sexta-feira, 13 de julho de 2018

Literatura: D’A Curva do Rio. Partir. para Hinyambaan


D’A Curva do Rio. Partir. para Hinyambaan


Três narrativas sobre existências africanas. A primeira pertence ao escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho e se intitula Hinyambaan. Trata-se duma breve novela burlesca, em que se define o conceito de imprevisibilidade. A vida é o conjunto de acontecimentos imprevisíveis – é o que se pode dizer no desfecho na narrativa em questão.
A diegese, que se debruça sobre a viagem de uma família bóer-sul-africana com destino à província moçambicana de Inhambane, apresenta-se como uma paródia da nossa existência. No entanto, a mesma pode ser tomada como uma espécie de interpretação das concepções que outrem tem sobre Moçambique e a sua condição linguístico-cultural, mas também sobre a ineficiência das autoridades para servir o utente. Hinyambaan, escrito a grau zero como A Água. Uma Novela Rural, da autoria do mesmo escritor, faz-nos conhecer a família Odendaal que se debate com empecilhos para chegar ao seu destino turístico.
Em parte, os obstáculos são colocados pelas próprias autoridades de trânsito e, por outra, os acontecimentos ao longo do percurso é que os tornam possíveis, dado que as vias de acesso não são favoráveis. Há quem diria, entretanto, que esses obstáculos não teriam existido se não tivesse surgido um personagem denominado Djika-Djika, que ajuda os Odendaal com as coordenadas geográficas de Inhambane.
Mas não só os ajuda, assim como os desvia do destino fazendo com que se atrasem e desfaçam os planos anteriormente traçados. É ao longo desse desvio que essa família sul-africana trocará impressões com a cultura, a língua e os habitantes duma alargada família e, daí, surge a imprevisibilidade porque estes, os Odendaal, não faziam ideia de que, ao longo da viagem, se acomodariam no meio duma mata, nutrindo-se de comida e bebida fabricas por aquela população tradicional-rural. Para esses bóeres, que vêm duma grande cidade moderna Sul-africana, aquele cenário rural era uma perdição, da qual se queriam ver livres. É no contexto desta hélice que o leitor se embriaga na novela Hinyambaan de Borges Coelho.
Tahar Bem Jelloun escritor africano de origem marroquina, radicado em Paris, que a qualquer momento pode ser condecorado com o Prémio Nobel de Literatura, apresenta-nos outras existências africanas na região do Magrebe. Jelloun é autor de diversas obras, tais como: o Último Amigo e a memorável Noite Sagrada, que lhe tornou vencedor do Prémio Goncourt de 1987. No entanto, sobre esta nossa viagem sobre existências africanas, a obra em questão intitula-se Partir – romance de quase 300 páginas, que coloca em análise um dos grandes assuntos dos nossos dias, principalmente nesta administração de Trump, a imigração. Sem oportunidades de empregos nem para os recém-formados nem para a metade da população marroquina - jovens, crianças e idosos querem partir, abandonar o Marrocos.
Ainda existirá uma nação se todo mundo partir? O protagonista, Azel, não está preocupado em responder essa questão, apenas quer, de qualquer maneira, atravessar o Mar Mediterrâneo e estrangeirar-se na Espanha, assim como boa parte da sua juventude. E para atingir esse objectivo, Azel, mulherengo e inteligentemente formado em Direito, acionará todos mecanismos ao seu alcance, mesmo se for para se relacionar com Miguel, um rico espanhol apaixonado por ele.
Mas o preço dessa ambição será a perda da virilidade. Jelloun, através dos seus personagens, chega a mostrar que muitos magrebinos nem se consideram africanos, mas sim uma parte da Europa. Todavia, por ironia, os europeus trancam as fronteiras e acionam cães e cabos elétricos, afirmando que não querem ser incomodados por africanos muçulmanos responsáveis pelo terrorismo e mendicidade no seu território. É nesta ordem de ideias que o escritor marroquino dá-nos a conhecer uma existência africana.
Um outro escritor, Prémio Nobel de Literatura 2001, recorre à Historia para narrar a vida de pessoas africanas perturbadas pela subjugação europeia, quando desenvolviam uma série de atividades comerciais com os árabes. Chama-se V.S. Naupaul caribenho de Trindade, radicado em Londres, e a sua obra é intitulada A Curva do Rio, com 337 páginas.
Nesta obra, Naupaul narra a existência de um país africano, que após a proclamação da independência e uma guerra civil, dispõe de um novo presidente. Um presidente que mete medo e nojo aos cidadãos - uma mão autoritária, na verdade. Em termos comparados, esse presidente ditador que se instalara naquele país africano, que não chega a ser referenciado, não se diferencia do Big Brother do 1984, escrito por George Orwell.
Pela imagem, o cenário dramático que se apresenta se assemelha a vários países africanos, em que os governantes mostram-se intolerantes e opressores para com os seus povos. A questão relativa às guerras civis que Naupaul explora, lembra-nos o filme Beasts of No Nation, baseado na obra com o mesmo título, da autoria de Uzodinma Iweala, em que não se sabe se o herói é o governo ou os rebeldes liderados por Commmandant, interpretado por Idris Elba. No final de A Curva do Rio é possível vislumbrar países africanos e as suas patologias – guerra, corrupção, autoritarismo e analfabetismo.

                                                                                                                            Autor: Albert Massango

                                                                 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Opinião: AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO

AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO Créditos : AS por:Lino A. Guirrungo (Jan, 2019) Eu nasci pouco depois que...