sábado, 16 de dezembro de 2017

Literatura: Que Lição se Pode Tirar de “Um Homem que Dorme” – George Perec


Que Lição se Pode Tirar de “Um Homem que Dorme” – George Perec

Georges Perec, escritor francês da segunda metade do século passado, ligado ao movimento literário OULIPO (Ouvroir de Literature Potentielle), na sua obra, narra um certo absurdismo existencial. Os críticos literários chamaram-no “filho” de Kafka “por ter também uma certa visão do mundo em que o labirinto e o puzzle são figuras dominantes”.

A partir da comparação entre ambos, pode-se afirmar que a metamorfose de Perec reside nos seus personagens desobedientes ou, tecnicamente, redondos. Recorremos ao termo desobediente em lugar de redondo, dado que um bom leitor, seja fiel ou infiel, no final de uma diegese “perequiana” constata que os personagens se desviam do plano traçado nas páginas preliminares da diegese, mudando plenamente de comportamento.


 A metamorfose em questão é notável na obra Um Homem que Dorme, composta por aproximadamente 200 páginas, entretanto, repleta de acções e transformações sempre surpreendentes. Ou por outra, as ligações existentes entre os momentos da narrativa, levam-nos à essência dos conceitos acção e transformação, em narratologia. Talvez faça sentido questionarmo-nos: em que medida se justifica essa metamorfose?

Sinteticamente, Perec, no seu pequeno romance Um Homem que Dorme, narra a vida de um estudante universitário desapontado com a sua existência e com sistema. E como consequência desse desapontamento, surge-lhe uma soturnidade profunda, levando-o a abandonar os estudos. A sua rotina passar-se-á a resumir na leitura e dormitacões em seu pequeno quarto, com uma bacia de água ao lado da cama. Ler, comer e dormir, não sair do quarto e não falar com ninguém - passam a  definir a rotina do jovem.

De rompante, o narrador diz-nos que o jovem decidiu sair do quarto para visitar os pais, que residem numa zona rural. Chegado lá, o nosso protagonista tranca-se na velha biblioteca do pai, onde relê alguns livros. Constatando que nem o resgate do passado feliz é suficiente para dar sentido à existência, o jovem retorna ao quarto, e na sua cama ao da bacia de água, come, lê e dorme.

Obviamente, resgatando a ideia da metamorfose kafkiana, nesta personagem vê-se Gregor Sansa, o homem que numa bela manhã acorda transformado num insecto repugnante, incapaz de sair do quarto para o trabalho. O personagem de Perec iguala-se ao de Kafka, que mesmo transformado em insecto, mostra-se indignado com a sua existência e com o sistema que o escraviza para sustentar-se a si e a família.

A grande transformação, com certeza, revela-se quando o protagonista de Perec constata que, sim, a vida é um absurdo e não faz sentido, entretanto a apatia, o sedentarismo, a inércia, o silêncio, o mutismo, também não constituem solução que justifique o absurdo da mesma. Na filosofia de Nietzsche, este protagonista “perequiano” é um autêntico super-homem, pois ao desmascarar a realidade que a tem como verdade inquestionável o que resta é NADA. A moral que se atribui a vida é mera convenção social.

A questão sempre foi: a vida não faz sentido e daí? Perec, com o seu personagem, responde nestes termos: a vida é um verdadeiro absurdo mas, certamente, a indiferença, a taciturnidade e o isolamento, não constituem solução para a perfeição da vida.

A partir dessa resposta ficamos com a seguinte lição: A vida e o sistema são absurdos e não fazem sentido, mas, mesmo assim, o nosso dever, como seres humanos, é viver, participar das acções sociais, opinar e caminhar sempre para frente, amando o que amamos, porque não existe certeza sobre nada. Esta é a lição que pode tirar de Um Homem que Dorme.      

