quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Opinião/ Sociedade :A África e os antropônimos ocidentais



A África e os antropônimos ocidentais


E-mail: tsembah@gmail.com

Porque sou africano, mas tenho nome dum europeu? Eis a questão onto-existencial que muitos africanos, sobretudo, os luso-africanos dever-se-iam fazer, num tempo em que muitos africanos identificam-se com antropónimos alheios. São, deveras, escassos os africanos que ainda se servem dum antropónimo completamente africano nos seus cartões de identidade. E isto, de nenhum modo, nos pode ser louvável, enquanto ainda estivermos na luta contra a colonização mental impingida à África pelo ocidente.

Define-se o nome pessoal/próprio como o substantivo que identifica e distingue o objecto de modo específico. Assim sendo, os nomes pessoais que nos identificam, a nós cidadãos luso-africanos, têm nos distinguido dos cidadãos das outras nações? Afinal, qual é a etimologia dos nossos antropónimos? Porquê o contínuo uso dos antropónimos daqueles que nos colonizaram e a depreciação dos antropónimos africanos? Longe de pretender ganhar ares afrocentristas, meu entusiasmo está em defender a ideia de que cada indivíduo pertencente a uma nação deveria identificar-se com um antropónimo que tem uma ligação “umbilical” com valores culturais, históricos, linguísticos, sociais ou religiosos da sua própria nação.
 
A falta dum antropónimo que nos enraíze na nossa própria pátria pode sujeitar-nos a uma série de confusões ridículas, tais como, por exemplo: um Moçambicano, que se chama Hélder Luís Augusto (antropónimo totalmente português), estando num país estrangeiro como Quénia, Inglaterra, China ou Japão, corre o risco de ser atribuído uma nacionalidade que lhe não pertence, como portuguesa ou, se calhar, brasileira, visto que seu antropónimo lhe puxa obviamente para estas nacionalidades. E como se não bastassem os antropónimos portugueses nas sociedades luso-africanas, o que se vê é a tendência crescente dos novos africanos adoptarem antropónimos ingleses como Shelton, Wilson, Genny, James, companhia afora. Que tem a ver esta bagunça antroponímica com os africanos que somos? Porque não nos valhamos dos nossos próprios antropónimos?

Segundo a literatura oral e mesmo a escrita, no tempo colonial, os africanos foram proibidos de valerem-se dos seus próprios nomes. Em Moçambique, quiseram os portugueses perpetuar a memória dos heróis e ente-queridos de Portugal, impingindo mentalmente aos africanos que seus nomes não eram nomes de “gente”, mas de maus-espíritos que lhes impediam a evolução humanitária. Por conseguinte, estava pronta a igreja católica para purificar as almas dos indígenas. Deste modo, aconteceu que no baptismo ou no notário, o africano que quisesse registar seu filho com um belo e viril antropónimo africano como Manicusse, Ualalapi, Rungo, Sumbi, Nyelete, Fadukwane, etc., fora proibido de fazê-lo. Mas, de seguida, era obrigado a servir-se do antropónimo português, se bem que é belo, como António, Dinis, José, Catarina, Teresa, etc. isto foi mesmo que rebaixar Gungunhane, o rei leão, e elevar dom Henriques, o conquistador – eis o presságio dado por Gungunhane no livro Ualalapi do escritor Ungulani baka Kossa.

Como se não bastasse a obsolescência dos nomes africanos, o colono ousou “maquilhar” os apelidos como foi o caso de Mandhlate que passou para Manjante; de Mondhlane para Monjane; Mabjaia para Magaia; etc. – isto é, concomitantemente hilariante e revoltante. Mas mais hilariante e revoltante é o facto de, há mais de 30 anos, depois da independência, continuarmos a servirmo-nos, pela nossa própria livre-vontade, dos antropónimos daqueles que nos tornaram escravos e desdenharmos os antropónimos dos africanos que eventualmente terão se erguido pela nossa própria defesa. Isto é, de facto, o poder da colonização mental: liberta o corpo, domina a mente. Fomos libertos do colonialismo, mas continuamos com gargalheiras nas nossas mentes. Continuamos com mentes mesquinhas que nos permitem ainda crer que antropónimos africanos carregam mesmo swikwembo (maus-espíritos). Mas se assim o fosse, como se explicaria o caso daqueles africanos que mesmo sem nomes africanos sofrem de problemas espirituais. Eu creio que o mau-espírito habita no homem e não no nome. Mas certamente que se alguém der o nome dum feiticeiro ao seu filho, os maus espíritos poderão tender aproximar-se do filho como se tivessem sido mandados.

