quinta-feira, 4 de julho de 2013

História

Matsangaíssa
                                                                                                Autor: Ivan Castigo Zacarias 
                                                                                             Ivacazaca@gmail.com

                                                                                                 
Nascido na zona da fronteira da província de Manica com a antiga Rodésia do Sul (actual Zimbabué), no dia 18 de Março de 1950, André Matade Matsangaíssa foi o primeiro comandante e um dos fundadores da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) – na altura Movimento de Resistência Nacional – que desencadeou uma guerra em Moçambique, um ano após a independência nacional, que durou cerca de 15 anos (iniciou, efectivamente, em 1977 quando Matsangaíssa e os seus recrutas tomaram de assalto o campo de reclusão de Sakuzi e terminou em 1992 com a assinatura dos Acordos de Roma). Dissidente da Frelimo, Matsangaíssa, foi preso no campo de reclusão de Sakuzi, na província de Sofala, donde conseguiu fugir para a Rodésia do Sul, em 1976. Organizou uma expedição contra o mesmo campo, em 1977, na qual resgatou 400 prisioneiros. Na versão oficial, Matsangíssa morreu em 1979 após ter atacado uma posição das forças governamentais. Sendo sucedido por Afonso Dlakama, no comando da Renamo.

A guerra dos 15 anos é chamada por alguns – os que defendem que a mesma foi motivada por questões internas (as politicas adoptadas pela Frelimo) e protagonizada por indivíduos nacionais com objectivos revolucionários (implantar a democracia multipartidária e acabar com o comunismo) – de guerra civil, e por outros – que pensam que a mesma tem como causas factores externos (o regime do apartheid que vigorava na África do Sul, o regime de Ian Smith, na Rodésia do Sul, e a insatisfação de alguns portugueses desejosos de permanecer e perpetuar o sistema colonial no pais) visando, deste modo, desestabilizar Moçambique – de guerra de desestabilização.

No entanto, o historiador moçambicano, Egídio Vaz Raposo, traz uma visão sintetizada. Raposo diz que a guerra dos 15 anos pode dividir-se em dois períodos: o de guerra de desestabilização, com apoio externo, e o de guerra civil, em que os rebeldes tinham já uma agenda política própria. Para Raposo, o primeiro período – que estendeu-se de 1977 até a assinatura dos acordos de Nkomati na África do Sul em 1984 – foi caracterizado pela “falta de um discurso coerente, de uma causa”, e “pela matança, pela destruição e pelo enfraquecimento da infra-estrutura nacional”. Enquanto, o segundo período – que começou nos finais da década de 1980 com a queda do Muro de Berlim e a desagregação da União Soviética – foi caracterizado por uma Renamo que havia se “apropriado de novos valores: a democracia e a liberdade".

Portanto, Raposo junta as duas visões dizendo que a guerra pode ser chamada de desestabilização como também de civil, tendo em conta, naturalmente, as balizas cronológicas que o mesmo propõe.

A criação da Renamo

Trazemos, aqui, três versões diferentes sobre a criação da Renamo. As mesmas apresentam-nos o mesmo Matsangaíssa em três diferentes perspectivas: o guerrilheiro político, o politico e o assassino brutal.

A primeira versão é a de Dlakama. Numa entrevista extraída do livro Jogos Africanos, de Jaime Nogueira Pinto, Dlakama, líder actual da Renamo, explica que tanto ele como Matsangaissa eram militares da Frelimo. Dlakama desempenhava a função de chefe provincial da intendência e André a de comandante de um destacamento de engenharia. Ambos, formavam um grupo de “descontentes” que logo entenderam que “o rumo político que Moçambique seguia era errado”.
Segundo Dlakama, a Frelimo já os tinha identificado, faltando, somente, motivos para os prender. Assim, Matsangaíssa foi preso, no dia 15 de Setembro de 1976, sob alegação de ter roubado um motor. Porém, na realidade, segundo Dlakama, as razões por detrás da prisão eram políticas.

Após a prisão de Matsangaíssa, como conta Dlakama, o seu grupo fez chegar uma mensagem para que ele fugisse, com a ajuda de alguns familiares residentes na zona de Sakuzi. Em Dezembro de 1976, Matssangaíssa fugiu para casa de seus familiares na província de Manica, localidade de Chirrara, permanecendo lá por cerca de 10 dias a fazer o reconhecimento do terreno. Tentando identificar a melhor rota para chegar à Rodésia do Sul, como estava planeado.


Depois de ter saído de Moçambique e ter chegado na Rodésia, foi preso pelas autoridades rodesianas, ficando 15 dias detido. Isto porque, de acordo com Dlakama, queriam saber se ele era um espião ao serviço de Robert Mugabe (líder da ZANU e actual presidente do Zimbabué) ou da Frelimo.

Entretanto, como diz Dlakama, Matsangaíssa informou-os que não era nenhum espião, insistindo em dizer que havia um grupo de jovens militares das FPLM (Forças Populares de Libertação de Moçambique) que estava na província da Beira, precisando de armas para lutar contra a Frelimo. Os rodesianos, no inicio, recusaram apoiar. Entretanto, depois de algum tempo, Matsangaíssa foi solto, passando a trabalhar para os rodesianos na área das informações. Entrando, desta forma, em Moçambique com frequência para identificar bases e apoios da ZANU. Por conseguinte, só nos finais do mês de Abril de 1977, como conta Dlakama, a Rodesia aceitou apoiar a criação de um da Renamo.