Autor: Albert Massango

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Opinião/ Música: A redenção de um “Bandido Velho”: o “Híbrido”



           A redenção de um “Bandido Velho”: o “Híbrido” 

   
Autores: Estêvão Azarias Chavisso e Telcínia dos Santos 

Quando em finais de 2011 Halloween lançou “Arvore Criminal” (o seu segundo álbum), a voz da “Bruxa” já circulava nas ruas das cidades e subúrbios de boa parte da lusofonia. Para muitos, além de estranha, era uma voz incómoda e agressiva, marcada por uma narrativa crua e sem censura sobre a bruta realidade nos bairros periféricos.





Sem tabus, a Bruxa, como se apelidou entre os rapazes da Youth Kriminal, expunha a realidade pobre e sem perspetivas da periferia de Odivelas, dando asas à voz rebelde de uma juventude já cansada e descontente com o sistema.


O que a Bruxa não sabia era que a sua voz não só rimava as dores da juventude de Odivelas mas também cantava a frustração de centenas de outros jovens dos subúrbios dos problemáticos países da lusofonia, com destaque para os países africanos de língua portuguesa. 

Como um vírus, com temas como “Dia de um Dread de 16 anos”, “Drunfos”, “No Love” e “Fly Nigga”, a Bruxa cativou uma juventude que, embora separada por fronteiras geográficas e oceanos, tinha os mesmos problemas: drogas, miséria e falta de perspetivas. 


A influência de lendários grupos como Racionais MC´s e figuras emblemáticas como Ol' Dirty Bastard foi visível nos dois primeiros trabalhos discográficos do rapper, que, com o seu estilo desprendido e informal, de certo modo, destronava no panorama do rap lusofonia a hegemonia do estilo clássico e intelectual imposto pelo “Serviço Público” (2008), de Valete.      

Quatro anos depois do lançamento do “Árvore Criminal”, Halloween voltou aos microfones para gravar o Híbrido, um álbum que, de certo modo, parece-nos a redenção do “Bandido Velho”.   

É um álbum muito mais melódico e com composições mais maduras, embora fiéis ao estilo expressivo e fortemente emotivo que fez de Halloween um protótipo para a juventude pobre, rebelde e excluída da periferia. 

Aparenta ser um álbum de perdão, reconciliação e, sobretudo, redenção, um resgate à juventude que se “perdeu” na narrativa radical do “Árvore Criminal” e, principalmente, do “Projecto Mary Witch”, de 2006. No entanto, a agressividade “gangstar” continuava lá, facto constatável quando se escuta  músicas como "Gangsta Junkie" e "Bairro Black”, esta última com a participação do lendário  General D e de Buts Mc.


A mistura de vários estilos, como o próprio título do álbum sugere, traz a tona 15 faixas que revelam um artista que quer estar em paz consigo e com todos, deixando um legado que virá a merecer a atenção das futuras gerações. São músicas que geram mil pensamentos e mil sentimentos.



Halloween teria dito que “Híbrido” é sinónimo de evolução: “É aquele crescimento como artista, como homem. Eu mesmo como pessoa tenho sido um híbrido, às vezes sinto essa dificuldade de encaixar-me em algum sítio”, afirma, numa entrevista, o artista, que lembra ainda que o álbum todo foi por ele produzido.

O rapper se assume como sendo “de várias nacionalidades” para justificar um álbum que atravessa fronteiras e conecta várias realidades, revelando a universalidade dos problemas da atualidade. 

“Sou uma mistura de várias nacionalidades, várias pessoas, de certa forma até de vários estatutos sociais. O “Híbrido” é uma mistura de toda a música que eu ouvi, todas as influências”, acrescentou. 

“Mr. Bullying”, uma das mais populares músicas do álbum, é aqui trazido com uma peculiaridade artística quase que cinematográfica, em que o artista revela no rap a sua capacidade de manipular cenários e comandar a mente do ouvinte, trazendo à reflexão um dilema social que tem induzido a homicídios e suicídios um pouco por todo o mundo.

É também um álbum onde o autor se exibe com um olhar de cronista, revelando grande atenção às mudanças e ao estado decadente daquilo que se passa ao seu redor. A capacidade de narrar a desilusão continua intacta, claramente visível em temas como “Zé Maluco”, “Rap de Rua” e “Fantas”.

