quarta-feira, 15 de junho de 2016

Opinião/ Educação: A MORTE DAS ILUSÕES

                   A MORTE DAS ILUSÕES

Por :Lino A. Guirrungo*



No mês de Maio de 2016, exactamente no dia das graduações de uma das universidades mais populares do país, eu recebi uma carta do meu melhor amigo. Ele ia graduar no mesmo dia, após quatro anos de uma extenuante licenciatura em Antropologia. Estranhei que ele me desse uma carta porque não é um hábito enraizado entre os moçambicanos partilhar cartas (ainda mais entre dois jovens!). 


Depois de ler a carta fiquei espantado com o que vi. Sabendo que uma carta é algo muito pessoal, pedi-o para partilhar o conteúdo com todos porque achei que, provavelmente, o meu amigo não é o único a passar pelo que descreveu. Felizmente, ele me autorizou a partilhar, entretanto, com a condição de eu não alterar a carta mas apenas dar um título a mesma. Se alguém se opuser ao título que dei à carta é livre de escolher o seu em função da sua própria interpretação. Eu preferi intitulá-la: “A Morte das Ilusões”.
A MORTE DAS ILUSÕES
“Querido amigo,
Há dois meses que venho pensando em te escrever. Sei que deves pensar que dois meses é demasiado tempo para uma carta como esta, mas deves entender que nunca escrevi uma carta antes. Escolhi escrever especialmente para ti porque acho que és, entre os meus amigos, o que mais é capaz de me entender, embora, em abono da verdade, quisesse gritar para todo mundo me ouvir.
Se eu tivesse que escolher o dia em que indubitavelmente fui feliz na vida, escolheria o dia em que tomei conhecimento da minha admissão. Eu sempre considerei a universidade o lugar em que se conquistavam sonhos e se consagravam os académicos e os indivíduos. Não acreditava que todos os estudantes universitários fossem (ou viessem a se tornar) verdadeiros cientistas mas, pelo menos, sempre os considerei pessoas bastante distintas.
Com o tempo, a universidade mostrou-se um espaço amalgamado de muitas contradições. Esquecendo os conhecidos males estruturais do país e das instituições universitárias, fiquei verdadeiramente surpreendido pela apatia colectiva que afecta não só aos estudantes mas também aos professores.
Conheci muitos estudantes completamente indiferentes aos seus cursos. No meu curso, por exemplo, num universo de quase cinquenta, apenas cinco estudantes queriam fazer a formação como sua primeira opção.
Muitos dos meus colegas queriam fazer os famosos cursos de Direito e/ou Administração Pública, mesmo sem saberem ao certo a razão da ambição desses cursos tão badalados. Era simplesmente indisfarçável o rosto triste dos meus colegas. No entanto, parece que isso é um mal colectivo da universidade.
Um dia eu estava na biblioteca central da universidade e vi uma bela estudante com “Os Maias”, de Eça de Queirós. Aproximei-me e disse-a que o livro era uma boa escolha. Ela olhou-me inicialmente com espanto e depois com muita pena respondeu-me: «Moço, eu sou estudante de Literatura mas não gosto de ler. Na verdade, estou a fazer um trabalho de uma disciplina e faço este curso porque não quero ficar em casa sem fazer nada». Embaraçado, afastei-me dela sem dizer uma palavra.
Ignorando o absurdo injustificável de ela ter mencionado ‘não gostar de ler’ mesmo fazendo Literatura, confesso que me encantei com a franqueza daquela estudante. Naquele dia, percebi a hipocrisia da instituição universitária, da minha e de outros estudantes universitários. Como somos capazes de exigir excelência académica quando as pessoas não estudam o que desejavam cursar? Como esperar que alguém crie sonhos futuros em torno de um curso que no presente representa a morte das suas ambições, esperanças e ilusões? Simplesmente é injusto!
A universidade apresentou-me um outro fenómeno ainda mais grave que a apatia dos estudantes. Excepções sejam feitas, mas aqueles que têm dinheiro e não estudam “compram” o conhecimento e os que não têm dinheiro e estudam “vendem” o conhecimento. A sofisticação do mercado de venda de trabalhos académicos é tal que chego a sentir vergonha pela minha ingenuidade de nunca ter desconfiado que tal prática era comum nas nossas instituições superiores de ensino. Meu amigo, eu não sei como isso acontece na cara de todos?!
Os professores não estão interessados em combater a prática (talvez porque provavelmente não lêem a maioria dos trabalhos) ou simplesmente, tal como os estudantes, estão apáticos e conformados com a situação. Sinceramente, esta prática faz-me pensar que o ensino no pós-laboral devia ser abolido porque a maioria dos “compradores” estudam nesse período. No entanto, estou consciente que tal acção seria inconveniente e arbitrária.
Falando em professores, tenho de te dizer que a minha maior desilusão com eles não é académica mas pessoal. Eu acho aceitável que um professor não seja o protótipo de intelectual de primeira (até porque acredito que seria pedir demais dos nossos professores!), mas não acho admissível que eles não inspirem os estudantes como um modelo de cidadão a ser seguido. Eu encontrei professores completamente conformados com a sociedade e a vida, não lidos e arrogantemente alheios a essa imagem que transmitiam aos estudantes. Não obstante, neste jogo de “esconde-esconde” e “joga a culpa ao outro”, ninguém ousa falar do comportamento nada inspirador dos professores.
Quatro anos foram-se e do jovem enérgico que fui restam cinzas. Sinceramente, eu não queria ir a esta graduação. A graduação representa, além de muito, o fim de um ciclo preparatório. A universidade de quase nada me preparou para esta minha nova fase da vida. A coisa que a universidade fez certamente foi destruir a maioria das minhas fantasias. Ao mesmo tempo, actualmente as exigências são enormes. O desemprego é uma prova viva desta miséria preparatória. A minha mãe é muito compreensiva, tu bem conheces a dona Lurdes, mas até quando ela continuará a ser? Os meus irmãos e a minha namorada aguardam pelo tal futuro, que eu próprio acreditei nele, há quatro anos, mas não sei se conseguirei atingi-lo.
Estou preocupado, meu amigo.
Carinhosamente,
Teu amigo, Milton Ivaca.
(27 de Maio de 2016) ”
 * (Licenciado em História pela Universidade Eduardo Mondlane [UEM])

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