nossa saúde mental. As doenças mentais que advém do impacto das crenças religiosas permanecem até hoje obscura perante a medicina, ou seja, não há uma causa que realmente explique estas doenças tão estigmatizantes.

Não sendo entendida pela comunidade como doença causada por elementos de caracter cultural pois não são só factores biológicos que a determinam, o paradigma da exclusão social permanece nestas situações e, até certo ponto, pode originar o isolamento dos doentes mentais.

A estigmatização faz com que os doentes mentais percam a sua cidadania, sofram preconceitos e sejam segregados pela sociedade. A história das doenças mentais é relatada desde os primórdios da civilização, onde a pessoa considerada anormal era abandonada à própria sorte, Hoje, sabe-se que a doença mental pode ser causada factores biológicos, psicológicos e, agora, sociais. Pelo que necessitam de assistência adequada.

Com a finalidade de ressocialização da vítima e de apoio adequado para o doente e a família, este exercício (ressocialização) ainda é difícil, pois em alguns casos é agravada devido aos mitos sociais ou crenças ideológicas mal interpretadas. 

Partindo do pressuposto de que as crenças ideologias estão presente para satisfazer ou colocar limites na sociedade, é importante reflectir sobre a forma como alguns cidadãos interpretam a doença mental?
Nos últimos anos, temos verificado o maior índice de doentes mentais na cidade de Maputo, sobretudo nas zonas periféricas, tanto que alguns nunca estiveram sobre tratamento e muitos dos doentes acabam agravando o seu quadro patológico com o passar do tempo.

É quase comum ver um indivíduo que aparentemente gozava das suas faculdades mentais numa esquina da cidade a colher lixo nos contentores, falando sozinho, sujo e rejeitado pela sociedade que lhe viu crescer.

Quando buscamos a resposta ou a razão da mesma encontramos algumas limitações no esclarecimento dos casos e, infelizmente, em alguns momentos, as doenças são associadas à magia negra. .

Analisar as doenças mentais nesta pespectiva em pleno o século XXI, onde as informações sobre a doença mental e outras doenças contemporâneas estão sendo divulgados através de vários órgãos, é ridículo e acentua um problema sério.

A estigmatização, que resulta da ignorância de uma sociedade  que devia ser mais informada, é um atentado aos direitos básicos dos doentes e é um problema que exige o engajamento para ser definitivamente erradicado.

Referência de Apoio:
                      
* Formando em Psicologia Clínica pela Universidade Pedagógica de Moçambique                 

Crónica:A Proposta

A Proposta


Por: Lino António Guirrungo.


Neste ano já fiz de tudo. Vou ser mais humilde. Na verdade, quis fazer um pouco de tudo. Um amigo disse-me que eu pareço um alienígena recém-chegado, querendo provar de todas virtudes e vícios da vida humana. No meu caso, acho que quis provar mais dos vícios.



Sinceramente, este ano é propício para esta vontade gritante de me desvirtuar. Está um ano horrível: desemprego, solidão, crise de identidade, alguns amigos perdidos, frustração académica. A lista é longa infelizmente.

Todos vão concordar que um ligeiro desvio numa vida inteira de retidão não faz mal. Está bem, é exagerado falar de uma vida inteira. Estou no princípio da casa dos vinte anos. Não obstante, para os efeitos do texto, preciso de ser dramático.

Primeiro, provei de muitas cervejas e de uns whiskeys. O caro leitor deve achar que ou estou de brincadeira ou sou mesmo um alienígena. Nenhuma das duas alternativas. A verdade é que sempre fui um abstémio e um moralista incorrigível. Numa cruzada individual de espiritualidade, a frase de G. Chesterton guiava-me. Ei-la: "Antes a hipocrisia consistia numa homenagem que o vício rendia à virtude. Agora transformou-se e parece consistir na homenagem que a virtude rende ao vício."