“Bandido velho” e “Livre Arbítrio”, por exemplo, refletem um artista com uma visão diferente e mais madura da vida, um rapper que consegue “manipular” letras e contextos de forma original, sem, no entanto, afastar-se das tão exigidas bases da música rap. 

Também o tema das desigualdades e os desafios dos emigrantes negros na Europa ganham espaço neste trabalho, como é caso da música “Marmita boy”, em que a questão de fundo é: “Jovem africano do bairro social quais são as tuas chances mano em Portugal?”.

Depois do “Projecto Mary Witch” (2006) e “Árvore Kriminal” (2011), em suma, o “Híbrido” é, curiosamente, o reflexo de maturidade de um artista de quem ainda se espera muito no panorama do rap lusófono.Em o "Híbrido", a Bruxa está madura.

Boa Escuta.
Álbum:
Entrevista:

NB:Escrito à Luz do Novo Acordo Ortográfico

domingo, 30 de julho de 2017

Literatura: O Retrato duma Sociedade Corrompida no “O Cairo Novo”, de Naguib Mahfouz

Literatura: O Retrato duma Sociedade Corrompida no “O Cairo Novo, de Naguib Mahfouz

Assistimos, século passado, à ascensão de diversas correntes de pensamento, para com destaque o niilismo, a psicanálise e o existencialismo. No entanto, esta última, no repertório da literatura africana, faz-se manifestar intensamente na narrativa de Naguib Mahfouz, até então o único autor de língua árabe galardoado com o Prémio Nobel da Literatura.


A narrativa de Mahfouz, autor egípcio nascido em 1911, provavelmente tenha obtido expressão a partir de Sartre e Camus, ambos filósofos existencialistas, que, através das suas personagens e discursos na ficção literária, também obtiveram o mesmo galardão, o maior que um escritor pode receber.

O existencialismo de Mahfouz, entretanto, está inteiramente virado para questões africanas, em particular, as do Egipto dos meados do século passado, caracterizado por enormes desigualdades sociais e económicas – com uma função pública corrompida e altos índices de desemprego, bem como com a ascensão do governo totalitarista de Gamal Nasser.

Algumas dessas desigualdades, vividas no Egipto dessa época, são descritas na obra O Cairo Novo, publicada em 1945, que, em português, chegou às livrarias através da Civilização Editora.  

Trata-se de uma obra “agressiva” sob o ponto de vista religioso, pois o autor questiona a ausência de “Deus” na vida daqueles (muçulmanos) que nele crêem, mesmo de forma dogmática. Ora, a abordagem de Mahfouz sobre religião, possibilitou o banimento de alguns dos seus títulos, como por exemplo, “Filhos de Gabalawi”, em países árabes, chamaram-no infiel pelos crentes e, pelos teóricos, niilista e existencialista.  
                      
Com recurso a uma linguagem simplista e de breve compreensão, que Roland Barthes chamou de “escrita de grau zero”, na obra O Cairo Novo, Mahfouz coloca em debate diversas temáticas mas, essencialmente, questões científicas e religiosas, catalisadas por uma abordagem sociopolítica.  

Logo no dealbar da narrativa, especificamente nas primeiras páginas, através das personagens instituídas por este escritor egípcio, somos introduzidos à antiga reflexão sobre ciência e religião. Temos, por exemplo, a personagem Ali Taha – um ateu que se prende ao socialismo de Marx questionando a religiosidade de Ahmed Bider, e Mahgoub Dyim.

“ […] Lembrem-se de que nos encontramos na universidade, um local onde não é consentido que se faça referência a Allah ou à paixão […] a universidade é inimiga de Allah. E quanta alegria sentia ao ver os maiores filósofos – Platão, Descarte, Pascal e Bergson”.

No trecho a cima, manifesta-se a questão religiosa versus ciência (espaço académico), em que Ali Taha questiona o apego excessivo dos seus colegas à religião.

