domingo, 16 de março de 2014

História de Moçambique





            O Mito dos Quinhentos Anos de Colonização Portuguesa em Moçambique   

                                                                                                por: Ivan Castigo Zacarias

É frequente ouvirmos, nos meios de comunicação e até mesmo em círculos académicos, afirmações absurdas segundo as quais Portugal colonizara Moçambique durante cinco séculos. Se não são delirantes, essas afirmações, são o reflexo da ignorância da história nacional por parte das pessoas que as veiculam. Por isso, decidimos esclarecer, de forma sucinta, as mentes que partilham desta ideia. 

No entanto, para evitar possíveis confusões, começaremos por definir o conceito de colonialismo. Colonialismo, de acordo com o Dicionário Inglês de Oxford, é um termo que provém do romano colónia – que significa assentamento, referindo-se, nesse caso, aos romanos que tinham se assentado em outras terras mas que continuavam mantendo a sua cidadania romana. 

Por outro lado, o termo pode ser entendido, segundo Ania Loomba, na sua obra Colonialism/Post-Colonialism, como sendo a conquista e controle da terra e dos bens de um povo sobre outro. Segundo a antropóloga, o colonialismo pré-capitalista difere-se do colonialismo moderno do século XIX, na medida em que o primeiro baseava-se na cobrança de tributos aos povos subjugados, ao passo que o segundo, por sua vez, era demasiadamente coercivo. Fazendo-se valer de medidas de reestruturação da economia, introdução do sistema de trabalho forçado e evidenciando a dependência das colónias às metrópoles. 

Voltando ponto principal, e uma vez definido o conceito de colonialismo, propomo-nos, sem mais delongas, trazer os argumentos que sustentam a nossa posição. Em primeiro lugar, importa referir que até o século XV, altura em que os portugueses dirigidos por Vasco da Gama chegaram à costa oriental africana, geograficamente o território que hoje chamamos de Moçambique não existia. Moçambique, como advoga o historiador Malyn Newitt, adquiriu a sua forma actual em virtude de um tratado anglo-português de Maio de 1891. Portanto, o que existia antes desta data não era um território moçambicano unificado, mas sim vários estados-multinacionais unidos valores culturais.    
  
Em segundo lugar, os primeiros contactos que os portugueses tiveram com os povos da costa oriental africana eram meramente comerciais, não havendo, deste modo, uma situação de dominação dos primeiros aos segundos. Exemplo disso é o caso particular do Estado dos Mwenemutapas, surgido por volta de 1440-50. Onde, segundo o historiador Nogueira da Costa, na obra O caso do Mwenemutapa, durante o período compreendido entre 1506-1597[1] haviam relações de certa forma pacificas, predominando a dependência dos portugueses. 

Esta situação só veio alterar-se no século XVII, altura em que nota-se: i) uma dependência crescente dos povos africanos em relação aos portugueses, devido ao auxílio militar que estes prestavam; ii) a recusa dos mesmos em pagar a curva[2] em 1927, iii) uma série de imposições feitas pelos portugueses ao Mwenemutapa reinante, tais como: a abertura para construção de igrejas missionárias no seio da comunidade e deliberação  de que o representante do poder português poderia entrar no Zimbabwe armado.

O terceiro argumento por nós levantado reside no princípio da ocupação efectiva de África, que, efectivamente, fora determinado pela Conferência de Berlim (1884-1885). Após a mesma, os portugueses fizeram a última campanha que culminou com o “crepúsculo” do Estado de Gaza, em 1895 com prisão e deportação de Ngunguhane para a ilha dos Açores. Portanto, antes disso os portugueses ainda não haviam ocupado totalmente o território moçambicano. 

Por outro lado, mesmo após a ocupação colonial os portugueses, porque não tinham poderio económico e militar suficientes, decidiram pôr dois terços do território nacional sob a administração de companhias concessionárias, como é o caso da Companhia de Niassa (1894-1929), que dominava o território compreendido entre as províncias de Niassa e Cabo Delgado e da Companhia de Moçambique (1891-1941), que dominava, por sua vez, o território compreendido entre as províncias de Manica e Sofala.

Assim, as únicas áreas que estavam sob o domínio directo do governo português eram: Nampula, uma parte de Tete e o sul de Moçambique, extremamente dependente do capital sul-africano. Um outro ponto a não descurar é o de que, na verdade, a centralização política e administrativa de Moçambique só foi feita durante o período do Estado Novo (1930-1974)[3] no qual se verificou efectivamente o auge do colonialismo português.

Na senda dos argumentos levantados, fica claro que o discurso de alguns supostos académicos é desprovido de sentido e lastimável. Não foram, historicamente falando, cinco séculos de colonização.  
A colonização portuguesa em Moçambique foi um processo e não algo feito do dia para noite, como alguns indivíduos, movidos pela opinião, falaciosamente, afirmam. A colonização da qual podemos falar, no período inicial ao seu estabelecimento, é uma colonização bastante localizada. Contudo, não se pode negar que os primeiros contactos entre os portugueses e os povos africanos datam do século XV.  



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LOOMBA, Ania. Colonialism/Post-Colonialism. London: Routedge, 1998. p. 1-19.

NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Mira-Sintra: Publicações Europa-América, 1997.

NOGUEIRA DA COSTA. Penetração e Impacto do Capital Mercantil Português em Moçambique nos Séculos XVI e XVII: o caso do Mwenemutapa. Maputo: Departamento de História da UEM, 1982.


[1] - Época em que os portugueses constataram o desvio do ouro por Angoche e, simultaneamente, foram estabelecidas as três primeiras feiras portuguesas.

[2] - Tributo que os mercadores deviam pagar as autoridades locais para que pudessem transitar ou comerciar nas terras do Mwenemutapa.
[3] - Considerado o período auge da colonização portuguesa, foram adoptadas filosofias de opressão no sentido de tornar as colónias portuguesas exportadoras de matéria-prima.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Opinião: AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO

AS MENTIRAS DO NOSSO TEMPO E O CAMINHO PARA O FUTURO Créditos : AS por:Lino A. Guirrungo (Jan, 2019) Eu nasci pouco depois que...