sábado, 22 de outubro de 2016

Crónica: FUI MAIS FELIZ COM UM METICAL DA ANTIGA FAMÍLIA


FUI MAIS FELIZ COM UM METICAL DA ANTIGA FAMÍLIA
                                                                                                           Por: Albert Massango
Na nossa tenra idade, oito anos, naquela sala de aulas, que ostenta velhice através das paredes pintadas horrorosamente com tinta esferográfica, aguarelas, giz e outros químicos, que não os sei descrever, sentávamo-nos, cinco dias por semana, para estudar.
 
Não nos interessava o luxo, aliás, a nossa sala só tinha uma janela, empoeirada, com teias de aranhas misturadas com enferrujo - tal janela não se abria - quando o calor batia suávamos, mas, mesmo assim, naquele soalho espatifado, que albergava algumas larvas e formigas, colocávamos o nosso trás para assistir às letras que o professor, de bata branca, mandava-nos repetir várias vezes até que acertássemos.
 

Naquela sala, éramos cerca de oitenta alunos, provenientes de todas partes daquele meu bairro suburbano, esquecido pelo tempo, e tínhamos formas diferentes de conceber a aula – eu, por exemplo, era indiferente aos ensinamentos do professor – não me interessava o que ele mandava e deixava de mandar. O Trabalho para Casa (TPC) nunca me interessava, na medida em que sempre levei a sério as minhas brincadeiras.
 

Motivado por alguns filmes, que via em casa, desde Jean-Claude Van Damme à Sylvester Stallone (quando só existia videocassete), não só me desinteressava o TPC, assim como passei a bater nas outras crianças, que eram mais tímidas e mimadas – sentia-me um protagonista fílmico, e lobrigava o professor como vilão, e os meus amigos personagens coadjuvantes. 
 

Era apenas uma criança e não sabia o que me motivava a bater nas outras crianças, sabendo que o professor, posteriormente, bateria em mim com o seu bastão de madeira, o mesmo que ele usava para amedrontar os alunos mais barulhentos, bem como aqueles medrosos que se purgavam nas calças porque não sabiam pedir licença ao senhor professor, ou sabiam, mas não tinham coragem.     
            

Muitas crianças, nos centros urbanos, crescem vendo Tom and Jerry ou Tim Tim. No entanto, nós, crianças daquela escola, porque não tínhamos acesso àqueles desenhos animados, em casa, bastava-nos assistir aos filmes e às novelas, brasileiras, que os adultos viam. Portanto, não te espantes quando te digo que via Van Damme ou Stallone, com apenas oito anos.     
 

No meu grupo de amigos existiam aqueles que faltavam às aulas, duas semanas por mês, no entanto, sem que os pais soubessem – estes eram considerados os mais radicais pois não só batiam nas crianças alheias e se recusavam de fazer o TPC, como eu, assim como mentiam aos seus pais.     
 

Na pequena cantina da escola, sem muitas escolhas porque não tinha outro lavor monetário senão um metical (na altura mil meticais), que a minha mãe me dava às vezes, comprava quatro biscoitos, Zama-Zama, e convidava os amigos para lanchar. Éramos tão unidos como a turma do Baker Street Irregulars, mesmo sem um Holmes.
 

Um metical, obviamente, não era muito dinheiro, todavia, para quem só queria se alegrar, durante o recreio, tal como os outros meninos que tinham um pouco mais, significava muita coisa. Aliás, porquê exigiria tanto dinheiro para comprar um lanche se me faltavam calças e sapatilhas condignas?
 

Bastava um metical para que me sentisse um Hucleberry Finn, no comando de todas brincadeiras que levava a cabo com a minha gentalha, no intervalo maior.      
 

Na manhã de hoje, ao despertar de sonhos inquietantes, mas sem me ter metamorfoseado, dirigi-me à minha pequena estante de livros e ao abrir um livrinho, amarelado e castigado pelo tempo, na página catorze, achei um metical (mil meticais da antiga família), ostentando aquela imagem do Banco de Moçambique – logo lembrei-me da escola primária, do professor de bata branca, dos filmes, dos zama-zama e constatei que fora mais fez quando ia à escola mesmo sem saber porquê.         