Ainda na esteira da religião, quando nos são apresentadas as desigualdades sociais entre os egípcios, numa tonalidade sarcástica, o autor mostra-nos que a maior parte da sociedade crente é desfavorecida e problemática, e, por seu turno, a minoria (que não crê ou menos crê) é financeiramente estável e menos deprimida.

Provavelmente, o autor queira colocar em causa a insignificância que nos leva a crer numa força divina que não nos traz benefícios práticos senão suscitar questões metafísicas e indecifráveis. Na verdade, esta ideia sustenta o niilismo do mestre da língua árabe.

As acções nucleares da narrativa dão-se numa instituição de ensino (a universidade). Nessa instituição, faz-se presente, de forma constante, a temática relativa à academia e religião – chamemo-los códigos ideológicos da obra - não obstante a problematização das relações familiares.

As questões familiares e sociopolíticas observam-se no percurso de vida do protagonista Mahgoub, um dedicado muçulmano que tem a vida mergulhada no absurdo existencial e com capacidades limitadas para responder à uma necessidade biológica, a nutrição.

Só existe uma única causa: a do islão em geral e a do arabismo em particular. Engraxou os sapatos por uma piastra, preço duma refeição completa. Contudo, não conseguia esconder o seu ar doentio, a sua tez macilenta e o seu corpo emaciado”.

Para além da luta pela nutrição, conforme o parágrafo acima, o nosso protagonista passa por momentos absurdos que o fazem “abandonar” os princípios religiosos e familiares pela estabilidade financeira.

Aqui, temos a grande transformação na diegese, dado que aquele protagonista devoto ao islamismo e arabismo se deixa corromper pelo sistema político, na expectativa de ver a sua vida melhorada financeiramente.    

Nesta fase da narrativa, ficamos com a ideia nítida de que o autor pretendia retratar a vida de uma personagem redonda, dotada de diferentes comportamentos – que se dividem entre o bem e o mal. E, em todos ângulos, tal pretensão foi bem conseguida, tornando Mahfouz, segundo a crítica da The New York Times, o Balzac do Egipto e provavelmente de África, ao lado de monstros como Wole Soyinka, Nadine Gordimer e J. M. Coetzee.

Em suma, O Cairo Novo é uma espécie de retrato do absurdo vivido por um jovem que perspectivava um futuro melhor sem esperar que o mesmo fosse submetido a corrupção, suscitando a seguinte questão: o que se pode esperar do futuro?

Aliás, importa realçar que Mahfouz, nesta obra, nos apresenta um protagonista niilista disfarçado de religioso.