Dlakama afirma que em Abril do mesmo ano, a Rodésia deu duas armas (AK-47) a Matsangaissa que recrutou dois rapazes moçambicanos, antigos militares da Frelimo, que estavam na Rodésia do Sul a trabalhar em farmas. Assim, no dia 6 de Maio de 1977, Matsangaissa e os dois recrutas entraram em Moçambique, dirigindo-se para o campo de reeducação de Sakuzi, em Gorongosa e tomando de assalto o local. Como diz Dlakama: “Queimaram todas as instalações, que eram de material tradicional, e trouxeram mais de 400 pessoas com destino à Rodésia. Destas 400 pessoas, o André conseguiu chegar à Rodésia com pouco mais de 25, porque muitas delas não quiseram ir, preferiram arriscar e voltar para as suas aldeias”.

A segunda versão é a de Máximo Dias. Dias, contrariando a informação segundo a qual Dlakama fora um dos membros fundadores da Renamo, afirmou que ele e André Matsangaissa fizeram parte do grupo de cidadãos que fundaram o mesmo, em 1976 na cidade da Beira, província de Sofala e que Dlakama não era um dos membros fundadores do movimento de guerrilha. Para Dias ao fundarem a Renamo não pretendiam “destruir o país, mas obrigar a Frelimo a mudar a sua política de exclusão, mas os então regimes da África do Sul e da Rodésia do Sul, aproveitaram-se deste movimento, transformando os guerrilheiros em mercenários de baixo custo”.

A terceira versão é a de Joaquim Alberto Chissano, o segundo presidente de Moçambique. Chissano, no decurso de uma palestra organizada pela Universidade São Tomás, por ocasião do Dia da Paz (04/10) e dos 18 anos depois da assinatura do Acordo Geral de Paz, falou que, havia, em Moçambique, um grupo de “descontentes” (pessoas ligadas ao regime de Ian Smith, do apartheid, e antigos colonos portugueses) que estavam contra a independência de Moçambique. Esse grupo, juntamente com alguns moçambicanos, fez aproximações à África do Sul e à Rodésia do Sul. Mas, como diz Chissano, “André Matsangaissa e Afonso Dhlakama não estavam lá”, e nem tinham uma vaga ideia do que se passava.

Portando, segundo a explicação de Chissano, não foram Matsangaíssa e Dlakama os fundadores da Renamo. Mas, sim, um grupo de homens ligados ao regime de Ian Smith, do apartheid, e alguns colonos portugueses que estavam contra a independência de Moçambique.

Como já havia sido dito, estas três versões sobre a criação da Renamo nos apresentam um Matsangaissa visto em três perspectivas. Mas, no final das contas, quem foi Matsangaíssa? O guerrilheiro político, o politico, ou o assassino brutal? Com efeito, para responder esta questão seria necessária a presença física do malogrado. Portanto, não podendo utilizar a metodologia grega antiga a nekuia – ritual pelo qual eram invocados os mortos a fim de questiona-los sobre o futuro – nós, simplesmente, propomo-nos a investigar, com base neste texto, a origem das divergências políticas nacionais – isso numa outra ocasião.

Morte de Matsangaíssa

Existem divergentes informações em torno de da morte de Matsangaíssa. Contudo, todas são unânimes em afirmar que o mesmo morreu em 1979.

A versão oficial é a de que Matsangaíssa morreu em combate a 17 de Outubro de1979, no distrito de Gorongosa, província de Sofala, com as tropas governamentais da Frelimo. Porém, um vídeo transmitido pela TVM (Televisão de Moçambique), em 17 de Outubro de 2007, narrado por Júlio Bica, informa que Matsangaíssa perdeu a vida nas mãos dos rodesianos que o vieram extrair de Gorongosa, de helicóptero, após ter ficado gravemente ferido. Não obstante, Máximo Dias levantou, ainda, a possibilidade de Matsangaissa ter sido morto pela própria Renamo, alegadamente por este nunca ter concordado com a forma pela qual os seus companheiros de luta conduziam a guerra.

Para além das divergências que existem em volta da morte de Matsangaissa, o destino dado ao seu corpo não é ainda conhecido, publicamente. Diz-se que os seus restos mortais haviam sido recolhidos e transportados numa avioneta ao serviço da Renamo que viria a ser atingida pelas tropas governamentais e ninguém terá dado conta nessa ocasião que entre os corpos das vítimas encontrava-se o de André Matade Matsangaíssa.


Bibliografia

Obra:
PINTO, Jaime Nogueira. Jogos Africanos. 2ᵃ ed. A Esfera dos Livros,  2008   
Artigos:
André Matsangaíssa: herói e vilão.
Joaquim Chissano: Há gente com tendência para desprezar e deturpar a história.
Maximo Dias e Andre Matsangaissa!
Renamo exalta personalidade de Matsangaíssa.
Chissano fala da guerra dos dezasseis anos.
Entrevista:
“De guerra de desestabilização a guerra civil” (Entrevista concedida a DW África, por Egídio Vaz).

                                                                                                  

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