sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Opinião/Música:Nina Simone:The "Colored Girl"

Nina Simone:The "Colored Girl"

“I’m the kind of colored girl who looks like everything white people despise or have been taught to despise.”
– Nina Simone

Por: Telcínia dos Santos 


Setenta anos. Idade perfeita para a morte de uma mulher que em vida viveu milhares de vidas. Nem a raça, nem a cor da pele, nem o berço (humilde), nem os escândalos e as desilusões amorosas e muito menos o câncer foram capazes de apagar o brilho de um dos mais memoráveis símbolos da música afro- americana.

Mais do que a sua própria existência, Nina Simone assumiu desde pequena a causa de “descolorir” o mundo. Diferente do pensamento padrão, Nina sabia que o mundo não era negro nem branco, mas apenas mundo, sem dissensões.


Como quem carrega as dores do mundo, Nina Simone ou “Colored Girl” abraçou uma luta social contra um racismo que, diversas vezes, durante o seu percurso, lhe tirou várias oportunidades.




Se há dores que movem, o racismo foi uma das que conseguiu mover por completo Nina Simone. Na verdade, foi esta dor que deu origem a Mississipi Goddamm, um clássico que assinala o início de uma luta contra a discriminação.

Rapidamente, a “Colored Girl” tornou-se num hino tocado em diversos protestos sociais sobre direitos humanos e civis na década 60.

“I think every day's gonna be my last
Lord have mercy on this land of mine
We all gonna get it in due time
I don't belong here
I don't belong there
I've even stopped believing in prayer
All I want is equality
for my sister my brother my people and me”[1]

Esta abordagem de Nina questiona a existência de Deus e revela a sua descrença provocada pela desigualdade social que prevalecia nos Estados Unidos. Na mesma linha surgiram dois outros clássicos como “Four Women,” and “To Be Young, Gifted, And Black.

Volátil, a cantora interpretou vários estilos, mas de maneira única. Encarnava o jazz e expressava as dores que em vida lhe foram muitas. Entre desamores, enganos e perdas o talento inquestionável nunca se perdeu.

Única, cantava com uma força libertadora. De sorriso difícil, talvez renegado pelas inúmeras portas que se fechavam ao seu talento pelo tom da sua pele, Nina Simone vem marcar diversos períodos da história. Afinal, tudo que ela queria era ser um reflexo da época em que viveu, e que o seu canto revolucionasse.

Esta mulher revolucionária se manifesta ao mais alto nível em “Aint Got No, I got life”, em que ela renega tudo inclusive Deus.

"Ain't got no love                            
Ain't got no air
Ain't got no God
Ain't got no faith
Ain't got no God

                                                                      I've got life
I've got my freedom
Ohhh
I've got life!"[2]


Recentemente, a música e o activismo de Nina Simone reemerge na cultura popular. Em 2016, a história da cantora foi retratada no documentário original da Netflix, indicado ao Oscar “What Happened, Miss Simone?”, dirigido por Liz Garbus.

Também foi lançado o filme “Nina”, realizado por Cynthia Mort, um trabalho que não foi muito bem recebido pela crítica e que explora a sua turbulenta história de vida.

Os “desvaneios” amorosos são típicos das divas e isso bem se retrata no seu livro auto-biográfico, intitulado “I Put a Spell on You: The Autobiography of Nina Simone”.

Em seu primeiro álbum, “Little Girl Blue”, de 1958, na música com o mesmo nome, ouve-se eco de uma “menina mulher”, infeliz que talvez sempre tenha sido. Suavidade e lírica que se casam, numa voz quase que angelical e que revela a carência de uma alma feminina que clama por amor.
“Why won't somebody send a tender blue boy
To cheer up little girl blue”

Apesar de alguns passos em falso e dos escândalos, ela não se “arrepende de nada”. É o que ela diz, em 1972, na música “My Way”, numa versão da celebre obra prima de Sinatra,  revelando-se uma mulher única e sem remorsos do seu passado. Como que pressentindo o seu fim, deixou claro ao mundo que viveu do seu jeito, sem ressentimentos.

Hoje, 14 anos após a sua morte, um antigo dilema parece ganhar asas no ocidente pela ideais de um “Cavaleiro Loiro” que tende a atear mais fogo aos dramas raciais desde muito vividos na maior potência mundial.

Numa altura em que o mundo aguarda a tomada de posse do recém-eleito Presidente norte-americano, Trump, os media estão a noticiar as dificuldades que o futuro morador da Casa- Branca está a enfrentar para abrilhantar a sua cerimónia, após tantas rejeições de cantores como Celine Dion, o músico Elton John, o cantor de country Garth Brooks e a estrela da ópera Andrea Bocelli.

A cantora britânica Rebecca Ferguson disse a Billboard que só poderá cantar na tomada de posse de Donald Trump caso lhe permitam interpretar “Strange Fruit”, música contra o racismo, famosa nos Estados Unidos e já interpretada por Nina Simone, em 1965.

“Strange Fruit” é uma das canções de protesto mais famosas dos Estados Unidos da América. Escrita pelo professor Abel Meeropol, da cidade de Nova Iorque, em 1937, as letras descrevem os linchamentos dos afro-americanos.

Billie Holliday foi a primeira artista a gravar a canção em 1939 e, mais tarde, Nina Simone usou a música durante o movimento dos direitos civis em 1965.

Tudo indica que a 12 de Fevereiro, na edição do Grammy Awards 2017, Nina Simone será reconhecida pelo prêmio Lifetime Achievement, um “prêmio por suas realizações ao longo da vida. Talvez, numa tentativa de corrigir os erros de um passado em que a cantora, em vida, não foi reconhecida nesses moldes.

A cantora afro-americana gravou mais de 40 álbuns ao longo de cinco décadas de carreira. Com trajetória marcada pelo ativismo negro, Nina tornou-se uma das vozes mais célebres da  música soul.
Além de Nina Simone, em 2017, também recebem o prêmio de carreira artística: The Velvet Underground, banda que revolucionou a música rock, na década de 1960, Sly Stone, líder da banda Sly and the Family Stone, a estrela do gospel Shirley Caesar e o ícone do piano Ahmad Jamal, além de Charley Pride, o ex-jogador de beisebol que foi o primeiro afro-americano a ter sucesso na música country.

Simone ficou marcada por incentivar uma luta física, uma revolução violenta, oposta a abordagem pacífica de Martin Luther King, na reivindicação dos direitos dos negros.

Deixando um legado que revolucionou e ainda move épocas, Eunice Kathleen Waymon, ou simplesmente Nina Simone, será sempre lembrada como um ícone da música e do activismo social contra o racismo. Mais do que melodias, Nina deixou ao mundo lições de humanidade musicadas, que inspiram, até hoje, gerações.

TS//EAC



[1] Extraídos do álbum “Nina Simone in Concert”- 1964
[2] Extraído do álbum “Nuff Said”- 1968

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