                                                                                                 Autor: Alberto Massango


segunda-feira, 17 de julho de 2017

Opinão:Aqui Se Faz e Não Se Paga

Aqui Se Faz e Não Se Paga                       


       por:Lino A. Guirrungo
Sempre que amanhece olho a parede apática do meu quarto e vejo escancarada a inscrição: “o tempo não recompensa homens impacientes”. É uma daquelas frases de efeito baratas, muito fáceis de encontrar em qualquer diário da esquina. Nessa altura do campeonato, já não me apego a grandes filosofias.
Cumpro com a minha rotina desde que engrenei no selvático mundo do pós-universidade: visitar horas a fio sites de emprego e, quando não encontro as vagas desejadas (como acontece na maioria dos dias), entretenho-me nas redes sociais. Ao contrário do que achava um certo pensador, actualmente o tempo é o maior luxo que tenho.
Hoje o grande assunto nas redes sociais são os novos carros importados para os deputados e o relatório que investiga as dívidas do anterior governo. Críticas chovem de todo lado: abuso de autoridade, alguém devia ser preso, a PGR devia fazer o seu trabalho sem interferências políticas, os deputados são uns sem vergonha. As críticas não se fazem calar.
É óbvio demais que a nossa “democracia” ainda é muito frágil. A democracia acarreta transferência e prestação de contas do lado dos governantes e um alto sentido de exigência por parte dos cidadãos e da tão propalada “sociedade civil”.
Quando o escândalo das dívidas nasceu há já um ano, lembro-me de ter dito a um colega de faculdade que se nossos políticos fossem sérios iam de demitir. Sabia que isso não ia acontecer. Nossos políticos não são os únicos cínicos no mundo, basta olhar os políticos do Brasil ou do nosso vizinho Zimbabwe na actualidade. Com evidente entusiasmo, ele replicou que nas próximas eleições isso não passaria impune ao nosso povo. “O povo desta vez vai se vingar nas eleições”, afiançou ele. O seu optimismo parecia transcrever a evidente indignação colectiva. 
No entanto, a indignação não leva necessariamente à acção. Já dizia Montesquieu que “o povo age, sempre, ou demais ou de menos; às vezes, com mil braços derruba tudo; às vezes, com cem mil pés ele não vai senão como os insectos”.
Infelizmente a nossa democracia se resume em eleições, cujo vencedor é sempre conhecido de antemão. As campanhas eleitorais, sem muita profundidade de debate, não passam de um enorme protocolar desperdício de tempo. É inaceitável que continuemos atrelados à visão eleitoralista da democracia. Devemos melhorar o debate quotidiano dos processos políticos e, acima de tudo, a acção e pressão colectiva.
A visão de que todos problemas serão resolvidos apenas em eleições é um abraço cego à ingenuidade e inação. As eleições colocam-nos com as velhas opções de sempre. A nossa democracia deve evoluir para um activismo social constante.
É incrível o nosso esquecimento rápido. Da última vez que ouvi um discurso similar de “vingança nas eleições” foi durante as greves de transporte e preço do pão. O vencedor das eleições assombradas pelas greves aclamou-se pela vitória “retumbante”. A vingança não chegou de acontecer. A oposição culpou a manipulação eleitoral, que é verdadeira mas não explica tudo.
Em abono da verdade, aqui se faz e não se paga. A impunidade e o abuso de poder é uma moda das nossas estruturas de poder. O caso das dívidas é mais um episódio ultrajante entre muitos que já tivemos. A contração das insustentáveis dívidas parece resultado de um amadorismo na gestão pública. É de um contra senso galopante que o nosso país tenha se endividado em nome de empresas cuja viabilidade é duvidosa, sem contar a falta de experiência e capacidade de gestão das pessoas em frente das mesmas.
Não serão apenas as eleições nem as nossas frágeis instituições de justiça a resolver tudo.  A crítica constante nunca devem cessar. A ideia é melhorar a responsabilização dos gestores públicos e não a tomada do poder, como erroneamente alguns confundem.  Ainda temos um longo caminho por trilhar no caminho de uma efetiva democracia.


Julho, 2017

sábado, 8 de julho de 2017

Literatura: Banalização do Símbolo Norte-americano no Leviathan, de Paul Auster

Banalização do Símbolo Norte-americano no Leviathan, de Paul Auster
Harold Broom, um dos maiores críticos literário dos nossos tempos e que criara polémica ao ridicularizar a narrativa sobre Harry Potter e o escritor Stephen King, já se referia à genialidade de Auster. Para Bloom, o autor de “Timbuktu” e “Música do Acaso” consta da lista dos escritores contemporâneos que deve ser lido, ou seja, é aconselhável que um amante de literatura o conheça. Desta feita, no presente artigo, pretendemos argumentar sobre uma das suas criações literárias.  
A obra intitulada Leviathan, da autoria desse escritor americano, reintroduz-nos ao conceito de puzzle, como se de um romance policial se tratasse. Na verdade, cabe ao leitor rotula-la, sendo que a mesma parece estar preocupada em se debruçar sobre diversos assuntos, mas, principalmente, sobre as relações humanas - a forma com que as pessoas lidam umas com as outras.

