terça-feira, 25 de agosto de 2015

CRÓNICA: EU SOU “MATRECO”




                                    Rito Nobre

Estava eu a andar na rua, a voltar de um pequeno encontro que tive com meu parceiro das “boladas” Gamito.Vestido das minhas calças jeans azuis, camisa cinzenta de marca Timberland que o meu amigo Dinho ofereceu-me, porque engordou de repente e já não cabia nela, com os auriculares pretos que a Marcinha emprestou-me, conectados ao meu telemóvel, sintonizado uma estacão de rádio que já não me recordo qual, mas o certo é que eu ouvia uma notícia sobre o ataque das tropas do Governo à base da Renamo em Satungira|Gorongoza.

Passei de um contentor de lixo, logo depois de uns dez metros, passa uma moça linda, vestida invulgarmente, (entenda-se invulgarmente como fora do comum, o comum, nesse caso, seriam roupas apertadas que deixam parte do corpo das mulheres nu) provavelmente seja isso que me chamou atenção, o impacto foi tão grande que nem um simples “oi” saiu-me da boca, só consegui olhar e contemplar.

Ela continuou a sua caminhada, atravessou a estrada e foi comprar credito - digo isso porque ela foi em direcção a um jovem que trazia um daqueles coletes amarelos. Eu continuei a minha caminhada em direcção a paragem, com a imagem dela na mente e a pensar comigo mesmo: “se aquelamoça me aparecer a frente de novo, juro que não perco a oportunidade e vou falar com ela, e, quem sabe, até consigo o número de telemóvel dela”.

Cheguei à paragem, no Museu, e fiquei ali, à espera do chapa do Fomento ou Liberdade, isso porque para a minha casa qualquer uma das rotas dá-me jeito. Eu estava bem certo de que não viria mais aquela moça, tão diferente das que eu estava acostumado a ver por aí, em todos os cantos dos bairros da cidade e da periferia.

Devo ter ficado parado ali por uns cinco minutos, tempo suficiente para terem passado chapas de todas as rotas menos os das minhas. Aliás, o único chapa da Liberdade que passou não parou ali, foi parar em frente as barracas do museu, onde o motorista e o cobrador desceram e entraram no mercado, provavelmente para almoçar.

Já estava a ficar conformado com situação, quando, para minha surpresa, a moça veio a caminhar na minha direcção e parou justamente ao meu lado. 

Àquela hora, catorze, não havia bicha na paragem, aliás, acho que em todas as paragens da cidade não há bichas e nem luta para apanhar o chapa porque os alunos e trabalhadores ainda estão a exercer as sua actividades.

Confesso que a coragem que eu jurei ter se ela aparecesse a minha frente de novo foi embora, e até tremi um pouco quando ela parou ao lado de mim.

Eu virava discretamente a cabeça para apreciá-la, mas a vontade que eu tinha era de falar com ela, só que a falta de coragem me possuía, fiquei naquela situação por uns quatro minutos, até que chegou um chapa do Fomento.

Fiquei triste por saber que iria embora sem ao menos ter dado um oi a aquela moça linda e diferente, mas só podia ser assim, visto que o meu estômago já implorava por comida desde às treze horas, e como estava sem dinheiro, a solução seria comer em casa mesmo, porque se não estivesse faminto não me importava nem um pouco de ficar mais algum tempo na paragem a olhar para ela.

Fomos em direcção ao chapa, por ai sete ou oito pessoas, fiquei espantado quando vi que ela fazia parte do grupo das pessoas que subia o mesmo chapa que eu.

 Nesse momento, olhei para cima e agradeci aos céus por aquilo tudo, mais uma vez ela passou a minha frente, subiu e sentou-se no segundo banco, contando de frente para trás, aquele que vem a seguir ao banco do cobrador.

Ela acomodou-se no canto, ao lado da janela, e eu não quis me fazer de “matreco”, fui rapidamente me sentar ao lado dela antes que alguém ocupasse o lugar.

O chapa ficou cerca de vinte segundos antes de arrancar, e eu, durante esse tempo, tentava conter o meu nervosismo, mas ficava cada vez mais nervoso.

Nesse momento, tirei os auriculares dos ouvidos porque o som do chapa estava alto e já não conseguia ouvir bem o noticiário das catorze. De repente o cobrador assobiou e o motorista pôs o carro a andar.

