sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Crónica: Estou-me nas Tintas


Estou-me nas Tintas
Autor: Albert Massango

‘Estou-me nas tintas!’, ecoava uma voz gutural nas profundezas da cabeça, quando a mente se encontrava numa longa introspecção, minutos após ter sabido que, afinal de contas, ela me abandonara por eu ser, financeiramente, um fracasso e um Zé vivalma, cheio de utopias.
‘O problema das utopias é que nunca se tornam reais, são sonhos que meramente vagueiam em espaços mortos, onde ninguém nem nada habita’, dizia ela, quando, por vezes, entravámos em discussões baratas. ‘Estou-me nas tintas!’, retorquia aquela voz gutural que, em certas ocasiões, se manifestava de forma bilabial.
Eu e ela conhecemo-nos num daqueles invernos de Agosto (eu acabava de ler um texto intitulado Fim do Amor Romântico), nas ruas da Cidade de Maputo. Na tal época, eu andava taciturno, solitário e nervoso, não sei quais eram os motivos para tal melancolia, apenas tenho ciência que me sentia um Brás Cubas à procura dum Quincas Borda, com aquela filosofia inspiradora, o Humanitismo.
‘Estou-me nas tintas’ gritava a voz, quando a vi passando a mão pelos seus cabelos lisos (abri os olhos, prestei mais atenção, dobrei o pescoço de forma desajeitada), sentada quase perto de mim, em seguida, saudei-a. Ela respondeu, com agrado e gentileza, daí constatei que me queria (podia até estar enganado ao pensar assim, mas, felizmente, acertei, pois ela me queria).
Sem mais de longas, trocámos contactos - passadas algumas semanas, combinámos um encontro, ela veio à minha casa – ficámos, por uma hora, a conversar, olhámo-nos. Em seguida, ficámos num silêncio profundo, ela ofegando, lancei-a um beijo e, logo, garrou-me com robustez.
Paulatinamente, ela abriu o zipe das minhas calças e eu os botões da saia dela - como se estivesse a competir com alguém, ela tirou a blusa que a cobria, baixou a sutiã – meti a mão, senti uma certa humidade inundando os meus dedos. Em poucos minutos, já estávamos no auge do acto (prefiro que detalhes a tua maneira, pois todos sabemos como isto termina).
Repetimos o mesmo acto por três semanas seguidas, zipes para cá e botões acolá. Nem sei como, passadas cinco semanas, ela me chamava de amor e, porque eu não me podia pronunciar da mesma forma, aquela voz gutural ecoava lá no âmago ‘estou-me nas tintas’.
É incrível a forma com que ela se apegou a mim em tão pouco tempo (talvez porque eu a endeusava e abria bem os botões da saia dela).
 Não obstante o facto de ela ter começado a condicionar os nossos encontros pelos passeios pomposos, acredito que me amava mas não mais que o valor monetário, que o dinheiro, que o capital, ou seja, não me amava mais que este senhor de diversos nomes.               
Em parte, é injusto que ela me tivesse amor, pois eu nem tampouco a amava, entretanto, a respeitava muito (Mas cá, entre nós, deixe-me dizer-te que nunca demonstrei tal desamor apesar de nunca lhe chamar de amor).         
 Eu não tenho dinheiro e não a amo, mas juro que com o tempo a amaria, até já sentia um pingo de amor comparativamente ao começo da nossa relação, que pouco durara. Por seu turno, ela me amava mas não mais que o cifrão ou, por outra, ela queria o dinheiro e eu não o tinha e, mesmo se o tivesse, não a devia para ser cobrado.
Tendo o nosso relacionamento cessado, definitivamente, apaguei o número dela, primeiro, do meu celular e, depois, da mente e, em seguida, veio aquela voz, desta vez, gritando: ‘ESTOU-ME NAS TINTAS’.    
É difícil contar o que veio depois, após ter-me distanciado da tipa mas já que comecei com a diegese, vou até ao fim. Bem, veio a frustração, confesso que me estava já a apegar a ela, talvez já a amava mas não sabia.
Tornei-me, novamente, num Brás Cubas. Desta vez, mergulhando em leituras melancólicas, filmes e músicas introspectivas (ficava no quarto todo dia, só saía para comer e beber e, às vezes, banhar).    
Não me apetecia mais sair de casa, a alcova era o meu subterfúgio. Aliás, mandei tudo à merda, a faculdade, o trabalho e os passeios entre amigos – daí surgiram as utopias.
Com as utopias, acreditei que, um dia, viveria numa sociedade igualitária (talvez por influências do Manifesto do Partido Comunista), com instituições públicas ao serviço das massas, entretanto, tudo acabou-se quando assisti ao Winston ser escravizado pelo Big Brother – logo, veio-me aquela voz gutural, desta vez bilabial, ‘estou-me nas tintas!’                    

 AM//AM

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