Nesta obra, com recurso à uma escrita simples mas introspectiva, Auster, autor traduzido em mais de trinta línguas, raciocina sobre amizade, fidelidade, amor, digressão, traição e morte. No que toca à morte, logo nas primeiras página da narrativa, o vencedor do prémio Príncipe das Astúrias de Literatura 2006, brinda-nos com uma prolepse, que constitui fio condutor da diegese no seu todo, pois quando se busca compreender a morte do personagem, surgem mais questões.
“Há seis dias, um homem foi morto por uma explosão na berma de uma estrada algures do Wisconsin […] junto ao seu carro, quando a bomba que estava a montar explodiu acidentalmente”, assim inicia a narrativa, com ingredientes básicos para hipnotizar o leitor, seja ele assíduo ou não.      
Na obra, são-nos apresentadas personagens redondas e extremamente inusitadas, como é o caso de Sachs (o homem morto) – revoltado consigo mesmo, bem como com a sua sociedade, aliás, chamá-lo-emos “antipatriota” por se rebelar contra os símbolos americanos, a Estátua da Liberdade. Para este, aquele símbolo não tem nada que ver com a liberdade senão com a exibição da “supremacia” da democracia norte-americana.
 É sabido que Auster, nas suas obras, nos traz sempre reflexões atinentes à sua paixão desenfreada pela escrita e literatura e, neste livro, não será diferente, dado que Sachs, preso e condenado dezassete anos por se recusar a combater na Guerra de Vietname, escreve um romance subversivo, que o intitula The New colossus. 
“Tendo em conta que a guerra grassava no Vietname e que Sachs fora preso por causa dela, não era difícil perceber de onde lhe viera essa raiva”, conta o narrador.    
Provavelmente, essa é uma crítica ao ideal americano de ser “o berço da democracia”, sendo que Sachs é demasiado descontente com o sistema e todas suas acções colocam em causa a integridade da “grande nação”.

Sob o ponto de vista biográfico, o protagonista chega a ter traços semelhantes que os do autor, na medida em que é também escritor e tradutor, regressado da França. Talvez seja uma manifestação do um ulter ego. Ao observarmos atentamente, a ideia de ulter ego pode ser sustentada nas passagens em que o protagonista esbanja comentários sobre os autores que o teriam influenciado no seu processo de escrita; e tais autores são os mesmos que Auster dá referência em suas entrevistas: Mark Twain, Nathaniel Hawtron e Fiódor Dostoiéviski.  
Em linhas gerais, ao nos debruçarmos sobre Levithan é inadmissível contornarmos ao código ideológico que nos faz constatar que o autor nesta obra, através das acções levadas a cabo pelas suas personagens, tinha como pretensão questionar o sistema político vigente nos Estados Unidos e “matar” a ideia de se ser nacionalista.

Autor: Alberto Massango

domingo, 28 de maio de 2017

Música e literatura: As Influências Literária de Raul Seixas, no Krig-ha, Bandolo!,

As Influências Literária de Raul Seixas, no  Krig-ha, Bandolo!,

Franz Kafka, um dos maiores símbolos do realismo mágico senão o maior, nas primeiras décadas do século passado, imaginou um homem “escravizado” pela sua família e, posteriormente, metamorfoseado em insecto monstruoso e repugnante. Provavelmente, essa foi uma das formas que o autor viu para criticar a sua sociedade e dar palavra ao ódio que tinha pelo pai. Por seu turno, Raul Seixas, aquele monstro do rock brasileiro, na década 70, não queria ser outra coisa senão uma mosca a pousar em uma sopa ou a perturbar sonos. Seixas, igualmente, transformado em insecto, tal como a personagem de Kafka, criticava a ditadura militar que se instalara no Brasil. Aqui temos uma semelhança: ambos autores recorrem à metamorfose para criticar o sistema. Daí que, ao se escutar o álbum, Krig-ha, Bandolo!, lançado em 1973, nota-se uma espécie de alusão à Metamorfose de Kafka.  