O importante a reter é que o mesmo nome pode não ter influência alguma para alguém que não conheceu feiticeiro algum, apenas teve o nome por gosto do pai. E, seja como for, é uma estupidez baptizar seu filho com um nome que você sabe que não é duma pessoa de boa conduta.

Ademais, hoje em dia, há muitos africanos que consideram antropónimos africanos destituídos de estética, ou seja, feios. Mas esta atitude soa a loucura dum povo. Não é nada normal que um povo diga a si mesmo que seus nomes são horríveis. Esta descriminação só pode ser suportada quando vier dum povo para outro povo. Isto é, os ingleses troçarem dos nomes dos franceses. Ou os franceses ridicularizarem os nomes dos japoneses. Por sua vez, os japoneses depreciarem os nomes suazis e os suazis rirem dos nomes portugueses ou árabes. Mas nunca um povo dizer a si mesmo que seus antropónimos são todos feios e ridículos. Aliás, é insensato que alguém avalie a estética do antropónimo segundo o significante e não o signifi-cado. Ou seja, o antropónimo “Castigo”, ainda que soasse agradável, está condenado a ser considerado feio, pois comporta o significado negativo que é punição, opressão, tortura. Mas o nome “Xiluva”, mesmo que a fonética não nos fosse agradável, continuaria a maravilhar-nos, visto que nos representa uma coisa linda que é a flor.

Há, por conseguinte, diversas formas de buscarmos antropónimos africanos para os nossos filhos. Nem sempre precisamos recorrer a nomes dos nossos antepassados para atribuirmos à nossa descendência. Podemos usar nomes de natureza como Nyelete, Dambu, Mate, Xiluva, etc. ou das virtudes, artifícios, mitoscomo Tsumi, Sasseka, Tiyisso, Horrera, Zula, Ngoma, Uhura, Mbira, Khensa, etc. A verdade é que cada nação tem nomes tanto bonitos como pejorativos. Cabe, portanto, a cada pai escolher doravante um nome africano que seja belo ao seu filho.

Basta de perpetuar antropónimos ocidentais, que isto só faz de nós africanos uns verdadeiros patriófobos. Ora, quando o caro leitor ouviu falar dum europeu com um antropónimo africano? Aposto que nunca ou rara vez.  Então, porque nós temos de nos servir do que é alheio, enquanto dispomos do que é nosso? Nem tampouco ousemos acusar a globalização, porque esta pressupõe a reversibilidade das influências. Esta toda bebedeira de quem tanto se esqueceu do seu próprio nome é produto de colonização mental. É, entrementes, mister que haja uma revolução antroponímica a partir das novas gerações que sejam garantidas o direito dum antropónimo africano tanto pela família quanto pelo Estado.

A longa marcha pela liberdade que é o paradigma da filosofia africana pressupõe uma limpeza geral das ruas da nossa consciência. E, somente deste modo, não esqueceremos donde viemos, o que somos e para onde vamos. A mudança do antropónimo ocidental para africano não requerer fundos monetários como uma língua o poderia exigir, mas requer tão somente a nossa vontade de mudança. E, isto se não lhe for de pouca monta, pode começar consigo!

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*Meu nome é Hélder Luís Augusto e meu pseudónimo é Tsemba. Nasci em Maputo, no dia 18 de Junho de 1991. Conclui o 4º ano do curso de filosofia na Universidade Eduardo Mondlane. Já fui um professor voluntário de alfabetização das crianças do meu bairro. Escrevo contos, poesia, romance e ensaios filosóficos. Quero ser um líder do movimento civil na defesa dos direitos e liberdades democráticos.
Contacto: 84 41 61 956

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