Nunca bebi antes deste ano. “É um milagre para os dias que correm”, dirá o leitor simpático.  “Que retardado!”, imagino que essa será a descrição que fará um leitor mais duro.Segundo, comecei a enganar as minhas vizinhas e algumas belas moças que encontrava pelas ruas. Não era virgem, mas nunca havia ido à cama com uma rapariga só para transar. Eu fazia a amor. Bom, pelo menos acho que fazia amor.

Não usava as minhas namoradas para fins sexuais apenas. Julgo que posso afirmar que amei profundamente duas mulheres na minha vida. As duas abandonaram-me. A última não suportou a minha crónica falta de dinheiro, mas isso é outro assunto.

Terceiro, fumei, fumei e fumei. Duas coisas apenas, fumei vários maços de cigarros e várias vezes aquele estupefaciente que é legal em alguns países progressistas. Não vou mencionar o nome do estupefaciente, só para não me acusarem de incitação ao consumo de drogas ilícitas. Em Moçambique é ilegal, mas adivinho que muitos já façam ideia de que substância me refiro. Aqueles que não fazem ideia, bom, é melhor assim, sobretudo se forem menores.

Quarto, prefiro não dizer!
A quinta coisa é a razão deste texto. A dita proposta. Um amigo me sugeriu, não aquele que subtilmente me chamou de alienígena. Um outro fez. Este último é um devasso, coisa que o outro não é. Acho para efeitos práticos vou cunhá-lo de Devasso neste texto. Desculpe, leitor, entendo. O que penso dos meus amigos não importa agora.

Continuando...
O meu amigo, aliás, Devasso, propôs-me que fossemos conhecer uma mulher praticante da profissão mais antiga do mundo. Conhecer é um eufemismo que ele usou para designar... Bolas, que asneiras eu ia descrever! Ele disse que devíamos ir à famosa Rua Araújo na baixa da cidade de Maputo. Um lugar mítico em Moçambique desde os tempos coloniais.

“Queres que eu fique com uma prostituta, amigo?”, disse eu meio indignado. Devasso advertiu-me que o termo prostituta não era adequado. Modernamente elas têm direitos e "trabalhadoras de sexo" era o termo mais aceitável pela corrente dele. Anui. Ele me deu um prazo para pensar nisso e acrescentou que eu não teria a eternidade para pensar.

Ele é que vai pagar as despesas, não apenas por camaradagem, mas porque tem dinheiro para tal. Eu estou desempregado, convém lembrar.Não durmo desde então. Fui ler para saber mais daquela profissão tão antiga. Parece que ela vai sempre abraçada com a civilização. Gente comum e até mesmo cientistas sérios  vêm  nas trabalhadoras de sexo uma importância social que eu nunca imaginei que tivessem. Dizem que devia ser legalizada! Não há razões para remorsos ou repulsa, de acordo com esses cidadãos ilustres.

Confesso que a ideia me atrai. Tenho devaneios sexuais imensos e a Rua Araújo pode realizá-los, se é verdade o que dizem sobre a mesma. Acho que muitos vão compreender tais fantasias. No entanto, estou com dúvidas se devo ir. Isso se deve ao facto de eu estar preso às convenções sociais hipócritas, de acordo com um blog sobre a matéria. Eu não sei se isso é de todo verdade. Enfim, a realidade é a seguinte: o meu tempo se esgota para aceitar a proposta!

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Crónica:Entre Escrita e Cigarros


Entre Escrita e Cigarros


Autor: Albet Massango

Sentado, mais um dia, na mesma poltrona que me acolhe quando sinto a necessidade de repousar as minhas longas pernas, que, no entanto, não chegam a se comparar ao pescoço duma girafa miúda, tento escrever.



Tento matutar para que alguma ideia surja, entretanto, a mente se mostra incapaz de me munir de argumentos para expressar o que sinto, uma espécie de tédio misturado com saudades de algo que ainda virá.