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Opinião/ Política:O Mal dos Nossos Heróis




O Mal dos Nossos Heróis

Por : Tsemba Mahotse
 
Afigura-se-me que todos os heróis, enquanto vivos, odeiam o anonimato. E, quando morrem, nós homens vivos, cuidamos de memorizá-los a todo custo. Construímos-lhes monumentos, erguemos-lhes estátuas, escrevemos-lhes biografias, cantamos-lhes poesias e, no delírio da perpetuação memorialística, transformamos os nossos heróis em modelos e instituições públicas. De simples ser vivo transforma-se o homem em uma ponte, uma avenida, um hospital, uma escola, uma biblioteca e entre outras.

Para a comprovação deste caso de personificação das instituições públicas, temos exemplos como a Universidade Eduardo Mondlane; a Biblioteca Brazão Mazula; as escolas Josina Machel, Nelson Mandela, Armando Emílio Guebuza, Francisco Manyanga, Alberto Chipande, sem, no entanto, deixar de trás nomes dos “heróis” espalhados em várias avenidas, ruas e alguns centros de saúde, em Moçambique. Mas porque o fazemos até em locais inapropriados?

Compreendo que os bons mereçam ser louvados e distinguidos com estátuas, esculturas, quadros e lajes. Contudo, não vejo a mesma necessidade, quando se trata de instituições públicas. A razão disso é muito clara: as instituições públicas, excepto museus, não têm a função de perpetuar a memória dos heróis, mas, sim, têm de disponibilizar serviços públicos que são a segurança, bem-estar, educação e saúde.

Fora destas causas, estamos a adulterar as instituições públicas quando lhes atribuímos funções que não lhes competem. Uma escola com nome duma pessoa dá a impressão de ser uma instituição controlada e guiada por ideias de tal pessoa. Nas escolas pitagóricas, por exemplo, se ensinavam, por excelência, a filosofia de Pitágoras. Sendo assim, uma escola com nome do ex-presidente Armando Emílio Guebuza o que tem a ensinar? As políticas de Guebuza? E a Universidade Eduardo Mondlane foi feita para moldar o intelecto dos estudantes com ideias de Mondlane?! Mas, se esse é for o propósito, o que é uma escola quando ela não permite mais a liberdade do pensamento crítico? Desde já, que fique claro que há lugares inapropriados para se perpetuar a memória de alguém, e estes lugares são, por excelência, instituições públicas frequentadas por pessoas. Ademais, cuidemos de não considerar nossos heróis como universais. Quem é herói para mim pode ser um assassino para outro.

 E, em Moçambique, há muitos heróis susceptíveis de serem colocados em dúvida. Respeitemos as instituições públicas. Não as individualizemos através de nomes pessoais que possam gerar conflitos de posse e privilégios por parte das famílias do homenageado. Ele é um herói? Então, escrevemos-lhe um livro, pintemos-lhe um quadro, construamos-lhe uma estátua, esculpamos-lhe uma escultura, mas não permitamos transforma-lhe em um símbolo de educação, saúde, segurança, liberdade, pois o homem não é e nunca vai ser uma ideia.

Recuso-me a assinar a petição que exige a mudança do nome Aeroporto Internacional de Maputo para Samora Machel, mesmo nutrindo maior respeito pelo nosso primeiro presidente de Moçambique. Ele já tem a estátua que lhe honra. E se houver necessidade duma outra homenagem, que se construa outra estátua, faça-se um filme, cante-se-lhe uma canção, mas nada de memorizá-lo em instituições públicas. O acto de homenagem aos nossos heróis, com instituições públicas, tem muito de cultura de bajulação.


TM/AM
(Extraído em :https://www.facebook.com/photo.php?fbid=183354195446112&set=a.156872431427622.1073741829.100013145973031&type=3&theater)

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