Aliás, é no álbum, Krig-ha, Bandolo!, que Seixas afirma ser uma mosca, para logo, em seguida, cantar “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Com a “Metamorfose”, certamente, o cantor quer significar que as pessoas mudam de opiniões, dado que não são estáticas e “podem dizer o oposto de o que disseram antes”. Nesse tema, o músico, através duma linguagem pouco metafórica, critica opiniões dogmáticas e intocáveis. Vejamos, depois de se ter transformado em mosca abusiva, Seixas canta que prefere ser a própria metamorfose – observando-se, de forma implícita, mais uma vez, menção a Kafka. Presumivelmente, e tendo-se em conta o apego excessivo do músico pela literatura, tenha lido Franz no processo de composição dessas músicas, com a ajuda do escritor Paulo Coelho, outro conhecedor e fazedor de literatura.

O título do álbum, Krig-ha, Bandolo!,  já nos submete a uma grande metáfora – pois, segundo Seixas, em várias entrevistas após o lançamento do mesmo,  tem que ver com o grito de Tartzan – homem que assimilara comportamento animalesco (macaco). A partir desse grito de Tartzan, pode-se chegar a ideia da metamorfose – “um homem transformado em animal”. Ainda na esteira da metamorfose, Seixas afirmara ser amante da obra de Kafka, bem como lera, incansavelmente, Metamorfosis, do clássico romano Públio Ovídio Naso – daí a relação intrínseca entre essa obra musical e a literatura. 


“Eu sou astrólogo/ vocês precisam de acreditar em mim/ e conheço a história do princípio ao fim” – nessa faixa, o cantor revela-se conhecedor da cultura popular, parodiando figuras como: Júlio César, Jimmy Hendrix, Jesus Cristo e Al Capone. Na verdade, esse último nome é que vai intitular essa sétima faixa do álbum. Como muitos chamaram-no, Seixas é um “rockeiro” maníaco mas com muito conteúdo, dado que, de forma cómica, fala de coisas profundas, tal como na “Ouro Tolo” em que afirma que o material não é suficiente, falta sempre alguma coisa, que talvez seja inalcançável. “Eu devia estar contente/ por ter conseguido tudo o que quis/ mas confesso abestalhado/ que estou decepcionado”- canta, o baiano.

“How Could I Know”, esta faixa pode ser percebida como um hino dedicado a qualquer artífice, não obstante o facto de Raulzinho estar a falar da sua luta pela música, sendo que alerta que “é chegada a hora de se reformular, a partir do princípio, o jogo no qual estamos metidos, pois Jesus Cristo criou suas regras e não mais voltará”. Que tipo de conversa se pode ter entre uma pessoa calada e uma outra com medo de falar? Esta é a questão que surge ao se escutar “Hora do Trem”, peça com apenas um minuto e cinquenta segundos, mas rica de significados - cabe ao ouvinte atribuí-la algum sentido.

O romantismo neste álbum, faz-se sentir na faixa “Cachorro Urubu” em que o sujeito poético, que se auto-denomina índio sioux, lamenta o facto de o seu relacionamento afectivo ter findado antes mesmo de começar. Em seguida, sejamos bem-vindos à abstracção - isso na faixa intitulada “Dentadura Postiça”. Aqui, o músico parece ser comandado por uma ambivalência que grita “vai cair/ vai subir” – não é claro o que o autor quer significar – talvez resida aí a essência da sua poesia.


“Veja quanto livro na estante Dom Quixote, o cavaleiro andante/ luta a vida inteira contra o rei” – mais uma razão para que  Krig-ha, Bandolo!  seja conotado como uma obra com influências literárias e, neste caso, Seixas seria o tal cavaleiro andante lutando contra a ditadura militar: nas “Minas do Rei Salomão”. Para encerrar, segue-se o positivismo misturado com auto-estima na faixa “Rochixie”, sendo que Seixas afirma que “o que eu quero/ eu vou conseguir (…) aprendi que sou mais forte que você”. Na verdade, o álbum inicia com uma gravação sem qualidade com o título “Good Rockin’Tonight”, onde o baiano canta “we’re gonna rock, rock and rock”. Então, ao escutares o álbum, não te esqueças, just rock. 

Autor: Alberto Massango

Fim//   

Opinião: AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO

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