 Estávamos no primeiro semáforo, logo depois de entrarmos na avenida 24 de Julho, quando me surgiu a ideia de aproveitar o volume alto da música do chapa para iniciar uma conversa, assim eu não corria o risco de alguém, além de nós dois, ouvir, mas, mais uma vez, a coragem me faltou.

Depois pensei em aplicar um truqueque vi meu amigo Mandinho usar num chapa um dia desses, que consiste em tirar o telemóvel, entrar no espaço de mensagens escrever uma mensagem e entregar a moça, assim estaria a dar início a uma conversa escrita, já que eu não tinha coragem de falar.

Isso funcionou com Mandinho várias vezes, mas como eu não tenho a coragem dele não me atrevi a fazer isso, depois disso pensei comigo mesmo, “se eu estivesse bêbado talvez perdesse um pouco de vergonha e conversaria com ela sem problemas”, mas recordei-me que tentei fazer Isso uma vez e a tal moça simplesmente ignorou-me e ainda reclamou do cheiro do álcool.

Durante a viagem, também desejei ser meu amigo garanhão Bud, para poder usar a facilidade que ele tem para falar com qualquer mulher que lhe aparece pela frente, o chapa chegou a portagem com a minha mente ainda a arquitectar estratégias e/ou manobras para ver se conseguia dizer um simples “oi” a aquela moça, eu estava com um nó na garganta que chegava até a doer.

 Passamos a portagem, e eu sem tomar nenhuma iniciativa. Mas, logo depois, dei uma olhada discreta e vi que ela estava com os olhos fechados, cabeça encostada ao vidro da janela e mão no queixo, aproveitei esse momento para olhar para ela por uns cinco segundos, por mim ficaria a olhar mais tempo para ela, mas os outros passageiros, certamente, notariam que eu estava a apreciá-la.

Durante a viagem, cheguei a imaginar nós dois a caminhar num jardim de mãos dadas bem apaixonados no final de tarde, em direcção a uma árvore onde sentaríamos e ficaríamos aos beijos.

Nesse momento, o cobrador pediu para prepararmos o dinheiro, porque estávamos quase para chegar ao terminal. Pensei em inventar algo para falar logo, porque já estava a ficar com medo que ela descesse sem eu lhe ter dito um “oi” e, quem sabe, lhe elogiar pela sua beleza. Se possível, em última hipótese, conseguir o seu número de telemóvel. 

Quando faltavam quatro ou cinco paragens para o terminal, o cobrador já a terminar de cobrar, o desespero começou a tomar conta de mim. Me enchi de coragem e olhei para ela, já que ela havia aberto os olhos graças ao cobrador que avisou a todos que ia cobrar, ela também olhou para mim e ficamos com o olhar fixo um no outro.

Dois segundos a olhar para ela nos olhos foram suficientes para eu desviar o olhar, e ficar cabisbaixo, mais uma vez, repito: ela era linda. Não consigo descrever o que senti ao olhar para ela naqueles longos dois segundos.

Eu desceria no terminal e, por isso, a cada paragem que o chapa passava sem que ela descesse era como se fosse uma vitória misturada com alívio, porque estaria ao lado dela por mais algum tempo. Não sei se foi destino ou coincidência, mas o certo é que chegamos no terminal juntos.

 A chapa parou e começamos a descer. Eu desci primeiro porque estava mais próximo a porta, caminhei alguns passos e olhei para trás e percebi que ela estava a vir na mesma direcção que a minha, e eu disse para mim mesmo, “é agora ou nunca”.

Reduzi a velocidade dos passos para permitir que ela me alcançasse, assim eu acabaria com o meu sofrimento, e para o meu azar ela parou numa daquelas barracas da paragem para comprar algo.

Fiquei desmoralizado de tal forma que já não conseguia caminhar de cabeça erguida, andava com as mãos no bolso a olhar para o chão e, as vezes, olhava para trás, na esperança de vê-la novamente a tomar a mesma direcção que a minha.

Para minha surpresa ela tomou a mesma direcção que a minha, retomei ao plano anterior, de reduzir o passo para acabar com o meu sofrimento, ela deve ter percebido a minha acção e intenção porque, quando voltei a olhar para trás ela estava com o passo acelerado e isso acelerou os meus batimentos cardíacos...

 

Continua…

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