Enquanto não me surgem ideias, olho para as quatro paredes esverdeadas, onde gotas de água escorrem quando chove. Do lado esquerdo, onde fica uma pequena estante de livros e cadernos usados há anos, lobrigo as pequenas baratas lutando pela sua existência, daí pergunto-me, mata-las ou não? Pois qualquer homem são aniquilava-as, todavia, paro simplesmente absorto nos meus pensamentos. Talvez não goze duma boa saúde mental.
Estando ainda no quarto, do lado de fora, vinham vozes misturadas, algumas grossas e outras sibilantes. Bem, se este texto fosse um tratado linguístico, em fonética e fonologia, dir-te-ia se os sons, provenientes de fora, eram bilabiais, alveolares, velares, palatais ou glotais. Entretanto, uma vez que não estamos naquela ciência parida por Saussure, deixemos isso para trás.
Ao reflectir sobre uma conversa que tivera com um amigo, há alguns meses, que não vêem para a memória agora, em que falávamos dos clássicos, desde os do mundo da música ao cinema, lembro-me de termos mencionado o nome de Miles Davis, aquele monstro do jazz.
Na conversa, o meu amigo, que por acaso o seu nome é Amigo, dissera que Davis, para compor as suas melodias, buscava inspiração nas drogas e na sua amada esposa, esta última que depois o largou.
Assim sendo, na tentativa de ganhar inspiração para escrever, e pensando na conversa que tivera com o Amigo, finamente pus-me fora do quarto à procura dum maço de cigarros, não importava a marca dos mesmos, o que eu queria era fumar para ganhar inspiração à semelhança do velho Miles, quando compôs o Kind of  Blue.
Na barraca, ao pé da minha residência, comprei dois maços de cigarros e retornei ao quarto, desta vez a porta foi a janela, pois quando sai me esqueci da chave lá dentro.
Após um esforço titânico para arrombar a enrugada janela, que não estava gradeada, entrei no quarto mas com o braço esquerdo ensanguentado, pois, durante o arrombamento, um vidro fragmentara-se em pedaços ínfimos e, dai, um caco penetrara no braço de forma agressiva e macabra.
Do estendal, onde ficam as minhas vestimentas, puxei uma toalha, duma cor não muito comum, para enxugar aquele líquido encarnado que ondulava na penugem do meu braço.                               
Passados minutos dum curativo caseiro, revitalizei as energias e sentei-me novamente naquela mesma poltrona, de forma meticulosa, para não machucar o braço quase assassinado pelo maldito caco.
Peguei o teclado para escrever, mas, rapidamente, me lembrei que estavam comigo dois maços de cigarros para a busca de inspiração. Tirei os maços da algibeira traseira das calças, puxei o fósforo que estava na cabeça do monitor e acendi o primeiro cigarro, que foi fumado até à morte.
Senti que vinha a inspiração, daí arranjei melhor a poltrona e puxei o teclado daquele meu computador, para escrever. Redigi o primeiro parágrafo, o segundo e o terceiro e, de repente, fiquei sem ideias. Peguei no maço novamente, fumei mais um cigarro, logo, deu-me vontade de fumar mais um, mais dois até que esgotou-se o primeiro maço.
Quando começava a fumar o quinto cigarro, do segundo maço, mais ideias e palavras surgiam. Senti que a escrita estava mesmo a fluir, escrevi mais um parágrafo, mais dois, mais três, até terminar o texto que tu lês agora, intitulado Entre a Escrita e o Cigarro. 
                                           
Dentre várias dicotomias, nomeadamente, o céu e a terra, o belo e o feio, o forte e o fraco, entre outras, nada mais me interessa senão a leitura e a escrita, dois processos complexos que se completam, tal como a ciência e o senso comum.
AM/AM

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AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO Créditos : AS por:Lino A. Guirrungo (Jan, 2019) Eu nasci pouco depois que...